HISTÓRIA DA MEDICINA artigo 26
ALFREDO BRITTO, O ESTÓICO (*)
Pesquisa historiográfica inédita, revista e ampliada
Dr. Antonio Carlos Nogueira Britto
O magnífico paquete inglês “Thames”, de 3.033 toneladas, da “The Royal Mail Steam Packet Company”, após 8 dias de viagem, fundeou no ancoradouro ao largo do cais da cidade da Bahia, naquela manhã nublada de sábado, 2 de setembro de 1905, desembarcando 10 viajantes.

Timoneado pelo experiente “lupus maritimus”, capitão H. E. Rudge, o vapor “Thames” havia chegado de Buenos Aires, com escalas em Montevidéu e Rio de Janeiro, de onde levantou âncora na tarde de 31 de agosto, com destino a Southampton, com escalas na Bahia, Pernambuco, Ilha da Madeira, Lisboa, Vigo e Cherbourg.

O manifesto de carga do capitão H. E. Rudge consignava vários gêneros e especificava as condições do transporte do carregamento.

No início da tarde, nuvens densas e plúmbeas, prenhes d’água, nimbavam o céu, anunciando chuvas.

A sereia de bordo silva longamente e os lanchões que haviam encostado ao vapor, carregados de fumo em folhas, afastam-se vazios.

Logo em seguida, uma grande lancha a vapor apita e atraca à escada de estibordo do “Thames” e os passageiros, vindos do porto, pulam do lanchão, que balouça, para a escadinha de bordo, transpondo, sem tardança, o portaló. Um jovem e garboso oficial britânico, em elegante e níveo uniforme, de “bonnet” agaloado, postava-se próximo à entrada, cotejando a lista dos passageiros desembarcados da lancha, fornecida pelos consignatários “F. Stevenson & C.”, com os passaportes e cópia do registro do “Commissariado de Policia do Porto — Registro de Sahida de Passageiros”, onde estavam relacionados os nomes dos seguintes viajantes: “Austin Jones e senhôra – Destino: Southampton; Dr. Alfredo Britto e senhôra – Destino: Lisbôa; Izidio Paz Pinheiro – Destino: Vigo; Claudio Reyneira – Destino: Vigo; José M. Malta – Destino: Vigo”

No começo da tarde, com a marujama azafamada, a hélice do “Thames” gira e o paquete se afasta lentamente e a maquinaria começa a ofegar, escutando-se a cachoar de espumas em mar que se torna picado e exala cheiroso hálito de maresia.

Ao sair do ancoradouro, o “steamer” balouça, obliquando para a esquerda e a paisagem da soberba cidade de dois pavimentos, toldada pelo tempo nublado, começa a apequenar-se e o ruído que vem de terra vai amortecendo. Chove.

O “Thames” é uma cosmópolis, onde os “touristes” algaraviavam em muitos idiomas e binoculizavam a baia, protegidos do aguaceiro sob a coberta do “spardeck”, ou por meio de chapéus de chuva.

Os novos passageiros com malas de mão e algumas senhoras com caixas de chapéus descem às câmaras, após alongarem a vista para o cais, onde vislumbravam embaçados parênteses de pessoas.

O vento enfuriado e rebramante e o mar áspero sacodem o navio e fazem empalidecer, enverdinhar e nausear alguns viajantes, que vão a deita nas cabinas.

Mais tarde, no início do crepúsculo, o mar torna-se bonançoso, glauco e acarneirado e o “Thames”, num marulhar de espuma, gemendo, singra rápido, rumo a Pernambuco.

Quando a sineta tange para o “five o’clock tea”, passeavam ao longo da tolda, homens de suiças de azeviche, de “vestons cintrés”, oficiais de bordo e “ladies” esguias, de chapéu de palha redondo, costume “tailleur” e véu curto e um grupo de palreiras e exóticas “demi-mondaines”, com seus vestidos transparentes e escandalosos.

