HISTÓRIA DA MEDICINA artigo 43

POR DENTRO DO HOSPITAL MILITAR DA BAHIA NO ANO DE 1827

Dr. Antonio Carlos Nogueira Britto
Vice-presidente do Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins.
Fundado em 29 de novembro de 1946

ASPECTOS INÉDITOS DO DIA-A-DIA DOS ATENDIMENTOS DE URGÊNCIA E NOS PROCEDIMENTOS DA ADMINISTRAÇÃO NOSOCOMIAL.

PARTE I

Anoitecer de sábado, 27 de janeiro de 1827 – Era a praça chamada de Terreiro de Jesus, na região setentrional da cidade da Bahia, onde estava localizada uma das portas da urbe, ao depois chamada Portas do Carmo e que o dito teso “se prolonga com trezentos e cincoenta pés de comprimento, e duzentos e vinte e oito de largura, formando uma área de setenta e nove mil e oitocentos”.

Observa-se, ao entrar no largo, logo no seu início, a grande e bela Igreja do antigo Colégio da extinta Companhia dos Padres Jesuítas, em pedra branca de Lisboa, com o seu pórtico e fachada esplendorosa enegrecidos pelo desleixo no asseio, seguida de um extenso pavilhão em estilo colonial, em continuação a partir da parede externa à esquerda do templo, constituindo o “Noviciado”, que servia de internato, dividido em dois longos corredores, inferior e superior; cada corredor era dotado de 7 amplas celas, destinadas às acomodações de cima aos noviços (alunos internos) e os quartos de baixo, providos de grades, para o alojamento dos padres e mestres, todos dotados de janelas abertas para o “pátio interno”de recreação dos padres, mestres e alunos.

Lá ainda está o “pátio interno”, também conhecido como “Pátio das Artes”, que era o nome do Colégio dos Jesuítas: - “Real Colégio das Artes”

Mais tarde, os jesuítas deram início à construção da longa “Enfermaria-Botica”, concluída após 1756, traçando ângulo reto formado pelo “Noviciado”, no alinhamento da parte da frente que olha para o “Terreiro”.

No fundo dessa construção, fizeram a “Casa de Hóspedes”, também conhecida como “Recoletado” (Recolhimento), com o escopo de hospedar dignitários, visitantes ilustres, vg. Padre Manoel da Nóbrega; Padre Antonio Vieira; o governador Mem de Sá, hospedou-se na Casa dos Hóspedes, por alguns dias, para fazer os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loiola; o governador e vice-rei Marquês de Montalvão, ao depois de sua deposição em 1641; nele morou, em abril de 1644; D. Luiz de Souza, vindo de uma nau da Índia, e rei das Doze mil Ilhas Maldívias; o Conde de Alvor, Vice-Rei da Índia, em 1687, além de muitas outras autoridades militares e civis reinóis e de outras nações que possuíam elevada graduação honorífica.

A “Enfermaria-Botica” veio fazer ângulo reto reentrante, esquina, com um velho casarão colonial, onde foi instalado o Hospital Militar da Bahia, fundado a 4 de outubro de 1799 pelo governador e capitão-general D. Fernando Jozé de Portugal. (1)

Está situada, também no Terreiro de Jesus, a Igreja da Ordem 3.ª de São Domingos, de construção iniciada em 1731, pelo mestre pedreiro João Antonio dos Reis. Em 1758, embora inacabada a construção, suas paredes internas estavam revestidas de talha dourada; ao depois, muitos anos mais tarde, o templo se encontrava emestado de ruína e falta de asseio e ainda está inconcluso no período da presente narração.

Vizinho à sobredita igreja, está sendo erigido o templo da Irmandade de S. Pedro dos Clérigos, que teve licença dada à dita irmandade por D. Sebastião Monteiro da Vide, por despacho de 15 de janeiro de 1709, para erguer sua primeira capela no chamado sítio do Seminário, e inaugurado na tarde de 29 de junho de 1715, onde ao depois foi construído o palácio do arcebispo. Todavia, construída a dita capela, tendo anexos um hospital e cemitério, a mesma desapareceu por instabilidade e desmoronamento de terras das encostas pelas chuvas copiosas, em a noite de 2 de julho de 1797, das 6 para as 7 horas, caindo grande porção de alicerce da antiga Igreja de S. Pedro dos Clérigo, alinhado na parte alta da Ladeira da Montanha, já previamente demolida, soterrando 14 ou 15 casas de residência na dita ladeira, comperdas de várias vidas. A edificação da Igreja de S. Pedro dos Clérigos está sendo levada a efeito, de forma muito lenta, em outro sítio, também no Terreiro de Jesus.

