História da Medicina

artigo 08

Notícias da Faculdade de Medicina da Bahia
Ano:1842 - Parte I
Por
Antonio Carlos Nogueira Britto.

Fevereiro de 1842 - Desde o ano próximo passado, a cidade da Bahia, em virtude de problemas existentes na obra de um cano da segurança da montanha do teatro*, que por aí desaguava, está causando prejuízo à saúde pública pela estagnação das águas e imundícies que se vão depositar na entrada da rua dos Capitães** e rua direita do Palácio.***

*( Teatro S. João, sito à Praça do Teatro, começou a ser construído em 1806 durante o governo do Capitão General, o 6º Conde da Ponte e 52º Governador Geral da Bahia, João e Saldanha da Gama e Mello e Torres, sendo concluído em 1812, pelo Governador Geral da Bahia, o 8º Conde dos Arcos de Valdevez, D. Marcos de Noronha e Britto); **(No futuro, chamar-se-á rua Ruy Barboza); ***(No tempo que há de vir, terá por nome rua Chile).

O Passeio Público, que atualmente está sob a direção de José Thomaz de Britto, além de mais obras de que carece, tais como grades de ferro para o cerrar pela parte do nascente, e muralha de pedra e cal pelo lado do poente, necessita de concerto e reparo do "tilheiro", que é utilizado como armazém e casa do feitor, e recebe as águas da chuva, que se vão depositar no tanque, d'onde se tiram para rega, indispensável para conservar no verão as plantas, que lhe servem de ornato.
No Cabrito, se vai estabelecer uma fábrica de papel pela companhia "Fábrica Úteis", a qual está aguardando as máquinas que mandou vir da Europa.
O Teatro Público, (Teatro São João), está abandonado por falta de consignação, pois as récitas não dão para as despesas, em virtude da pouca concorrência de espectadores, para os quais somente uma boa companhia os poderia atrair. Para que houvesse apresentações por ocasião dos festejos da coroação de S.M. o Imperador, foi necessário a doação de Rs. 2:000$000 dos quais apenas sobraram uns trezentos e tantos mil réis.
O Hospital dos Lázaros cura e sustenta atualmente setenta doentes, trinta homens e quarenta mulheres. Seu rendimento vem, em parte, dos produtos da Quinta****, que conserva cinqüenta e dois escravos.

****(No século XVI, os padres Jesuítas construiram a Casa de Campo do Colégio da Bahia, que mais tarde recebeu o nome de Quintas dos Padres, destinada ao repouso dos sacerdotes, ao tempo em que cultivavam legumes, vegetais e frutas em magnífico pomar irrigado por nascentes, dai a origem do nome de Quinta do Tanque, em razão dos preciosos reservatórios de água.
Na data do natalício do Príncipe-regente, ao depois D. João VI, foi inaugurado o Hospital de S. Christovam da Quinta dos Lázaros pelo nobre português D. Rodrigo José Menezes e Castro, filho do Marquês de Marialva , governando a Bahia de 6 de janeiro de 1784 a 17 de abril de 1788.)

Terça-feira, 11 de janeiro - O diretor da Faculdade de Medicina da Bahia, Dr. Francisco de Paula Araújo e Almeida, oficiou ao presidente da província, Joaquim José Pinheiro de Vasconcellos, acusando o recebimento do seu ofício de 17 de dezembro próximo passado, acompanhado do orçamento dos concertos que é preciso fazer no anfiteatro anatômico da Escola de Medicina desta cidade e solicita mandar proceder aos ditos concertos porque se aproxima a época da abertura das aulas, podendo desabar o "cobrimento" do mesmo anfiteatro, vindo então a obra a ser muito mais demorada e dispendiosa.

Terça-feira, 11 de janeiro - O Inspetor da Fazenda, Joaquim Barreto Pires de Sequeira, orientou o diretor da Faculdade dizendo que "para que possa pontualmente ser cumprida a ordem que ultimamente tenho recebido do Tribunal do Thezouro Publico Nacional, vou deprecar a Vossa Senhoria que haja de enviar-me o Orçamento das despesas dessa Eschola para o anno financeiro de 1843 a 1844, com exclusão do que respeita ao Pessoal."