Passageiros estendem-se em “chaises-longues” e “pliants”, alinhadas ao longo do convés, respirando o ar úmido e iodado do mar.

À noite, a sineta torna a ressoar para o jantar. Os homens, de “smoking jacket” e as senhoras em grande “toillete”. O paquete singra com todas as escotilhas feéricamente iluminadas e as melodias cismativas do piano de bordo a todos envolve e espalham-se no imenso âmbito do mar.

Após as exigências cerimoniosas da “soireé”, apenas poucos passeantes permaneciam no convés. Alguns passageiros ruminavam cachimbos. O grande salão de jantar de gala continuava iluminado, porém todo o ruído do seu interior tinha desaparecido. Estava vazio.

O silêncio da noite é quebrado apenas pelo arquejar das caldeiras e pelo bater das hélices.Uma aragem fria envolve o paquete, enquanto, repoltreado em “chaise-longue” no convés, um ilustre viajor da Bahia repousava: o ilustrado clínico, catedrático e diretor da Faculdade de Medicina da Bahia, Dr. Alfredo Britto.

Esbelto e galhardo, nariz de perfil helênico e lábios bem talhados, de cabeça conformada harmonicamente, cofiava os luzidios bigodes "en croc”, cuidadosamente tratados com pasta mostacha, assemelhados aos bigodes do Kaiser Wilhelm II.

Ao seu lado recostava-se em uma “pliant”, a sua virtuosa consorte, D. Julia de Almeida Couto Britto, de suave beleza acrisolada e airosa, sempre esboçando um cândido sorriso, que iluminava e denunciava a sua placidez interior.

O Dr. Alfredo Britto estava a caminho do Velho Mundo em razão de três motivos: a necessidade imperiosa de tratamento de sua saúde, ultimamente alterada; a representação da Bahia em congresso internacional sobre tuberculose, a ser realizada em Paris no mês de outubro e a conveniência de estudar de perto a organização dos gabinetes dos grandes institutos de ensino superior na Europa, com o escopo de melhor dotar os laboratórios que seriam instalados na Faculdade de Medicina, que estava sendo reconstruída.

Cismativo, sentia-se acometido de intenso e molesto “spleen”. A “presteza da viagem, imposta pelo meu precario estado de saúde não permittiu despedir-me pessoalmente dos collegas e amigos”, lamentava-se.

Nos momentos mais tribulados de sua vida, que iniciaram com o incêndio da Faculdade de Medicina, a sua saúde foi sobremaneira debilitada. Porém, contou com o apoio de sua querida esposa, que lhe suavizava a existência pela doçura angelical e desvelo constante.

Dias antes da viagem, havia os filhos do Dr. Alfredo Britto adoecidos de sarampo, quando D. Julia, com acendrado amor maternal, desvelava as noites a cuidar das crianças. Preocupado com a possibilidade de sua esposa contrair sarampo, adiara a viagem, somente confirmando o embarque pelo “Thames” depois que julgara ter passado o natural período de incubação do agente mórbido.

O que estaria a pensar aquele homem extraordinário, enquanto o “Thames” navegava? Certamente estaria a refletir em derredor do lutuoso sucesso em a noite de 2 de março daquele ano de 1905, quando a sua Faculdade de Medicina da Bahia foi quase totalmente consumida por um incêndio. Lamentava não estar presente desde o início da tragédia para a adoção das imediatas medidas administrativas e de resgate e combate ao sinistro, porquanto se achava veraneando em companhia da sua família em S. Thomé de Paripe, aprazível subúrbio da capital e somente no dia seguinte, às 7 horas e 30 minutos havia a ele chegado a infausta e dolorosa nova do grande desastre. Todavia, desde as 11 horas daquele mesmo dia, tinha desenvolvido a máxima atividade e energia nas providências tomadas para a reconstrução da Faculdade, respaldadas pelo firme e decisivo apoio do governo da União, abrindo um crédito extraordinário de 600 contos, ato benemérito do presidente da República Francisco de Paula Rodrigues Alves e José Joaquim Seabra, Ministro da Justiça e Negócios Interiores.

