História da Medicina
artigo 11

195 ANOS DE ENSINO MÉDICO NA BAHIA

Conferência recitada em 18 de fevereiro de 2003 no Anfiteatro Alfredo Britto – Faculdade de Medicina da Bahia (*)
Antonio Carlos Nogueira Britto
Vice-presidente de Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins.
 

Em traços largos, pois a infinita ampulheta do tempo não permite minudente apresentação em derredor do início do fulgurante e glorioso ensino das Ciências Médicas na Bahia e no Brasil, esforçar-nos-emos para atingir o desiderato, recitando conferência despretensiosa no azo das celebrações dos 195 anos da instituição da instrução médica na cidade da Bahia e no País.

Buscando refugiar-se no Brasil, em pânico, retirou-se de Portugal, embarcando no cais de Belém no dia 29 de novembro de 1807, o Príncipe Regente, D. João, com a Corte e sua família, incluindo sua ensandecida mãe, D. Maria Francisca, a rainha D. Maria I, fugindo do avanço de Napoleão Bonaparte, que tinha ordenado a invasão e divisão da pátria de Camões pelo general Jean-Andoche Junot, ao depois Duque de Abrantes, (1771-1813, morto por suicídio).

A esquadra dos fugitivos, batida por formidanda procela, na altura da ilha da Madeira, dividiu-se em duas, vindo a frota com o Príncipe Regente arribar à Bahia, onde chegou em 22 de janeiro do ano seguinte, 1808.

Dois dias depois, desembarcava D. João e sua Corte, ás 5 horas da tarde, sendo festivamente recepcionado pelo então governador, D. João de Saldanha da Gama de Mello e Torres, conde da Ponte, o arcebispo D. frei José de Santa Escholastica e o povo, que via na chegada do Príncipe à Bahia valoroso meio para o desenvolvimento da precariamente assistida terra brasileira.

Dias depois, anuía à solicitação do Cirurgião da Real Câmara e Lente Jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Dr. José Correia Picanço, eminente pernambucano, ao depois Barão de Goyana, nascido em 1º novembro de 1747, que viera de Lisboa com o Príncipe Regente.

Argumentou ele sobre a necessidade da instituição de uma Escola de Cirurgia, nesta cidade da Bahia, onde seus moços aprendessem a arte de curar, sem necessidade de irem á Coimbra, para o estudo da medicina, podendo, por conseguinte, prescindir da mercê da Lei de 1º de maio de 1800, que tornava possível a quatro estudantes, indicados pelo governo do Rio de Janeiro, irem estudar na Metrópole, sendo dois encaminhados às matemáticas, um à medicina e outro à cirurgia.

O Príncipe Regente firmou a carta Régia de 18 de fevereiro de 1808, autorizando ao renomado cirurgião a indicação de dois professores para as cadeiras que se iriam dar existência. Os selecionados foram dois cirurgiões mores, com desempenho de função no Hospital Real Militar, instalado nas antigas dependências dos padres Jesuítas, no teso do Terreiro de Jesus: Jozé Soares de Castro, português, nascido em 1772 e graduado no Colégio de S. Jozé, de Lisboa, a quem foi concedido o ensino de Anatomia, e Manuel José Estrella, natural do Rio de Janeiro, não sendo, por conseguinte baiano, como era consignado por todos os eminentes historiadores da Medicina, consoante inédita e importante pesquisa levada a efeito pelo sempre pranteado secretário-perpétuo do Instituto Bahiano de História da Medicina, recentemente falecido, Dr. Djalma Bomfim Alves dos Santos. Ao Dr. Manuel José Estrella foi confiada a Cadeira de Cirurgia.

Assim reza a Carta Régia:

“Ill.mo e Ex.mo Snr.

O Príncipe Regente Nosso Senhor, anuindo à proposta que lhe fez o Doutor José Correa Picanço, Cirurgião Mor do Reino e do seu Conselho, sobre a necessidade que havia de uma Escola de Cirurgia no Hospital Real desta Cidade para instrução dos que se destinam ao exercício desta Arte, tem cometido ao sobredito Cirurgião Mor a escolha dos Professores, que não só ensinem a Cirurgia propriamente dita, mas a Anatomia como base essencial dela e a Arte Obstétrica tão útil como necessária o que participo a V. Exª por ordem do mesmo Senhor para que assim o tenha entendido, e contribua para tudo o que for promover este importante Estabelecimento. Deus guarde a V. Exª

Bahia, 18 de fevereiro de 1808

Ill.mo e Ex.mo Snr. Conde da Ponte *
D.Fernando José de Portugal”.**

Destarte, a Bahia teve a glória de ser a sede do primeiro instituto de ensino superior: - a Escola de Cirurgia. O estabelecimento da mesma natureza, - a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica, do Rio de Janeiro, foi criado ao depois, a 5 de novembro de 1808, consoante Gonçalo Moniz, em A.Medicina e sua Evolução na Bahia, Diário Oficial da Bahia/ Edição Especial do Centenário, p. 403. Todavia, alguns estudiosos admitem que a verdadeira data da fundação da Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro se deu a 2 de abril de 1808, quando da nomeação do cirurgião Joaquim da Rocha Mazarém, por decreto da mesma data, que estabeleceu uma cadeira de Anatomia no Hospital Real Militar da Corte, sendo, no mesmo instrumento, o dito cirurgião indicado para lente da referida cadeira. Em 5 de novembro de 1808, ao se ausentar do Rio, pelo fato de ser cirurgião da Armada, Mazarém foi substituído, por meio de Carta Régia, da mesma data, pelo Cirurgião mor do Reino de Angola, Joaquim José Marques, devendo. todavia, é dito na Carta, que Joaquim da Rocha Mazarém terá de prosseguir nas lições de Anatomia no Hospital Miliar da Corte, enquanto não chega aquele Lente Proprietário, más passará a ensinar Medicina Operatória e o curso de Partos, e ser encarregado de uma das enfermarias do Hospital Militar da Corte. Destarte, a fundação da Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro foi realmente criada na data de 2 de abril de 1808.

A Escola de Cirurgia da Bahia durou oito anos e funcionou no prédio do antigo Hospital Real Militar, situado no Terreiro de Jesus.