Sexta-feira, 4 de fevereiro - Nesta data, foi concluído o orçamento da obra que precisa o salão da Biblioteca da Escola de Medicina: "Desmancho de huma parede dobrada que devide o sallão, para fazel-o maior, fazer outra para feixar o ditto; rasgar trez janellas para fazel-as mais altas e mais largas, e transmittir mais luz: fazer janelas novas, e caixilios de vidraça para as ditas; concertar o telhado do mesmo sallão; fazer-se huma passagem para o dito sobre pillares, coberto, soalhado e com escada tudo pelo preço e quantia de hum conto duzentos e dezacette mil e oito centos reis." - "Rs1:217$800"
"Orçamento de dezacette armarios para a Bibliotheca da Eschola de Medicina como abaixo se vê." - "Dezacette armarios, com dez pez de altura sobre 5 ditos e 2 polegadas de largura cada hum, tendo o corpo de baixo 22 polegadas de fundo, e o corpo superior à proporção, e com 5 partileiras e portas de vidraça, sendo as portas do corpo inferior almofadadas; todas invernizadas, envidraçadas, e prontos com a competente ferragem pelo preço e quantia de sessenta mil reis cada hum, q' todos dezacette prefazem a quantia de hum conto e vinte mil reis." - "1.020$000"

Petição sem data: - O estudante Cyprianno Barbosa Bettamio fez ao diretor da Faculdade de Medicina da Bahia petição nos seguintes termos: "Cyprianno Barbosa Bettamio******, dezejando matricular-se na Imperial Eschola de Medicina d'esta Provincia, de q' Vossa Senhoria he Digno Director, e mostrando pelos documentos junctos ter prehenchido os quesitos necessarios para tal fim ...P. a Vossa Senhoria Se Digne deferir-lhe como achar justo - E R Mce.

Em 15 de fevereiro, o secretário da Faculdade, Prudencio José de Sousa Britto Cotigipe, subscreveu e assinou o seguinte certificado: "Certifico, que á f. 49 - do Livro 1º dos Exames consta, que o Senhor Cyprianno Barbosa Bettamio fez exame de Latim, Francêz, Philosofia racional e moral, Arithmetrica e Geometria em 14 de Fevereiro de 1842." - E o diretor Paula despachou na dita petição: "Matricule-se. Bahia 23 de Fevereiro de 1842"

******(Cyprianno Barbosa Bettamio nasceu nesta cidade da Bahia a 3 de março de 1818, sendo filho de Jenuino Barbosa Bettamio e de D. Custodia Maria. Será graduado em Medicina a 30 de novembro de 1847, defendendo a tese "A Circulação nos vegetais e animais." Morrerá na cidade de Santo Amaro, na província da Bahia, no dia 5 de setembro de 1855, quando terá destacada atuação, naquele fatídico ano, durante a epidemia da colera morbus pestilencial, que dizimará milhares de vítimas. Aos 37 anos de idade, oferecerá, espontaneamente, seus serviços médicos ao então presidente da província, desembargador Alvaro Tibério de Moncorvo e Lima, para seguir até a cidade de Santo Amaro, onde falecerá sete dias depois, contaminado pelo flagelo da colera morbus. No dia 1º de setembro, quando retornará de uma incineração de cadáveres de vítimas da epidemia, abrirá garrafas que deviam conter Água de Labarraque, para desinfecção, e verificará, temeroso, que a vasilha continha água contaminada.
"Foi um grande herói e mártir" _ dirá o presidente Moncorvo. No cemitério do Campo Santo, nesta cidade da Bahia, será levantado portentoso mausoléu de mármore português, onde estará sepultado os resto de Cyprianno Barbosa Bettamio.
Conterá o sepúlcro estas inscrições: "Et Planxerunt enim Heu, heu mi frater"
(Reis - h 3 cap. 13., v. 30)
"Quando em 1855 foi ocasião da invasão do colera algumas autoridades e medicos da cidade de Santo Amaro, esquecendo seus deveres, fugiram e sob pressão do terror deixaram a população destituida de recursos e quando muitos medicos desta capital recusavam-se a partir para ali, a despeito das ordens do governo, o Dr. Cipriano Barbosa Bettamio, medico aqui residente, e que não era funcionario publico, ofereceu-se para ir prestar naquela cidade os socorros de sua profissão, tendo sido igualmente nomeado delegado de policia. Nessa dupla missão nobre e sobremodo arriscada o ilustre medico sucumbiu no dia 5 de Setembro do mesmo ano. Para reconhecimento de tão heroica dedicação o Dr. Inocencio Marques de Araujo Goes, natural e proprietário da cidade de Santo Amaro, mediante o concurso de alguns amigos, depositou aqui os restos mortais de tão benemerito cidadão".