Decerto, estaria a recordar, magoado e desgostoso, dos extremamente agressivos, desleais, crudelíssimos e despropositados ataques pela imprensa a ele endereçados, por notável e provecto lente da cadeira de Higiene, desde 1903, e autor da Memória Histórica apresentada à Faculdade de Medicina da Bahia, referente ao ano de 1891.

Não obstante as feridas dolorosas que dilaceraram o âmago do seu espírito, jamais utilizou a mesma imprensa, por meio da qual foi por muito tempo vergastado, para revidar as aleivosas ofensas.

Na tarde de domingo, 3 de setembro de 1905, com o mar revolto em frente ao Recife, o “Thames” levanta ferro e deixa a terra brasileira, navegando rumo ao grupo de ilhas situadas no oceano Atlântico Norte, o arquipélago da Madeira. O “Thames” ergue-se, gemendo, e em guinadas de bombordo a estibordo cai num marulho espumento e navega veloz.

Enquanto o Dr. Alfredo Britto e sua digna e virtuosa esposa prosseguiam viagem rumo a Europa, no dia 5 de setembro a imprensa baiana publicava uma cáustica nota emitida por um lente da Faculdade, ilustre titular da cadeira de Bacteriologia, pondo em dúvida a real utilidade da visita do diretor da Faculdade de Medicina da Bahia aos gabinetes de ensino superior na Europa, para melhor prover a construção e futura instalação do gabinete de Bacteriologia.

Na noite de segunda-feira, 11 de setembro de 1905, o Dr. Raymundo Nina Rodrigues, concunhado do Dr. Alfredo Britto, dele recebeu um telegrama da cidade do Funchal, na ilha da Madeira, transmitindo o infausto e dolorossímo comunicado de haver falecido no dia 8 de setembro, D. Julia de Almeida Couto Britto.

Poucos dias depois de ter partido do porto do Recife, foi D. Julia enfermada pelo sarampo, que a fez sucumbir em pleno oceano Atlântico.

Por se achar o “Thames” ainda longe de qualquer porto, dois dias antes de chegar ao Porto Grande, na ilha de São Vicente, no arquipélago de Cabo Verde, após preenchidas as formalidades legais e religiosas de bordo pelo capitão H. E. Rudge, foi o cadáver da pranteada D. Julia, na presença da comovida equipagem britânica e perante o desolado e extremoso esposo, Alfredo Britto, lançado nas águas escuras e profundas do oceano, em apropriado esquife de chumbo, onde encontrou a derradeira jazida. (*)

D. Julia tinha 36 anos de idade e deixou na orfandade 4 filhos menores: Alfredo Couto Britto, (*) com 12 anos de idade, Julieta, de 11 anos, Álvaro, com 10 anos e Armando, com 6 anos.

Era filha do sempre lembrado clínico e lente da Faculdade de Medicina da Bahia, o conselheiro José Luiz de Almeida Couto (**) e irmã da esposa do Dr. Nina Rodrigues, D. Maria Couto Nina Rodrigues.

As famílias do Dr. Alfredo Britto e de D. Júlia mandaram celebrar as missas de 30º dia na segunda-feira, 9 de outubro de 1905, às 8 horas, nas igrejas da Sé, Catedral, Ordem Terceira do Carmo, Ordem Terceira de São Francisco e Vitória, às 8 horas e 30 minutos nas igrejas dos Mares e Conceição da Praia e às 7 horas no convento das Mercês, São Bento e convento da Lapa.

As atas das sessões da congregação da Faculdade de Medicina da Bahia, realizadas nos dias 11 e 16 de novembro e 22 de dezembro de 1905, não registraram nenhuma referência ao trágico falecimento da pranteada consorte do ínclito e zeloso diretor da Faculdade. Nenhuma moção de pesar, nenhuma manifestação de comiseração e solidariedade ao desolado diretor.