O curso era de quatro anos e a matrícula custava 6$400. Os praticantes, como eram chamados os alunos, deviam ter conhecimento da língua francesa. Os que tivessem 60 faltas, por doença, perdiam o ano. Também perdiam o ano, por “vadiação”, se houvesse o registo de 20 ausências. Concluído o curso, o aluno prestava o competente exame e, em sendo aprovado, fazia o seu juramento aos Santos Evangelhos e estava apto para “encarregar-se da saude publica.”

Projetando o Barão de Goyana normas para orientar o lente de cirurgia, Dr. Manuel José Estrella, ao perlustrá-las, verifica-se o quanto era especulativo, verbalístico e teórico o incipiente ensino: “As práticas ou demonstrações sobre cada um dos objetos cirúrgicos que se tiverem tratado se farão em uma das enfermarias que lhe será franqueada duas vezes por semana, sem contudo fazer reflexões à cabeceira dos doentes, mas sim na sua respectiva aula, pois que o curativo pertence ao Cirurgião-Mór do Hospital, que só para isso tem atividade”. A freqüência era obrigatória, como já foi dito acima, e vale a pena enfatizar e repetir, que não era aproveitado o ano quando o aluno faltasse 20 vezes, por negligência, e 60 quando por razão de estado valetudinário. O curso cirúrgico tinha a duração de 4 anos, o qual, quando concluído, eram “passadas as certidões competentes declarando se o discípulo está capaz de fazer o seu exame e de dignamente encarregar-se da saúde pública e tudo com os juramentos dos Santos Evangelhos, e por cada uma certidão receberá 6$400”.

Enquanto “Escola de Cirurgia”, tinha como escopo formar “cirurgiões” – “cirurgiões formados” – para extinguir os “cirurgiões licenciados”, habilitados por “cirurgiões-mores” oficiais da Junta do Protomedicato*** .

A “Escola de Cirurgia” foi instituída para formar “cirurgiões”, mas não formaria “médicos”. Somente estudando em Portugal, e outras faculdades de medicina da Europa, poder-se-ia formar em “médicos”. O curso era ministrado em quatro anos.

Como “Colégio Médico-Cirúrgico”, pela reforma de 29 de dezembro de 1815, por carta régia de D. João, firmada na sobredita data, dirigida ao 8º Conde dos Arcos, D. Marcos de Noronha e Britto, benemérito governador e capitão-general da capitania da Bahia, o dito documento assim rezava: “Hei por bem criar um curso completo de cirurgia nessa cidade, segundo o plano que mandei formar por Manuel Luiz Álvares de Carvalho, diretor dos estudos de medicina e cirurgia nesta côrte e Reino do Brasil.” A reforma elaborada pelo eminente baiano estava em vigor no Rio de Janeiro desde 1º de abril de 1813. Começou a funcionar o “Collegio Medico-Cirurgico” em 17 de março de 1816, em cômodos do hospital da Casa da Santa Misericórdia. Visava também acabar com os “cirurgiões licenciados”, formando “cirurgiões diplomados ou formados”. Aumentava de quatro para cinco anos a duração do “curso médico e constava das seguintes matérias: Anatomia, Fisiologia, Higiene, Terapêutica, Obstetrícia, Etiologia, Patologia, Cirurgia e operações além do ensino da Química-farmacêutica, dado pelo boticário, em outubro e novembro.

O estudante aprovado em todas as matérias do curso obteria a carta de Cirurgião, e se repetisse o 4º e o 5º anos, seria formado em cirurgia, sendo, desde logo, membro do Collegio e Opositor, podendo curar todas as enfermidades, onde não houver médico, e tendo “preferição em todos os Partidos Públicos.”

A 19 de setembro de 1826, o “Colégio Médico-Cirúrgico” escolheu uma insígnia: O bordão de Esculápio, entrançado por dois ofídios, ornado por um ramalhete de café e por um ramo de fumo, e tudo coroado pela inscrição: Colégio Médico-Cirúrgico.

A 3 de outubro de 1832, o Colégio Médico-Cirúrgico recebeu o nome de Faculdade de Medicina, ampliando mais seus horizontes. A Lei, da sobredita data, assinada pela Regência Trina e referendada pelo ministro do Império, o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, (1778-1859) aumentou a duração do curso de cinco para seis anos, ampliou o quadro de disciplinas de cinco para quatorze, dando maiores direitos para os professores, autonomia relativa do ponto de vista administrativo, objetivando conferir o título de “médico formado”.

Tal reforma, além de aumentar o curso médico para 6 anos, fixava o de farmacêutico em 3 e o de parteiro em 2 anos, não sendo mais conferido o título de “Cirurgião approvado ou formado”, que foi substituído pelo diploma de “Doutor em Medicina, de Pharmaceutico e de Parteiro”, ficando sem efeito o título de “Sangrador”. Os lentes tiveram as honras e vencimentos de desembargadores e o direito de aposentadoria aos 25 anos de magistério. Os lentes proprietários percebiam um conto e duzentos anuais e os substitutos, oitocentos mil reis, valores equivalentes ao dobro do que lhes cabia quando lentes do Colégio Médico-cirúrgico. Podiam eleger seu Diretor e, lista tríplice, pois, até então, não havia esse cargo, excetuando-se o Dr Jozé Avellino Barboza, que foi eleito pelos seus pares em 1829 “visto não haver algum nomeado pelo Governo”.

Pela lei de 3 de Outubro de 1832, foi o primeiro diretor da Faculdade o Dr. Jozé Lino Coutinho, nomeado por Decreto de 27 de junho de 1833, sendo empossado em 23 do mês seguinte.

Os candidatos ao ensino pela novel Faculdade de Medicina da Bahia, se submetiam a exames de latim, francês ou inglês, filosofia, aritmética e geometria e, concluído o curso médico, eram obrigados, pela sobredita lei, a sustentar tese escrita em português ou latim.

Os farmacêuticos estavam sujeitos aos exames de francês ou inglês, aritmética e geometria. Depois de aprovados nas matérias do curso, eram obrigados a praticarem, durante três anos, em boticas ou casas idôneas, havendo a necessidade da apresentação do competente atestado.

Bastaria às parteiras saber ler e escrever.

A idade para todos era de 16 anos e o valor da matrícula era de 20$000.