Petição sem data: - o estudante Demetrio Cyriaco Tourinho rogou ao diretor da Faculdade nos termos que se seguem: "Diz Demetrio Cyriaco Tourinho que pelos documentos juntos se acha habil para entrar na Eschola de Medicina, e como isto se não possa fazer sem despacho de Vossa Senhoria por isso
Pede haja de differir.
RRMce"

Em 15 de fevereiro, o Secretário da Faculdade de Medicina da Bahia, Prudencio José de Souza Britto Cotigipe, certificou á f. 49 - do Livro 1.º dos Exames, "que o Senhor Demetrio Cyriaco Tourinho fez exame de Latim, Francêz, Arithmetica e Geometria, Philosofia racional e moral em 14 de Fevereiro de 1842; e foi approvado Plenamente _ :"
O diretor Paula consignou na petição: "Matricule-se. Bahia 4 de Março de 1842 -"

O estudante de medicina, Demetrio Cyriaco Tourinho, nascido na capital desta província da Bahia em 1826, colará o grau de doutor em Medicina em 1847, pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, quando defenderá a tese "Do antagonismo entre as febres paludosas e a tísica pulmonar." Em 1855, concorrerá ao lugar de Opositor da de Ciências Médicas e, em 1859, apresentar-se-á como candidato a Substituto da mesma Seção e à cadeira de Fisiologia em 1865. Será Lente catedrático de Patologia Interna por meio de concurso em 1871. Será membro da Comissão de Higiene Pública em 1856 e Diretor do Hospício São João de Deus. Fundará, em associação com ilustres baianos, o Diário da Bahia. Entregará a alma ao Criador em 1888.

Quarta-feira, 23 de fevereiro - Na manhã deste dia, ofereceu-se o orçamento sobre as obras indicadas no salão da Biblioteca da Escola de Medicina: "Rasgar trez janellas que existem pequenas para fazelas maior, fazendose para as ditas janellas novas Com os Seus peituris e Caxiulhos em Vidrassados. Rasgarse mas huma porta em huma parede de Alvenaria efeixarse Outras domesmo tior, tirar se huma parede de frontal xinjello e fazerse Outra dita Com huma porta no meio deixando o Salão Com maior estenção; o que Orço na quantia de trezentos e Oitenta e Ceis milrs. Bahia 23 de Fevereiro d'1842 - "R:386$000"

"Lista dos objectos indispensaveis á bibliotheca da Eschola de Medicina.

Duas mesas de vinhatico fortes forradas de couro preto, e com gavetas e chave - Tendo cada uma de comprimento - onze pés e de largura - 5 pés a 67240 " - 134$480
Quatro bancos egualmente de vinhatico, fortes com assento e encosto de sola, - de comprimento das mesas - 26200 - 104$800
Vinte cepos triangulares de pau pesado, de diversos tamanhos, e forrados de couro preto, com cabos; para nelles pousar alteando, os diversos volumes que sobre a mesa se levem - 1280 - 25$600
Duas mesas pequenas em forma de carteira dupla com gavetas e forradas de couro, - para nellas se verem as estampas - 2 pés de largo e 4 de comprido - 13$ -"26$00
Quatro cadeiras com encôsto e assento de sola para essas carteiras - a 3200 - 12$80
Uma pequena mesa com guarda, gaveta e chave, forrada de coiro preto e panos ao seda - para o Vice-bibliothecario - largura de 2 pes - 3 de comprimento - 20$000
Uma cadeira de palhinha coberta de lona para essa mêsa - ...
Uma mesa de vinhatico com guarda gavetas e chaves, forrada de couro preto, e panos ao redor para o Bibliothecario -
2 pés e meio de largio e 4 de4 comprida - 20$00
Uma cadeira para o mesmo -14$00
Duas cestas para debaixo dessas mesas
Duas escrivaninhas com os vasos necessarios para ter tambem tinta vermelha -
Uma escada com rodas, totalmente feitas de vinhatico e de que darei o modelo - 2 pés de largura - 25$000
Quatro espanadores ou penachos - dous em forma de cocar dous em forma de repolho
Um relogio de parede - utilissimo n'uma salla da bibliotheca, - não só para que as pessoas que leem calcular o tempo que inda tem a ler, como para que os estudantes vejam ou percebam a hora em que lhes é necessario entrar nas aulas - O relogio deve ter um largo mostrador -