A bordo do paquete inglês “Danube”, de 3.312 toneladas, da “Mala Real Inglesa”, que zarpou de Southampton, trazendo 10 passageiros para a Bahia e 424 passageiros em trânsito, regressou o Dr. Alfredo Britto no dia 29 de dezembro de 1905. Ao seu desembarque, compareceram amigos, discípulos, entre os quais uma comissão do 6º ano, lentes, funcionários da Faculdade e pessoas de sua família.

O Diário Oficial da União, de sábado, 6 de junho de 1908, publicou o seguinte decreto: “MINISTERIO DA JUSTIÇA E NEGOCIOS INTERIORES – Por decreto de 4 do corrente: Foi exonerado o Dr. Alfredo Britto, do logar de director da Faculdade de Medicina da Bahia. Foi nomeado: o Dr. Augusto Cesar Vianna para o dito cargo”.(***)

No mesmo dia, o Dr. Alfredo Britto passou o cargo para o Dr. Manoel José de Araujo, vice-diretor. Em seguida, fez as suas despedidas aos corpos docente e discente e pessoal administrativo da Faculdade, a todos agradecendo a colaboração inestimável que haviam prestado à sua gestão. Falaram, então, os Drs. Deocleciano Ramos e Menandro Meirelles, além do doutorando Luiz Bitencourt.

O Dr. Alfredo Britto dirigiu-se para a sua casa de residência, na praça Castro Alves, número 105, sendo até ali acompanhado pelas pessoas que naquela hora se achavam na Faculdade.

Na primeira reunião da congregação da Faculdade de Medicina da Bahia, após a exoneração do Dr. Alfredo Britto, realizada no dia 12 de agosto de 1908, ficou consignado em ata que “o lente Dr. Freire de Carvalho (José Eduardo Freire de Carvalho Filho) apresentou a seguinte proposta, que foi approvada contra os votos dos Srs. Dr. Director e Dr. Anselmo da Fonseca: Propomos que se lavre na acta e sessão de hoje um voto de louvor ao Dr. Alfredo Britto pelos relevantes serviços prestados a esta Faculdade. Bahia, 12 de Agosto de 1908 – Dr. A. Pacifico Pereira, Dr. Ed. Freire F.º, Dr. A. Circundes, Dr. Climerio de Oliveira, Dr. Braz do Amaral”.

Em recente romagem ao sepulcro do imortal Alfredo Britto, na vasta região dos finados, no cemitério do Campo Santo, à hora em que o sol dardejava esplendores na cidade onde todos são iguais, prestei as minhas homenagens com uma prece, comovido, genuflexo. Ante o seu túmulo, no meio de suntuosos mausoléus dignos do cemitério Père-Lachaise, em Paris, parecia-me escutar os rumores de passos lentos da funérea procissão que perpassava, conduzindo ao túmulo o maior dos diretores da Faculdade de Medicina.

Alfredo Thomé de Britto faleceu no dia 13 de maio de 1909, às 13 horas, na Casa de Saúde do Dr. Augusto Villaça, na Ilha de Itaparica, onde se encontrava em tratamento há mais de um mês.

Cercado da família e sendo também assistido pelo Dr. Heraclio de Menezes e doutorando Xavier da Costa, exalou o último suspiro.

Providenciou-se, de imediato, a remoção do corpo para a capital, quando foi posto à disposição da família, pelo governador do estado, João Ferreira de Araújo Pinho, o vapor de carreira de Itaparica, que estava fundeado em Salinas da Margarida, zarpando para Itaparica, quando atracou na ponte por volta da meia-noite, onde já aguardavam o cadáver muitos acadêmicos, lentes da Faculdade de Medicina e amigos.

Ao chegar o corpo a esta capital, foi conduzido à mão até a casa de residência da família, na praça Castro Alves, número 105, sendo recusado o oferecimento do governador Araújo Pinho para a condução dos restos mortais na ambulância da Polícia.