A Reforma de 1832 somente entrou em vigor em 1833 e as 14 cadeiras do curso foram divididas em três seções: Ciências acessórias - Física, Química e Mineralogia; Botânica e Zoologia, - Ciências Médicas; Matéria Médica, Farmácia, Terapêutica e Arte de Formular; Higiene e História da Medicina; Clínica Interna – Ciências Cirúrgicas: Anatomia Geral e Descritiva, Patologia externa, Partos, Medicina Operatória e aparelhos, Clínica Externa. Cada uma das seções tinha dois lentes substitutos.

As novas cadeiras foram preenchidas por concurso. A cadeira de Botânica e princípios elementares de Zoologia teve Manoel Maurício Rebouças como titular e a cadeira de Física coube a Vicente Ferreira da Silva. As demais cadeiras foram preenchidas por nomeação, sendo João Batista dos Anjos indicado para Medicina Operatória, João Antunes de Azevedo Chaves para Clínica Externa, Jozé Avellino Barboza para Higiene, Clínica Médica e princípios elementares de Mineralogia para Jozé Vieira de Faria Aragão Ataliba e Jonathas Abbott para Anatomia Geral.

Pelo decreto de 10 de janeiro de 1891, reforma de Benjamin Constant, foi denominada Faculdade de Medicina e Farmácia e Odontologia.

O Decreto-Lei de 8 de abril de 1946, dará à Faculdade o nome de Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia, instalada a Universidade a 2 de julho de l946.

O Decreto-Lei nº 53 de 18.11.1065, no seu artigo 2, institui, em definitivo, o sistema departamental nas Universidades Brasileiras e a Lei nº 5540 de 1968, artigo 33, declarou extintas as Cátedras.

A instituição da Lei nº 5.540, estabelecendo a matrícula do ciclo básico e do dito profissionalizante, determinou que este último, ministrado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, continuaria sendo ensinado no Hospital Edgard Santos, ao tempo em que as disciplinas do ciclo básico seriam ensinadas no Instituto de Ciências da Bahia.

O Governador, Capitão General D. João Saldanha da Gama, futuro “6º Conde da Ponte”, mandou funcionar a “Escola de Cirurgia” dentro do Hospital Real Militar, então estabelecido na antiga enfermaria dos jesuítas. Vale enfatizar que o cirurgião-mor do Reino, José Correia Picanço, sugeriu a S.M. que a “Escola de Cirurgia” deveria se estabelecer no Hospital Real Militar da cidade da Bahia, por ser o único que oferecia condições para tanto, e por ser o do Reino e dispor de “cirurgiões-mores”, formados.

É de bom alvitre que se resgate a verdade histórica, esclarecendo que a Escola de Cirurgia, e, portanto, o início do ensino médico na Bahia e no Brasil, foi instalada em 18 de fevereiro de 1808 no Hospital Real Militar, que foi extinto pelo decreto de 17 de fevereiro de 1832, que criava os hospitais regimentais, sendo transferido para o Quartel da Palma já com a denominação de Hospital Regimental. O Hospital Real Militar funcionava na antiga enfermaria-botica e casa de hospedagem e área ao fundo da dita, que servia de “pátio interno” do noviciado ou internato que pertencera aos Jesuítas, expulsos em 1759, da Bahia e do País, pelo ministro de D. José I, o Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Mello. Destarte, foi na extinta enfermaria-botica do Colégio de Jesus e nas dependências do Hospital Real Militar e do sobrado colonial anexo, onde funcionava a sede e diretoria daquele hospital, que teve início o ensino médico no Brasil.

Com o Colégio Médico-Cirurgico, em 1816, o ensino médico foi para o antigo Hospital da Casa da Santa Misericórdia. Pela reforma de 3 de outubro de 1832, o Colégio Médico-Cirúrgico, já com o nome de Faculdade de Medicina da Bahia, muito embora continuasse, por algum tempo, sendo chamado de “Escholla”, retornou as lições de medicina, em 2 de julho de 1833, para o local onde havia funcionado o Hospital Real Militar, na antiga enfermaria do Colégio dos padres Jesuítas, o “Real Colégio de Jesus”, permanecendo a Faculdade de Medicina da Bahia no teso dos padres da Companhia, no Terreiro de Jesus.

Vale lembrar que, extinto o Hospital militar em 1832, transformado em Hospital Regimental, a Mesa Administrativa da Casa da Santa Misericórdia pugnou, de imediato, para a transferência da casa pia para o prédio desocupado, porquanto era muito elevado valor de 3:485$000 para seu arrendamento em hasta pública. O provedor, conselheiro Luiz Paulo de Araujo Basto, rogou ao presidente da província, Joaquim Jozé Pinheiro de Vasconcellos, Barão de Mont-Serrat, a cessão gratuita do prédio onde funcionou o hospital do Colégio, pois o preço solicitado para arrendamento excedia em muito os recursos financeiros da Irmandade. O Conselho geral da província se pronunciou de maneira favorável, após propor à Assembléia Geral Legislativa a concessão do casarão onde funcionara o Hospital Militar, durante o tempo preciso para a edificação do novo Hospital da Misericórdia em Nazaré. Destarte, no jubiloso dia 2 de julho de 1833, a Santa Casa estabeleceu no “Collegio” o hospital São Cristóvão, para lá levando, no meio do regozijo do povo, os seus enfermos. Naquele mesmo dia foi instalada a novel Faculdade de Medicina da Bahia.

A Faculdade começou a funcionar em dependências precárias da primitiva “casa de hospedes” e “enfermaria-botica” dos religiosos, até que, pelas inúmeras reformas, desapropriação e ampliação, ganhou a nobre feição de arquitetônico tesouro em estilos jônico e grego, sendo o notável e imponente prédio abandonado criminosamente a partir de 1968, quando o ensino da medicina foi transferido para o bairro do Canela, nesta capital.

Em 1836, foi sustentada, na Bahia, a primeira “tese inaugural”, ou “tese de doutoramento”, ou “dissertação inaugural”. Em 19 de dezembro de 1836, foi defendida a primeira tese, na cadeira de Medicina Geral, de autoria de Manuel Ezequiel de Almeida, que versava sobre “Asphyxia por submersão no Afogamento”.

O Conselheiro Luiz Pedreira de Couto Ferraz, - Visconde de Bom Retiro - promulgou o decreto de número 1.387, em 28 de abril de 1854, onde está lavrado no seu Artigo 197 que, na última sessão de cada ano, a Congregação escolheria um dos seus pares como relator dos acontecimentos mais importantes do ano letivo passado.