A Praça do Terreiro de Jesus é enriquecida de vetustez de sobrados e casarões de dois ou três andares, casas de residência térreas, de paredes dobradas e meeiras e habitações com telhados de três águas, algumas carunchentas, subdivididas em fogos, além de casas pequenas, irregulares e antigas nas proximidades das igrejas das sobreditas irmandades. Todavia, do lado oposto às ditas igrejas, os edifícios são mais nobres. A Praça possui sete ruas, poeirosas, soalheiras, algumas ladeirentas, com a casaria trepando pelas encostas; as ditas ruas permitem o acesso da Praça de Jesus a todos os bairros da cidade da Bahia.

O amplo teso reunia, outrora, animadas multidões para a prática da tauromáquia, no estilo espanhol, praticada desde os primórdios da cidade do Salvador, a exemplo das homenagens ao governador Mem de Sá, quando regressou, em 1558, a esta cidade, ao esmagar uma revolta indígena. As touradas em Salvador continuaram até os princípios do século XX, no Largo de Nazaré ou no Largo do Barbalho.

Ainda na Praça de Jesus, durante as festas do calendário, nas solenidades festivas de casamentos, aniversários e batizados, os dignitários e pessoas gradas, presenciavam as cavalhadas, imitação popular dos aristocráticos torneios vindos de Portugal, que chegavam a durar três dias consecutivos, prestando-se todo apreço ao cavaleiro que executava os exercícios de equitação, com muito deslumbramento e habilidade, com os animais exibindo ricas selas forradas de veludo, bordadas a ouro, com mantas denominadas de “talim”, com franjas coloridas. O cavaleiro recebia o nome de “pedestre”, e apresentava-se elegantemente uniformizado.

Pouco antes do espaço de tempo do solir chegando abaixo da linha do horizonte, as escravas de etnia Haussás e Geges recolhiam, entoando cantigas africanas, as roupas lavadas que estavam quarando ao sol da tarde canicular sobre o herval bravo, já úmido, de agradável cheiro verde, mesclado com o típico odor de estercos das bestas.

Alguns gatos faziam sentina próximos às escadarias da Igreja do Colégio. O tropel de gente se apagava ao longe com o anoitecer e mal se lobrigava os vultos que se escapavam com a penumbra e o teso era tomado da doce quietação das ruas adormecidas. Os passeadores, deambulavam, com cautela, sobre o empedramento com pedras arredondadas e escorregadias e as parelhas de escravos carregadores de cadeirinha de arruar carregavam as ditas cadeiras, de cortinas de cores vistosas, compassos silentes para não desassossegar a paz dormente das vias. Os relógios batem surdamente as horas e a viação parou quase de toda.

A iluminação pública da Praça do Terreiro de Jesus e na freguesia da Sé espalhava uma luz mortiça, que se estirava pelo largo e ruas, baça e penumbrosa, fumarenta e vacilante, alimentada por combustores com azeite de peixe, alguns amortecidos e outros apagados. Era tal o fétido que exalavam alguns lampiões que muitas famílias se viam obrigadas a não mais janelar.

Desde 25 de abril de 1825, uma empresa de iluminação pública, indicava ao presidente da província da Bahia, João Severiano Maciel da Costa, Visconde de Queluz, a determinação dos pontos onde “fixar-se-hão os lampeiões para a illuminação desta capital”, informando qual o modo de iluminação se quera dotar, pois que as distâncias dos focos luminosos dependem da intensidade da luz, da suaposição e dos auxílios que podem exercer dos revérberos, refletores, e são indicados quatro diferentesmodos de iluminar as ruas:

1.º Os lampiões, ou lanternas singelas, seja de umbico quando se arrimam às paredes das casas, seja de dois quando se pendura no meio das ruas, sem cordas, correntes de ferro, ou braços do mesmo metal.

2.º Candeias de reverbero semelhantes aos outros, sendo que tem a torcida chata e não redonda, e que se lhes acrescentem tantos espelhos côncavos de cobre prateado como bicos, para acrescentar a luz pela sua concentração e dirigido nas paragens que se querem alumbrar mais. Podem tambémser essas fixas ou penduradas.

3.º Candeias com corrente de ar e “chimeneas” de vidro, com umbico só, porém com tantos refletores prateados como são as direções onde se quer levar a luz. Estas hão de ser fixas.

4.º Candeias de gás hidrogeno, que também pode serfixo o tubo pelo qual sai o ar combustível.

Quando os crepes da noite penumbraram a cidade da Bahia, a luz fumarenta e tremeluzente dos velhos lampiões com azeite de peixe, da iluminação pública do Terreiro de Jesus, ainda permitia lobrigar a fachada e a linha dos telhados do casario da ampla praça e da imponente Igreja do Colégio dos Padres Jesuítas, ao lado do provecto e mal conservado sobrado do Hospital Militar da Bahia.