Na residência do notável morto, o cadáver foi colocado na sala nobre, sendo, posteriormente, levado para outro cômodo, onde, para o preciso embalsamamento, foi feita uma injeção de formol e álcool pelo Dr. Caio Moura, auxiliado pelos Drs. Alberto Muylaert, Agrippino Barbosa, Eutychio Bahia, José Mauricio e doutorando Xavier da Costa.

Após o processo de conservação, o corpo, trajando as vestes talares de lente catedrático da Faculdade de Medicina, foi levado de volta ao salão nobre da casa de residência.do inesquecível falecido.

Às 16 horas e 30 minutos do dia 14, efetuou-se o saimento do cadáver de Alfredo Britto de sua residência para a Faculdade de Medicina, sendo levado à mão pelos discípulos, colegas e amigos do pranteado morto, sendo dispensado o carro fúnebre.

Na tarde do sábado, 15 de maio, após as homenagens fúnebres no salão de honra da Faculdade, transformada em câmara ardente, e procedida a encomendação do corpo pelo monsenhor João Gonçalves da Cruz, cura da Sé, acolitado por dois religiosos franciscanos, foi o ataúde retirado do catafalco e conduzido em comovente cortejo fúnebre, sendo colocado o esquife no coche mortório, chegando às 18 horas no Campo Santo, em cuja capela foi o cadáver novamente encomendado, desta vez, pelo padre Antonio Guimarães, capelão do cemitério.

Descobri nos arquivos da Cúria Arquidiocesana de Salvador, no livro de óbitos da freguesia de S. Pedro – período de 1880 a 1911 – página 182 verso – número de ordem 26, o assentamento do óbito do Dr. Alfredo Britto, exarado nos seguintes termos: “Aos treze de Maio de mil novecentos e nove falleceu de Beriberi, no Largo do Theatro numero cento e um (sic) o Dr. Alfredo Britto, branco, com quarenta e trez annos de edade, viuvo e natural do Estado da Bahia. Foi sepultado no cemitério do Campo Santo. E para constar mandei faser este termo que assigno. P.e Antonio de Menezes Lima”

Já o assentamento do falecimento do Dr. Alfredo Britto, no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais do subdistrito de São Pedro, sob nº 101, à fl. 51-v do livro nº C-12 de Registro de Óbitos, registra que o falecimento do Dr. Alfredo Britto ocorreu em quatorze de maio de mil novecentos e nove (sic) às 13 horas, sendo declarante Aurelio Correia e atestado pelo doutor Heraclio Pereira de Meneses, ocorrido na cidade de Itaparica e tendo como causa da morte: Infecção paratífica complicada de beriberi. Tinha quarenta e três anos de idade.

Nas imediações do túmulo de Alfredo Britto, jazem ilustres personalidades, que com ele conviveram: conspícuos lentes e ilustrados membros da congregação da Faculdade de Medicina da Bahia, condiscípulos, clientes, amigos, familiares. Onde estão os que ontem se abraçavam, ou se rejeitavam no tumultuar da vida? Onde param os que hoje são motivos de prantos e avultam saudades? Tudo passa, fugaz e vertiginoso. Tudo se dissipa com o sopro da morte. “Tudo caminha para o mesmo lugar: tudo vem do pó e tudo volta ao pó”. Eclesiastes 3,20. “Tudo isso passou como uma sombra, como notícia fugaz, como o navio que singra as águas ondulosas sem deixar rastro de sua travessia nem, nas ondas, a esteira de sua quilha”. Sabedoria, 5, 9-10.

Apesar de tudo, creio firmemente que Alfredo Britto não morreu. Vive nas tradições de sua vida notável; vive na sua monumental obra da ressurreição da Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus; vive no monumento das suas virtudes e dos seus ideais; vive no reconhecimento dos seus pósteros, pois Alfredo Britto passou na terra como um justo e como um estóico, e, gloriosamente, subiu para a imortalidade.