Portanto, a primeira Memória Histórica foi apresentada pelo Dr. Malaquias Alvares dos Santos, referente ao ano de 1854. Foram redigidas 65 memórias e apenas três não foram aprovadas, a saber: a de Domingos Rodrigues Seixas (1862), a de Domingos Carlos (1874) e a de Nina Rodrigues (1896). Todavia, a Gazeta Médica da Bahia, de outubro de 1976, volume 63, em edição especial, em observância a aprovação da Congregação da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, acolhendo parecer do seu relator, o professor Estácio de Lima, deu a lume a Memória Histórica do Mestre Nina Rodrigues.

Merece especialíssima referência, digna do mais elevado encômio, a Memória Histórica da Faculdade de Medicina da Bahia, concernente ao ano de 1942, de autoria do imortal mestre Eduardo de Sá Oliveira, apresentada e prefaciada pelo então Presidente da Academia de Medicina da Bahia, o Professor Emérito Doutor Geraldo Milton da Silveira, em 1992. É uma obra das mais completas e de muita utilidade para o pesquisador da história da medicina da Bahia. É o nosso livro predileto de cabeceira e assaz consultado por nós, sempre com muita satisfação.

A última memória é portentosa. - “Memória Histórica da Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus” (1943-1995) – Escrita pelo professor Dr. Rodolfo Teixeira. - Preenche o grande “gap”, o indesejável hiato que os memorialistas da Faculdade deixaram na história da Faculdade de Medicina da Bahia a partir do ano de 1943.

Em 1855, o presidente da província da Bahia, Alvaro Tiberio de Moncorvo e Lima adotou rígidas medidas sanitárias mercê dos funéreos sucessos que ocorriam na província, desde que o vapor “Imperatriz”, procedente da província do Pará, desembarcou, a 20 de julho de 1855, um colérico na povoação do Rio Vermelho, dando início, destarte, ao flagelo da cólera-morbo, enfermidade de “mau caráter” que dizimou considerável parcela da população provincial.

Dentre diversas providências, o presidente emitiu, em 24 de julho de 1855, circular para os lentes da Faculdade de Medicina da Bahia, convidando-os para “que haja de comparecer hoje em Palácio do Governo pelas 3 horas da tarde, para termos conferencia sobre negocio concernente a salubridade publica”.

Assim, a Faculdade de Medicina da Bahia teve expressiva e heróica atuação no combate a cólera-morbo, através dos seus lentes, tais como Antonio José Alves, Domingos Rodrigues Seixas, José Francisco de Almeida, Prudencio de Souza Britto Cotigipe, Elias José Pedroza, Jonathas Abbott, Demetrio Ciriaco Tourinho, Joaquim de Souza Velho. José Antonio Paraiso de Moura. Salustiano Ferreira Souto, Manuel Mauricio Rebouças e tantos outros notáveis lentes e estudantes da Faculdade.

Durante a guerra do Paraguai, a Faculdade de Medicina da Bahia lá esteve com seus lentes e acadêmicos de medicina, em comovente missão humanitária, na azáfama dos hospitais de sangue e no socorro aos feridos nas trincheiras.

A Faculdade teve 32 diretores. O primeiro, José Avellino Barbosa, como vice-diretor, (1829-1833) sendo Jozé Lino Coutinho nomeado primeiro diretor, por decreto acima citado. - O último, em exercício, é o jovem, zeloso e operoso professor Dr. Manoel Barral Netto.

É humanamente impossível, senhoras e senhores, em limitado espaço de tempo, imposto para uma modesta palestra, discorrer em derredor de sucessos do ensino médico da medicina na Bahia nos seus 195 anos. É simplesmente irrealizável fazer sinópticas abordagens a respeito da abertura dos cursos; edifícios da Faculdade; Biblioteca; Instituto Médico Legal; memórias históricas; concursos de lentes; sessões da congregação; obituários; organização e legislação de ensino médico; corpo docente; curso médico; curso de farmácia; curso de odontologia; curso de obstetrícia; auxiliares de ensino; pessoal administrativo; exames vestibulares; funcionamento dos cursos; aulas; laboratórios; serviços clínicos; Hospital das Clínicas; Maternidade Climério de Oliveira e outras unidades da Faculdade; Memorial da Medicina Brasileira, na Faculdade de Medicina da Bahia, ao Terreiro de Jesus; as diversas cadeiras; exame de profissional graduado por Faculdade estrangeira; Institutos de pesquisas em todos os ramos da medicina; e a moderna e dinâmica vida docente e discente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, animada pela mais avançada tecnologia nas últimas quadras do século XX e no alvor do século XXI.

A areia da infinita ampulheta do tempo exaure-se efêmera. Falta-nos tempo para nos determos em derredor das atividades de ensino, projetos, programas e ações de pesquisas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia à primeira luz das manhãs do início do terceiro milênio. Como poderíamos discorrer sobre o ensino graduado e com o ensino e formação de pós-graduados? Que tempo teríamos para dissertar, mesmo brevemente, em derredor dos Departamentos, das atividades de ensino dos Cursos de Graduação, de Pós Graduação de Educação Médica Continuada e Atividades de Pesquisa e Extensão?

Senhoras e senhores, iremos, no entanto, vivenciar alguns aspectos interessantes, pitorescos, alguns, sucessos que estavam embaçados pelas brumas do passado e que, nas nossas pesquisas, solitárias, nos porões empoeirados e miasmáticos dos arquivos, conseguimos, perlustrando avelhados documentos manuscritos originais, ainda não manuseados por mãos alheias e em aparente estado virginal, embora carcomidas pelas traças, resgatar aspectos inéditos da medicina de antanho da minha terra.

Convidamos a todos para fazerem conosco uma viagem ao passado. Consideramo-nos um viajor de encantada e mágica jornada através do tempo que já passou, por meio de devaneio delicioso, regalando-nos qual ludâmbulo em excursão de folgança, revoluteando e remoinhando em fantástico sorvedoiro que conduz ao século XIX.

Este prédio da Faculdade de Medicina da Bahia, senhoras e senhores, tem espírito, tem coração, ama e sofre, sorri e chora, mergulha na mais profunda tristeza pela ingratidão, desídia, descaso e iconoclastia daqueles que dele tomaram conta. Esta casa envelheceu. Está agonizante.