Alguns rápidos e inesperados pirajás obrigaram passeadores a procurar agasalho sob o alpendre construído defronte do pórtico principal da entrada do edifício do Colégio, imediatamente à esquerda de quem sai da Igreja dos Jesuítas, sustentado por duas colunas de mármore inteiriças, de qualidade rara.

Sábado, 9 horas da noite de 28 de janeiro de 1827 – Deu entrada no Hospital Militar da Bahia, conduzido pelo soldado do “B. am N. 15 e 5 Comp.ª”, ora em serviço na Policia João da Mata, “um escravo Nação Ussá q’ dis ser do M. e Gois da Ribr.ª p. r nome Serapião com trez feridas contuzas: a saber duas sobre a parte media do Coronal q’ interessava o Occipital, A superior com huma polgada de comprida e meya de profundidade e a contigua inferior com meya polgada de diametro e outro tanto de profundidade com perda de sangue e dislaçaram. to de partes, mostra ser feito p. r instrum. to contundente - outra ferida ou escuriação da cutis na parte media do Labio superior e no q’ mostra não haver perigo de vida, só sim, se acontecesse alguns accidentes consecutivos.” O enfermo foi “curado”, na sobredita data, pelo “Cirurg. m Ajud. e do dia M. el Ignacio de Lima Corte Real.”

No dia seguinte, 28 de janeiro de 1827, o “Sarg.mor, e Insp.or , médico, Martinho de S.ta Anna Boaventura Ferraz, participa, de maneira rotineira, ao vice-presidente da província Manoel Ignacio da Cunha e Menezes, ao depois Visconde do Rio Vermelho, a ocorrência no Hospital Militar da Bahia, em relatório assaz sucinto, consubstanciado na parte do facultativo que “curou” o ferido, acrescentando que “o preto Serapião”, ... “depois da primeira cura, voltou com o m.mo Condutor.”

Depois de consultar o seu relógio com correntão e sinete, tendo o sinete cornalina branca com as iniciais SBBC, sendo as letras entrelaçadas, assentou-se em uma cadeira de vinhático, a lamparina quase a extinguir-se, assoou-se discretamente, anediou a barba e cãs com aspectos argênteos e, com sobrolhos carregados, perlustrou o capítulo 2.º do Inspetor, que já estava defasado e anacrônico, porquanto fazia referencia à “ Junta da Rial Fazenda”, quando, no ano de 1827, o Brasil já se encontrava sob o governo de Sua Majestade Imperial D. Pedro I (1822-1831), que proclamou solenemente o novo império no dia 12 de outubro, sua data natalícia, efetuando-se sua coroação a 1.º de dezembro de 1822.

Novo Regulamento foi criado com a extinção dos Hospitais Militares em todo o Império, em 17 de fevereiro de 1832, transformando-os pelo Governo da Regência em ” Hospitais Regimentais”, elaborando Regulamento especial para ser aplicado aos hospitais regimentais, localizados em cada corpo de tropas de linha, os quais estabelecer-se-ão em local apropriado, o mais próximo que for possível do quartel, quando absolutamente não possa ser dentro dele.

Assim estavam exarados os termos do regulamento respeitante às atribuições do inspetor do hospital, organizado ainda na época do governo reinol:

Artigo 1.º: “O Inspector do Hospital deve ser hum homem de maior probidade, e humanidade, e boa conducta e imediatamente Responsavel ao Governador e Capitão General, e á Junta da Rial Fazenda, do Governo economico, asseio, boa ordem. e manutenção do mesmo Hospital.

Artigo 2.º: Vigiará incessantemente sobre a conducta, e servissos de todos os empregados no Hospital; punirá todas as suas faltas com as penas determinadas neste Regimento, e quando os despedir dará parte ao Governador, e Cap. m General, e á Junta propondo outros em seu lugar.

Capítulo 3.º: Das Dietas, e Rações dos Doentes, e Empregados. O Mappa Gerál das dietas, e Rações será feito no dia antecedente para que o Almoxarife possa fazer apromptar quanto nelle ordenarem os Professores.
Os doentes que entrarem no Hospital depois de feito o Mappa, ficarão a caldo de Vaca, Vitella, ou carneiro, o resto desse dia ao dia seguinte se a moléstia for aguda, ou grave, e as das outras a meia ração a que ordenará o respectivo Professor na observação do m. mo Mappa, que tam bem assignará.”
Desde o dia 13 de setembro de 1809, o cirurgião-mor Jozé Soares de Castro, reunindo a experiência quetinha “de alguns annos de exercicio em varios Hospitaes Estrangeiroz, e Nascionaes; o “estillo, e formalidade recomendadada por S. A .R. no Regulamento impresso em 1805, para os Hospitaes Militares; cingindo-me a elle no que me pareceo aplicável, segundo o costume, e generos, que constantemente fornece este Paiz, arrangei a memoria, que incluza offereço a Suas Ex. as, por intervenção de V. S.; a qual sendo vista, corrigida, e illustrada pelos mesmos Ex. mos Snr. es, e por V. S. poderá servir de Regulamentopara o Hospital Real Militar desta Cidade, do que muitto necessita.”