FONTES
IMPRESSAS E MANUSCRITAS
Arquivo Público do Estado da Bahia – Seção: Republicano – Jornais:
1. Diário de Notícias: 4/03/1905 – 16/03/1905 – 24/04/1905 / 25/04/1905 – 26/04/1905 – 28/04/1905 – 28/04/1905 – 6/5/1905 – 31/08/1905 – 1/09/1905 – 4/09/1905 – 5/09/1905 – 14/09/1905 – 30/12/1905 – 27/07/1908.
2. Diário do Povo – 13/09/1905.
3. Diário da Bahia – 13/09/1905 – 30/12/1905 – 15/05/1909 – 16/05/1909.
4. A BAHIA – 6/10/1905 – 9/06/1908 – 15/04/1909.
5. Diário Oficial da União – 6/06/1908 – Biblioteca Pública do Estado.
6. Atas da sessão da congregação da Faculdade de Medicina – Ano de 1905: 22/03/1905 – 19/06/1905 – 19/07/1905 – 7/08/1905 – 25/08/1905 – 11/11/1905 – 16/11/1905 – 22/12/1905.
Ano de 1906: 2/03/1906 – 20/06/1906.
Ano de 1908: 12/08/1908.
Ano de 1909: 24/05/1909.
7. Arquivo Público do Estado da Bahia – Seção Arquivo Republicano: “Commissariado de Policia do Porto – Registro de Sahida de Passageiros – Livro 59”.
8. Arquivo Público do Estado da Bahia – Seção Arquivo Republicano: “Commissariado de Policia do Porto – Registro de Entrada de Passageiros – Livro 10”.
9. Arquivo da Cúria Arquidiocesana de Salvador – Livro de Óbitos – Freguesia de S. Pedro – 1880/1911 – Fl. 182 v – nº de órdem 26.
10. Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais – Subdistrito de S. Pedro – nº 101, fl. 51-v, livro nº C-12.
NOTAS
(*) – Dr. Alfredo Couto Britto – Catedrático de Clínica Neurológica – (1892-1942) – Colou o grau de Doutor em Medicina em 27 de dezembro pela Faculdade de Medicina da Bahia. Interno de Clínica Psiquiátrica e de Moléstias Nervosas; Docente Livre de Clínica Neurológica; Professor substituto, por concurso, de Clínica Neurológica, e professor catedrático da mesma disciplina em 1925.
Cf. Registro dos serviços do corpo docente da Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus – UFBA – Faculdade de Medicina da Bahia -Arquivo e Biblioteca do Memorial da Medicina Brasileira.

(**) - Conselheiro José Luiz de Almeida Couto – Lente da 2ª Cadeira de Clínica Médica – (1833-1895) – Graduou-se em Medicina pela Faculdade da Bahia em 1857. Foi um dos fundadores, no segundo ano do curso de Medicina, da Sociedade Abolicionista Dois de Julho e, posteriormente, presidente da Sociedade Patriótica Sete de Setembro. Opositor, por concurso, da Seção de Ciências Médicas, em 1873. Deputado provincial por várias legislaturas. Deputado Geral (1879 a 1881). Lente de Clínica Medica, por concurso. Presidente da província de São Paulo (1844). Presidente da província da Bahia, por duas vezes. Proclamada a República, quando ocupava o segundo período como presidente da província. Na república, foi Senador Estadual e Intendente Municipal de 1893 a 1895.
Cf. Oliveira, Eduardo de Sá – Memória Histórica da Faculdade de Medicina da Bahia concernente ao ano de 1942. Salvador – Centro Editorial e Didático da UFBA – 1992 – pp. 205-206.

(***) - Augusto Tavares de Lyra, Ministro do Interior, substituto do ministro. J. J. Seabra.