Se todos nos interiorizarmos, contemplativos e enlevados, no silêncio de remansado monastério desta Faculdade, e tentarmos enxergar e escutar com os olhos e ouvidos do nosso coração, em consonância com a alma e o coração desta velha Senhora, que é a nossa Faculdade de Medicina, escutaremos longe, abafada, a gargalhada irreverente e álacre e a bulha prazenteira da mocidade acadêmica nos seus corredores e anfiteatros; ouviremos a voz grave e solene dos ilustres lentes; atentaremos para os professores em vestes talares pomposas e escutaremos seus passos solenes e assistiremos a atenciosos bedéis vestindo fatos modestos e sempre portando simples, porém respeitáveis chapéus.

Recuemos um pouco mais no passado. – Manuscrito datado de 19 de janeiro de 1779 revela que, no ano que acabara de se findar, militares, ajudados por escravos e índios, estão na azáfama de dar assistência aos soldados contagiados pela “bexigas”, internando-os no Convento da Palma, dos frades Agostinianos Descalços. Por todos os lados, horror e estragos causados pelo pernicioso mal. Dele não escapou a tropa tanto paga, como auxiliar, que juntas iriam defender a cidade da Bahia de invasão pelos espanhóis, conforme alerta de Martinho de Mello e Castro, ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, em ofício de 12 de agosto de 1776, remetido ao governador e capitão-general da capitania da Bahia, Manuel da Cunha e Menezes.

O alerta do ministro reinol informava que um grande armamento, com oito regimentos de tropas de transporte, se preparava em Cádiz, cidade portuária da Espanha, com destino em parte ou em todo a surpreender a cidade da Bahia com bombardeamento e desembarque. Naquele mesmo ano de 1776, mandou Carlos III, rei de Espanha, uma segunda frota contra o Brasil, comandada por D. Pedro de Ceballos, vice-rei de Buenos Aires, que de novo ocupou a região do Prata.

Para o atendimento às vítimas do terrível flagelo, o Convento ou Hospício da Palma foi modificado e adaptado para funcionar como um Hospital. O antigo Convento servia de residência para apenas um religioso, que se apelidava de vigário e um leigo velho, que andava sempre às esmolas pelos engenhos, para comer, enquanto o seu Vigário se alimentava em casa de sua família.

A epidemia se alastrava. No Hospital Militar da Casa da Misericórdia, consistindo em um só enfermaria, em que apertadamente cabem 70 camas, sem que houvesse lugar de poder fazer-se outra, cresciam os doentes todos os dias, que chegavam ao número de 400. O contágio das “bexigas” exaltou-se, por deitarem em cada cama 2 e 3 enfermos, uns em esteiras pela coxia da mesma enfermaria e debaixo da arcada, que forma o Claustro.

A infeliz situação obrigou os médicos e cirurgiões a procederem a transferência dos atacados de epidemia para o Colégio, que tinha sido dos extintos jesuítas, e os que padeciam pequenas moléstias e feridos, para o Hospital do Hospício da Palma.

Assim, a epidemia das “bexigas” foi a responsável pela instalação do Hospital Real Militar, pela vez primeira, de maneira emergencial, no Colégio dos Jesuítas, no Terreiro de Jesus.

Uma advertência: somos pesquisadores da História. Nossos laboratórios, livros e microscópios são os arquivos, os centenários manuscritos originais e inéditos e uma lupa. A pesquisa do pretérito é dinâmica e, portanto, apresenta resultados mutáveis. Assim, em oportunidades outras, havíamos anunciado duas datas da instalação provisória do Hospital Real Militar no antigo Colégio dos Jesuítas, em razão da epidemia das “bexigas”: 1779 e, mais tarde, 1778. Nossas pesquisas, mui recentíssimas, obrigaram-nos a reconsiderar a informação das sobreditas datas. Vejamos: 1776 foi a época da 2ª invasão castelhana contra o sul do Brasil; em 12 de agosto do mesmo ano o ministro de Portugal alertou sobre um ataque de tropas da Espanha, vindas de Cádiz, contra esta capital; a peste das “bexigas” surgiu quase ao mesmo tempo do aviso e das medidas de fortificação para conter o invasor, que não veio. Assim, a proteção militar da cidade foi levada a efeito paralelamente às medidas para transformar o abandonado hospício da Palma e o extinto Colégio dos jesuítas em hospitais militares. Considerando a simultaneidade das atividades de defesa e médico-hospitalar, infere-se que o Hospital Real Militar funcionou, emergencialmente, pela vez primeira, na última quadra de 1776, isto é, entre setembro a dezembro de 1776.

Oficialmente o Hospital Real Militar da Bahia foi criado em 4 de outubro de 1799, por meio de ofício do governador D. Fernando José de Portugal para D. Rodrigo de Souza Coutinho, Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos. Começou a funcionar nas dependências dos expulsados padres, no extinto Colégio de Jesus, em setembro ou outubro de 1800. Aquele prédio abrigou a “Escola de Cirurgia”, a partir de 18 de fevereiro de 1808, quando teve início o ensino primaz da arte médica na Bahia e no Brasil.

Quinta-feira, 12 de março de 1808 – Há 195 anos, o Sargento-Mor-Inspetor, do Hospital Real Militar, fala sobre a sala pedida para o exercício de Anatomia pelos lentes José Soares de Castro e Manoel José Estrella, para servir “de lugar que mais própria e comodamente pode ser destinado para o estabelecimento da aula de cirurgia e de anatomia” e diz, animado, que “o salão que fica por cima da botica, contíguo ao seu quarto, onde a muito se acha desocupado, é muito próprio para o tal ministério, porque até bancos tem para os praticantes e não fazendo necessária mais que a cadeira para os professores, e uma fechadura para a porta da sala.”

Ano de 1823 – O Colégio-Médico Cirúrgico não funcionou em 1823, pois teve as suas portas fechadas, por estar a cidade ocupada pelas tropas portuguesas, durante os combates pela independência da Pátria. São reabertas em março de 1824, continuando o Colégio com a sua missão gloriosa do ensino médico, matriculando-se 6 alunos: no 1º ano, 1, 1 no 2º, 1 no 5º e 1 no 6º ano.