Para o quarto que serve de Gabinete do bibliothecario - de Parlatorio - ás pessoas que o vivem procurar para negocios da bibliotheca, e de Archivo da Bibliotheca -
Uma estante fechada para ter nella os catalogos da Bibliotheca e outros, os livros de registro d'officios, - de sua escripturação, etc.
Na parte inferior d'essa estante haverá quatro gavetas para nellas terem guardadas os papeis avulsos como facturas de livros, - officios, e outros papeis que possa occorrer - 80$000
Para o mesmo Parlatorio - Um canaé ou Sopha, - uma mesinha junto a elle -, duas cadeiras, -e mais meia duzia de cadeiras para ornar o quarto ---53$240

Sábado, 26 de fevereiro - Vexado pela adequada guarda dos livros na biblioteca da Escola de Medicina, dirigiu-se o diretor Paula ao presidente Pinheiro nos termos seguintes: "A Faculdade de Medicina desta Cidade comprou para a sua Bibliotheca em fins do anno passado cerca de dous mil volumes; os quaes por falta de estantes se achão ainda encaxotados, não podendo por tanto servir ao fim a que são destinados, e correndo o risco de se estragarem. Cumpre alem disto, que na parte do edificio destinado á dita Bibliotheca se fação algumas pequenas obras, como seja mudar para outro lugar umas pequenas paredes singelas que existe, a fim de dar a sala a necessaria capacidade ; tornar esta mais clara e arejada, rasgando tres pequenas janelas, que ali ha; pôr nesta portas portas e vidraças, etc.
Estas obras estão orçadas em Rs.386$000 e as estantes em Rs. 1:020$000, prefazendo ambas as adiçoens a somma de Rs.1:406$000. Rogo a Vossa Excellencia se digne determinar, que ella seja posta á disposição da Faculdade para os fins mencionados.
Aproveito a occasião para tambem pedir a Vossa Excellencia, se digne igualmente decidir a divida em que se acha a mesma Faculdade acerca do porque deva receber da Thezouraria da Fazenda o dinheiro para as suas despesas, como tive a honra de levar ao conhecimento de Vossa Excellencia em officio de 4 de Dezembro do anno findo."

 

FONTES

FONTE PRIMÁRIA - DOCUMENTOS MANUSCRITOS ORIGINAIS E INÉDITOS

1. Arquivo Público do Estado da Bahia - Guia do Império - Série Instrução - Ensino Superior - Seção de Arquivo Colonial e Provincial - Caixa nº 1649 - Maço nº 4046-1 - Faculdade de Medicina da Bahia - (1832 -1849).
2. Faculdade de Medicina da Bahia Arquivo e Biblioteca do Memorial - Acesso: 01.06.05.45

FONTE PRIMÁRIA - DOCUMENTO IMPRESSO

Arquivo Público do Estado da Bahia - Biblioteca -" Falla que recitou o presidente da provincia da Bahia o conselheiro Joaquim José Pinheiro de Vasconcellos, n'abertura da Assembléa Legislativa na mesma província, em 2 de Fevereiro de 1842. - BAHIA - Typographia de J.A. Portella e Companhia. - Rua do Tijolo, n. 20. - 1842 "


 

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