(*)“EMBALSAMAMENTO A BORDO”
A gazeta “Diario de Noticias”, de segunda-feira, 20 de novembro de 1905, - (Ano XXXI e Número 792) publicou o artigo acima intitulado, divulgado em importante revista de S. Paulo, sem fazer referência ao nome do magazine, que é transcrito na íntegra: “Constantemente, ou a nossa sociedade, ou a de além-mar é surprehendida com a infausta noticia do fallecimento de um dos seus membros a bordo dos vapores, sendo o cadaver lançado ao mar.

De ordinario, um morto nas condições acima, pelos recursos de que dispõe para tão custosas viagens, ou, pertence a uma distincta e bem relacionada familia ou é, mesmo um vulto eminente e considerado na sociedade que o pranteia.

Resulta desta circunstancia que todas as vezes que succede tão tragico desenlace e em cuja maioria dos casos a noticia é aspera e laconicamente transmittida pelo telegrapho, a sociedade deplora com sincera dor e commenta com justificável indignação o desapparecimento completo do finado.

Não é raro acontecer, que, por uma pequena differença de tempo, o cadaver, a bordo, deixa de ter o destino mais commumente desejado pelos amigos ou parentes que o acompanham, sendo então atirado ao mar, embora proximo a um ponto de desembarque.

Esse triste facto tem motivado reparos e censuras plausíveis ás companhias de navegação, maxime áquellas que procuram dia á dia melhorar a situação dos seus passageiros, pela falta de uma camara especial, provida do necessario para o processo de conservação dos cadaveres.

Nem sempre será preciso fazer um embalsamamento completo, tal a successão de portos no percurso dos transatlanticos; e quando for isso necessario, o methodo de Sucquet (1) é pratico e de fácil operação.

Mesmo se tratando de molestias infecciosas não há inconveniente em proceder-se o embalsamamento.

Enquanto que as companhias com esse melhoramento, sob uma taxa rasoavel e relativa ao serviço profissional e outros dispendios, aufeririam resultados, os que precisassem, infelizmente, de tão triste trabalho, ficariam gratos, por poder cumprir a vontade propria do finado, da familia ou de uma sociedade inteira.

Alem disso, esse melhoramento tornar-se-ia motivo de encorajamento áquellas pessoas enfermas, que, desanimadas e appavoradas com a ideia sinistra de se morrerem a bordo, serem lançadas ao mar, evitam viagens longas, quando muitas vezes só a travessia maritima constitue a cura da moléstia, como se dá com o beribéri. E, ainda mais é como que um consolo, se assim podemos dizer, para os interessados que desejam conduzir o cadaver a determinado ponto e para a familia ou sociedade que o recebe.

O lançamento de um corpo inanimado ao mar, revestido como soe ser das cerimonias de bordo é um dos actos que peior impressionam aos que o testemunham.

Não raro dá lugar a incommodos (principalmente hystericos) que obrigam os pacientes a conservarem-se em seus camarins até o termo da viagem, tal a dolorosa e profunda impressão que deixa tão lugubre espetaculo.

Nada há mais natural, que a morte, mesmo a inesperada; porem todos querem saber onde repousam os restos mortaes de seus queridos entes.

Em terra, ao menos uma vez ao anno, faz-se a piedosa remaria, visita de consolação, direwmos, e que é portadora de lagrimas, flores e preces prescriptas pelos carinhos da amizade e pelos deveres da religião e caridade.

Enfim, até na guerra, onde as hecatombes não permittem saber-se os logares de enterramentos e muito menos obter-se a retirada dos despojos, a noticia da morte em seus campos, não causa tão má impressão, como a que é rudemente recebida de um porto destante, com a terrível nota de que o corpo fora lançado ao mar.

Orientou-nos essas considerações o lutuosissimo facto ocorrido á 8 do corrente com a exma, senhora do dr. Alfredo Thomé de Britto, lente e director da Faculdade de Medicina da Bahia, em viagem para a Europa.

A exma. sra. d. Julia Couto Britto, filha do finado conselheiro dr. Almeida Couto, ex-presidente da então provincia de São Paulo, tendo embarcado a 2 do corrente do porto da Bahia, a bordo do Thames, com destino a Lisboa, fora acomettida de sarampo, após a partida de Pernambuco.