Terça-feira, 1º de agosto de 1826 – Acham-se as Aulas do Colégio Médico-Cirúrgico indecentemente denegridas, e as suas portas e armário sem chaves e ferragem por estarem, as que existem, estragadas, do que resulta furtarem os objetos, que ali se guardam, expostos e extravios.

Sexta-feira, 11 de setembro de 1829 – O Colégio Médico-Cirúrgico está instalado em um corredor da Casa da Santa Misericórdia, dividido em 3 pequenas Salas, das quais uma se inutiliza, por servir de passagem para outras repartições da mesma Casa, tendo por anfiteatro de dissecações e operações um pequeno quarto escuro compreendido na enfermaria mais baixa do hospital.

Retornemos, rápidos, do passado, para uma época um pouco mais recente. É impossível viajar e percorrer todos os lugares de antanho da nossa Faculdade. Não percorreremos as instalações primitivas e precárias do antigo Hospital Real Militar, no extinto Colégio dos Padres e as do Hospital da Casa da Santa Misericórdia. Nós as conhecemos bem.

Não visitaremos as notáveis personalidades do ensino médico da Bahia, desde os seus primórdios. Não poderemos conhecer os sucessos e incidentes ocorridos na vida da Faculdade. Não veremos, de perto, o lente de Medicina Legal, Dr. Malaquias Alvares dos Santos, nem o conselheiro Dr. João Batista dos Anjos, que de porteiro da Faculdade chegou a ser seu diretor. Não visitaremos o ínclito pai do imortal poeta Castro Alves, o professor Dr. Antonio José Alves, um dos mais hábeis cirurgiões do seu tempo e afamado lente da Escola. Foi lente substituto da Seção Cirúrgica e lente de Clínica Externa. Nem o Conselheiro Jonathas Abbott, lente proprietário da cadeira de Anatomia, vice-diretor e diretor interino da Faculdade várias vezes. Não veremos os professores Manoel José Estrella, Jozé Soares de Castro, Jozé Alvares do Amaral, Manoel Joaquim Henriques de Paiva, Fortunato Candido da Costa Dormund, Antonio Ferreira França, Jozé Vieira de Faria Aragão Ataliba, Manoel Mauricio Rebouças, Antonio Policarpo Cabral, João Jacinto de Alencastre, Antonio Jozé Osorio, João Pedro da Cunha Valle, Joaquim de Souza Velho, João Antunes de Azevedo Chaves, Adriano Alves de Lima Gordilho, Elias José Pedroza, Francisco Marcelino Gesteira, João Baptista dos Anjos, Vicente Ferreira de Magalhães, Francisco Rodrigues da Silva, Antonio de Cerqueira Pinto, José de Góes Siqueira, Jeronimo Sodré Pereira, Manoel Ladisláo de Aranha Dantas, Antonio Mariano do Bomfim, Demetrio Cyriaco Tourinho, Mathias Moreira Sampaio, Luiz Alvares dos Santos, José Antonio de Freitas, Rozendo Aprigio Pereira Guimarães, Salustiano Ferreira Souto, Domingos Rodrigues Seixas, José Affonso Paraizo de Moura, Antonio Januario de Farias, Ignacio José da Cunha, Pedro Ribeiro d’Araujo, José Ignacio de Barros Pimentel, Virgilio Climaco Damazio, Augusto Gonçalves Martins, Domingos Carlos da Silva, Antonio Pacífico Pereira, Claudimiro Augusto de Moraes Caldas, Ramiro Affonso Monteiro, Egas Muniz Sodré d’Aragão, Justiniano da Silva Gomes, José Luiz de Almeida Couto, José Pedro de Souza Braga, Manoel Vitorino Pereira, Joaquim Mateus dos Santos, Raymundo Nina Rodrigues, João Tillemont Fontes, José Carneiro de Campos, Climério Cardoso de Oliveira, Oscar Freire de Carvalho, Luís Anselmo da Fonseca, Luiz Pinto de Carvalho, Josino Correia Cotias, João Martins da Silva, José Adeodato de Souza, Caio Otávio Ferreira de Moura, Antonio do Prado Valadares, Gonçalo Moniz Sodré de Aragão, Antonio Pacheco Mendes, Fernando Luz, Aristides Pereira Maltez, Alfredo Ferreira de Magalhães, Eduardo Rodrigues de Morais, Augusto de Couto Maia, Leôncio Pinto, Sabino Silva e tantos outros vultos da medicina baiana do tempo que passou.

Não teremos tempo para conhecer os diretores da Faculdade desde a sua fundação: Jozé Lino Coutinho, Jozé Avellino Barboza, Francisco de Paula Araujo e Almeida, João Francisco de Almeida, João Baptista dos Anjos, Antonio Januario de Faria, Francisco Rodrigues da Silva, Antonio de Cerqueira Pinto, Ramiro Afonso Monteiro, Alfredo Thomé de Britto, José Olímpio de Azevedo, Antonio Pacífico Pereira, Deocleciano Ramos, Augusto César Viana, José de Aguiar Costa Pinto.

Não presenciaremos Nina Rodrigues fazendo magistrais estudos sobre a “ciência de Zacchias” e organizando o seu Museu de Antropologia Criminal. Não assistiremos o mestre a examinar os crânios de delinqüentes, como o crânio de Lucas da Feira; não nos extasiaremos ante o exame do crânio de Antonio Conselheiro. Não observaremos Nina a planejar a criação de um Instituto Médico Legal objetivando a realização de perícias dirigidas para o ensino e pesquisas científicas.

Nem mesmo veremos, mais de perto, o maior dos diretores desta Faculdade, o professor Dr. Alfredo Britto e não fitaremos, quedos e comovidos, a beleza da jóia arquitetônica do Anfiteatro Alfredo Britto. Não ouviremos o estalar sinistro das faúlhas do incêndio que devorou parte da Faculdade de Medicina em a noite de 2 de março de 1905. Não perceberemos a lágrima furtiva do comovido diretor Alfredo Britto, ao presenciar o sepultamento, em pleno oceano Atlântico, da sua pranteada consorte, D. Júlia de Almeida Couto Britto, a bordo do vapor inglês “Thames”, em 8 de setembro de 1905, vitimada por complicações de sarampo.

Não assistiremos o embarque, na “gare” da Calçada, da turma de médicos e acadêmicos de medicina, rumo a Monte Santo e Queimadas, para o socorro médico aos feridos dos combates em Canudos, em 1897. Não ouviremos os gritos e gemidos dos dilacerados nos enfrentamentos, atendidos no serviço humanitário, na capital da Bahia, por meio do Hospital Wirchow, hospital de sangue instalado na Faculdade de Medicina da Bahia, sob a orientação erudita e proficiente do diretor Dr. Pacífico Pereira.

Na Faculdade estavam estabelecidas as enfermarias Esmarch, Sappey, Benier, Langenbeck, Claude Bernard, Pasteur, Beann e Pettenkofer.

Na enfermaria Esmarch lidavam os Drs. Braz do Amaral, Juliano Moreira Ferreira Santos, Pedro Celestino, João Américo Fróes e Alfredo Magalhães.

A enfermaria Sappey era assistida pelos Drs. Carneiro de Campos e Guimarães Lobo.

Na enfermaria Benier atuavam os Drs. Alexandre e João Cerqueira, Adeodato de Souza e João Caldas.

Na enfermaria Langenbeck pontificavam os Drs. Fortunato Silva, Antonino Batista dos Anjos e Domingos Cerqueira Lima.

Na enfermaria Claude Bernard labutavam os Drs. Manoel Araújo e Gonçalo Moniz Sodré de Aragão.

A enfermaria Pasteur estava aos cuidados dos Drs. Augusto Vianna, Júlio Palma e Francisco Cardoso.

Os Drs. Climério de Oliveira, Carlos Fritas e Isidoro Nery trabalhavam na enfermaria Beann.

Os Drs. Manoel Joaquim Saraiva, Felinto Guerreiro e Aurélio Vianna eram os responsáveis pela enfermaria Pettenkofer.

O Dr. Alfredo Britto, instalou o primeiro aparelho de raios-X na Cadeira de Propedêutica Médica, de que era catedrático, no Hospital Santa Isabel e, em agosto de 1897, pela primeira vez no mundo, foi a Radiologia aplicada à cirurgia de guerra pelo ilustre lente no interior do seu Gabinete de Propedêutica Médica, no Hospital da Casa da Santa Misericórdia, quando importou o dito equipamento após viagem ao Velho Mundo em 27 de julho de 1896. Por conseguinte, 21 meses depois da descoberta dos raios-X em 8 de novembro de 1895 por Wilhelm Conrad Roentgen, na cidade de Wurzburg, Alemanha, foi feita a localização de projetil em um soldado do 5º batalhão de polícia da Bahia, Manoel Bertolino dos Santos, ferido em Canudos no dia 27 de julho, tendo o exame radioscópico revelado as dimensões e posição de uma bala localizada no 1º espaço intercostal esquerdo.

Homenagearemos os mestres da velha Faculdade que nela pontificaram nas primeiras quadras do século XX. Não mencionaremos todos os seus nomes. – São tantos! – Com excelso respeito e veneração, citaremos alguns professores inesquecíveis: Eduardo de Sá Oliveira, Cézar Augusto de Araújo, José Adeodato de Souza, José Silveira, Eduardo Lins Ferreira de Araújo, Audemário Guimarães, Milton Villela, Aristides Novis, Jorge Novis, Mário Macedo Costa, Luiz Fernando Seixas de Macedo Costa, Adriano de Azevedo Pondé, Raymundo Almeida Gouveia, Armando Sampaio Tavares, Edgard Santos, Flávio de Araújo Faria, Rodrigo Bulcão d’Argollo Ferrão, Fernando José de São Paulo, João José de Almeida Seabra, Aristides Pereira Maltez, Raymundo Nina Rodrigues, Estácio Luiz Valente de Lima, Euvaldo Diniz Gonçalves, José Eugenio M. de Figueiredo, Mário Andréa dos Santos, João Andréa, Plínio Garcez de Senna, José Maria de Magalhães Netto, Francisco Peixoto de Magalhães Netto, Eduardo Bizarria Mamede, Fernando Freire de Carvalho Luz, Fernando Visco Didier, Adroaldo Neiva, José Adeodato de Souza Filho, Hosannah de Oliveira, Gerson Siqueira Pinto, Álvaro Rubim de Pinho.e muitos outros mestres notáveis.

Entre os que nos animam nos dias atuais e nos engrandecem com a presença preciosa entre nós, no seio das classes médica e universitária, lembramos os nomes ilustres de Alicio Peltier de Queiroz, Alcilídio Barreto de Carvalho, José dos Santos Pereira Filho, Rodolfo dos Santos Teixeira, José Simões da Silva, Maria Theresa de Medeiros Pacheco, Roberto Figueira Santos, José de Souza Costa, Geraldo de Sá Milton da Silveira, Roberto Simon Filho, Augusto Márcio Coimbra Teixeira, Antonio Carlos Aleixo Sepúlveda, Zilton Araújo Andrade, Anibal Silvany Filho, Antonio Natalino Manta Dantas, José Antonio de Almeida Souza, José Tavares-Neto e tantíssimos outros.

Dentre o numeroso quadro de jovens e abnegados professores e cientistas responsáveis pelas atividades de pesquisa e extensão, a todos prestaríamos as nossas homenagens através de dois brilhantes e eminentes mestres: professor Dr. Manoel Barral Netto e Roberto José da Silva Badaró. Eles já inscreveram os seus nomes no bronze da História da Medicina da Bahia no alvor do terceiro milênio.

Ditosos os mestres da nossa velha Faculdade que firmaram tão distintamente seus nomes nos anais da História e permanecem indelevelmente no coração dos seus alunos.

Anátema eterno para os iconoclastas que abandonaram e degradaram a nossa velha Faculdade.

PALAVRAS DO FIM

Fomos convidados para participar da Comissão de Acompanhamento das Obras de Recuperação da Faculdade de Medicina da Bahia. Há 6 anos nos reunimos, às sextas-feiras, ininterruptamente, inicialmente debaixo da presidência do ilustre Professor Emérito, Dr. Geraldo de Sá Milton da Silveira, sucedido pela sempre infatigável, heróica e estóica Professora Doutora Maria Theresa de Medeiros Pacheco, todos perseguindo um objetivo comum, qual seja, o de contemplar, um dia, a nossa velha Faculdade, que é a nossa Casa, completamente restaurada, ostentando o seu magnífico esplendor de outrora, conservando toda a originalidade arquitetônica e destinada exclusivamente ao ensino médico e atividades outras ligadas exclusivamente à área das ciências médicas. É o sonho e o desejo de todos médicos da Bahia, do Brasil e da América do Sul.