Dois dias antes de chegar a S. Vicente fallecera sendo o seu corpo lançado entre os habitantes do elemento salso.

A inditosa senhora deixa na orphandade quatro filhos menores dos quais o mais velho com 12 annos de edade.

Considere-se, portanto, a desolação de seu extremoso marido assistindo a tão triste espetaculo! Que somma de sacrificios não faria para reconduzir ao seu berço natal e para o meio de sua familia e da sociedade o corpo daquella, cuja desgraça veio roubar dos carinhos de tantos para leval-o ás ondas revoltosas do oceano?

Isto posto, é evidente a necessidade de haver recursos a bordo para a conservação de cadaveres, E, oxalá, que as considerações que ahi ficam, encontrem o apoio dos competentes e a bôa vontade das empresas e companhias de transportes de passageiros de longos percursos, nem só para animar áquelles que receiam as viagens por considerarem tão sinistro fim, como a bem dos interessados dos que viajam e são trahidos inopinadamente pelo alfange inexoravel da morte.
S. Paulo, 28 de Setembro de 1905.
Nautilus”

(1) “Liquide d’embaumement”


“Les liquides utiles à employer dans les embaumements sont: le sublimé corrosif, - les solutions arsenicales. mais il est défendu de s’en servir, - une solution de chlorure ou d’acétate d’alumine (Gannal), - le chlorure de zinc avec addition d’hyposulfite de soude (Sucquet), - le sulfate de zinc de Falconi, l’acide phènique au 100 me , etc
Un des plus remarquables procédés d’embaumement est celui de Brunetti (de Padoue), pour la conservation des pièces anatomiques.”


“Liquide d’embaumement:

“Chlolure de zinc à 45 degrés .............4 à 5 litres.
Hyposulfite de soude .........................125 grammes
Faites dissoudre.
4 à 6 litres pour injecter dans les artères carotides. (Sucquet)”


Cf. “ Dictionnaire de Médecine et de Thérapeutique
Médicale et Chirurgicale
pars les docteurs E. Bouchut et Armand Després
Septième Édition
Paris
Félix Alcan, Éditeur
Ancienne Librairie Germer Baillière et C.ie
108, Boulevard Saint – Germain, 108
1907”


(Acervo da biblioteca particular do Autor)

(*) – Cf. Britto, Antonio Carlos Nogueira - A Medicina Bahiana nas Brumas do Passado – ( Arquivos do Instituto Bahiano de Historia da Medicina e Ciências Afins ); – Governo da Bahia – Secretaria da Cultura e Turismo; – egba – Empresa Gráfica da Bahia;– Contexto e Arte Editorial – Avenida Adhemar de Barros – 162 – Ondina – Salvador - Bahia – Ano: 2002 – pp. 323 – 330
LEGENDAS DOS RETRATOS
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Túmulo do imortal Diretor Dr. Alfredo Britto, no cemitério do Campo Santo, da Casa da Santa Misericórdia, na cidade da Bahia.
Retratista: Dr. Antonio Carlos Nogueira Britto.
Retrato do busto, em bronze, do Diretor Dr. Alfredo Britto, exposto no Salão Nobre da Faculdade de Medicina da Bahia.
Em 3 de outubro de 1915, em sessão solene no Salão de Honra da Faculdade de Medicina da Bahia, os emocionados circunstantes saudaram, de pé, com prolongadas salvas de palmas, a solene passagem do busto, em bronze, do Diretor Alfredo Britto, até a sua colocação no pedestal, por iniciativa dos professores Oscar Freire de Carvalho, José Carneiro de Campos, Luís Pinto de Carvalho e do corpo administrativo da Faculdade.
Fotografia do livro Memorial da Medicina – UFBA – Patrocínio Cultural: Companhia de Seguros Aliança da Bahia – 1983 – Fotos: Artur Viana e Raimundo Bandeira.
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