Nós, da Comissão, não somos mais uma Comissão. Depois de tanto tempo de luta e de decepções, - e de vitórias – e de alegrias e de tristezas, de sonhos e de pesadelos, somos um só Corpo, um único Espírito e um só Coração. Somos uma Comunidade, uma Família. Nada, nenhum obstáculo, nenhum óbice nos afastará desta luta santa.

195 anos são passados depois que foram lançados os fundamentos do ensino médico na Bahia e no Brasil. A História da Medicina da Bahia fez os alicerces deste Tabernáculo, desta Catedral, deste Santuário das Ciências Médicas. Consolidou o terreno, ergueu estas paredes, aprumou estas pilastras, abriu este anfiteatro - outrora esplendoroso - arquitetou estas tribunas, correu estes frisos, alinhou estes capitéis, ressaltou estas cornijas, engrinaldou aquele retábulo, arqueou a abóbada deste sagrado recinto, e encimou toda a construção com um imponente bordão de Esculápio.

Como seria bom se, próximo à portentosa rotunda, fronteiriça à pira do caduceu, insígnia da Medicina, magnífica e majestosa, que não foi reconstituída, e que coroava este Anfiteatro do alto da grande cúpula, delineada elegantemente em forma de graciosa pira, em estilo grego, amparada por colunatas dóricas, fosse colocado um sino, digno de uma suntuosa Catedral e de um egrégio e pomposo edifício público, pois a voz do bronze chamaria os médicos e a sociedade baiana para falar à alma e emocionar o coração, motivando a todos para a reconstrução desta Faculdade de Medicina da Bahia, no Terreiro de Jesus.

ATENTAI, Ó VÓS QUE ESTAIS A PISAR ESTE CHÃO.

ESTE CHÃO É SAGRADO.

ESTE CHÃO, ESTE SOLO, ESTA TERRA SÃO UNGIDOS, SÃO CONSAGRADOS, SÃO ABENÇOADOS PELOS DEUSES DA MEDICINA.

ESTE É O CHÃO DO SANTUÁRIO DA MEDICINA PRIMAZ DO BRASIL.

Laus Deos.

NOTAS
*D. João de Saldanha da Gama de Mello e Torres
**Ministro, ao depois, Marquês de Aguiar
***A Rainha D. Maria I, em 1782, extingue os cargos de Físico e de Cirurgião-Mor, criando a Real Junta do Protomedicato, lançando as bases da moderna política médica do Reino, ficando, destarte, os assuntos relativos a medicina no Reino e nas Colônias, sob a jurisdição desse Protomedicato, atuando em questões de saúde pública e do exercício da medicina e ciências afins. José Correia Picanço foi um dos fundadores dessa Junta. Esse órgão foi extinto pelo Alvará régio de 7 de janeiro de 1809. Por influência do Dr. Picanço, criou-se o Cargo de Provedor da Saúde da Costa e Estados do Brasil pelo decreto de 27 de julho de 1809, que confere ao Provedor da Saúde a vigilância sanitária dos portos do Brasil.
 
FONTES PRIMÁRIAS
DOCUMENTOS MANUSCRITOS ORIGINAIS

Arquivo Histórico Ultramarino – 19 de Janeiro de 1779 – Caixa 53 – Doc. Nº 10.067 – 10.068 - Arquivo Público do Estado da Bahia – Seção de Microfilmagem.

Arquivo Público do Estado da Bahia - Guia do Império – Série Instrução – Ensino Superior – Seção de Arquivo Colonial e Provincial – Caixa nº 1649 – Maço nº 4046 – Colégio-Médico-Cirúrgico (1824-1832); Maço nº 4046-1 – Faculdade de Medicina – (1832-1849)

Arquivo Público do Estado da Bahia – Guia do Império da Seção de Arquivo Colonial e Provincial – 1766 - Presidência da Província – Governo - Registro de correspondência expedida – 1855 – p.p. 1/3-v.

Arquivo Público do Estado da Bahia -Seção: Arquivo Republicano - “Commissariado de Policia do Porto – Registro de Sahida de Passageiros” 27 de Julho de 1896 – Livro 57 – página 31

Ibidem – Registro de Sahida de Passageiros – 2 de Setembro de 1905 – Livro 59 – página 116-v.

DOCUMENTOS IMPRESSOS

Arquivo Público do Estado da Bahia – Anais – Ano 2000 – volume 57 – volume LXXIV da Coleção de Ordens Régias – 1770 – 1779 (Vol. 74 – Doc. 20) – p. 12.

Vilhena, Luís dos Santos – Cartas de Vilhena – Ano 1802 – A Bahia no Século XVIII – Volumes (Livros) I e II – Notas e comentários de Braz do Amaral – Apresentação de Edison Carneiro – Editora Itapuã – Bahia – 1969 – vol. II, p. 415.

Silva, Coronel Ignácio Accioli de Cerqueira e, - Memórias Históricas e Políticas do Brasil – vol III – Imprensa Official do Estado – Rua da Misericórdia nº 1 – p. 20; pp. 10-13; pp. 20-21.

Moniz, Gonçalo – A Medicina e sua Evolução na Bahia – Diário Official do Estado da Bahia – Edição Especial do Centenário – 1823 – 1923 – pp. 401 – 436.

Oliveira, Xavier de – Reminiscência da Guerra de Canudos – Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia – Nº68 – 1942, p. 106.

Campos, Ernesto de Souza –Santa Casa de Misericórdia da Bahia – Origem e Aspectos de seu Funcionamento - Cit. Manuel José Figueiredo Leite e Antonio Joaquim Damazio – opúsculo - 1860 – Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia – Nº 69 – 1943 – p. 252.

Santos, Itazil Benício dos – Na Bahia os Pioneiros da Radiologia – Revista da Academia de Letras da Bahia, (30): 155 - 160, set. 1982.

Arquivo Público do Estado da Bahia – Seção Republicana – Jornais – Diário de Notícias: 14/09/1905; Diário do Povo – 13/09/1905.

 
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