Assim nasceu o primeiro Regulamento do Hospital Real Militar da cidade da Bahia, elaborado em 1809 pelo cirurgião-mor Jozé Soares de Castro, e que foi provavelmente inspirado no “Regulamento economico para os Hospitaes Militares de Sua Magestade Fidelíssima em tempo de campanha”, dado no Palácio de Queluz aos 7 de Agosto de 1797 e criado pela rainha D. Maria I, que, desde a morte de seutio e marido D. Pedro III, em 1786, ficara enfraquecida da razão.,--”

De maneira assaz sucinta, algumas palavras serão ditas respeitante ao sobredito pioneiro instrumento normativo, alentado sobremaneira, quetrata das enfermarias para os convalescentes, (na época, o nosocômioera dotado de duas) e mais três para o tratamento das doenças contagiosas, bem como, a sarna, tísica, e mal venéreo, as quais deviam ser separadas uma das outras.

Discorre o Regulamento sobre os móveis e mais utensílios necessários aos doentes: leitos, colchões, alguns furados no meio, lençóis, travesseiros, cobertores, “silouras”, camisas abertas por diante, e pelas mangas; fornecimento de uma ou duas tinas em cada enfermaria, conforme o número de doentes, para estes tomarem banhos quando os “Professores” lhes ordenarem; fornecimento de um prato, uma tigela, uma colher “ordinária”, uma “quartinha” (moringa de barro), um guardanapo, um escarrador, uma banquinha com sua gaveta, uma dita de “retrete” (privada) com seo “ourinol”: “porém esta só he para os Doentes, que não poderem hir ás latrinas. “Alem disto haverá alguns “apisteiros” (bules), comadres, seringas de estanho, e alguns ourinoes de vidro.”

Logo que chegar algum doente ao Hospital, o porteiro, mediante dois toques de sino, chamará o ajudante de cirurgia, que estiver de guarda, o qual examinará o doente, indicará a enfermaria e repartição, a que pertence, segundo a sua enfermidade; afastará os que tiverem moléstias contagiosas, determinará a dieta, e remédio, que lhe convier; e logo na seguinte visita, dará parte do respectivo professor; porém sendo a capelão dormirá, e residirá efetivamente no hospital, confessará, e sacramentará todos os doentes de moléstias “agudas”. Será igualmente obrigado a confessar todos os empregados no serviço do hospital, quando eles o procurarem para este fim. Nos domingos e dias santos, dirá missa na capela do hospital. “Ensinará Doutrina Christãa aos escravos de Sua Alteza Real, e a todos os Empregados que a não souberem.”

“Haverá dous Medicos no Hospital, os quaes servirão às semanas, aos mezes, ou conforme lhes parecer, comtanto que não padeça o Real Serviço nesta repartição”.; examinarão, de concerto como o cirurgião-mor, as boticas para conhecerem o estado dos remédios que contém; farão que nas suas enfermarias se observe o possivel asseio; fiscalizarão a despensa; examinarão se os alimentos dos enfermeiros e dos empregados no hospital, são de boa qualidade, bem feitos e na quantidade prescrita por eles nos mapas diários; farão diarios, ou memorias acerca daquelas molestias, cuja natureza, e marcha, não está por ora bem conhecida, e determinada, poderão requerer as conferencias necessarias dos professores do hospital.”

Não poderão ausentar-se para fora da terra um só dia sem licença do general. Remeterão anualmente ao general, por intermédio do provedor, um mapa exato de todos os doentes, que entraram, saíram, morreram, e ficaram existindo para o ano seguinte em todas as enfermarias da sua inspeção.

Quando algum militar maliciosamente, ou por condescendência, obtiver baixa para entrar no hospital, os médicos depois de um perfeito exame, conhecendo não terem moléstia alguma, os remeterão imediatamente ao seu respectivo regimento, declarando no reverso da baixa a razão porque o não admitirão.

Os médicos poderão fazer a abertura dos cadáveres, cuja doença, e circunstâncias dela o exigirem; poderão também mandar fazer esta dissecações pelos ajudantes de cirurgia.

Os médicos experimentarão nas suas enfermarias todos os remédios novos, naqueles casos em que lhes parecer mais bem indicados.

As visitas dos doentes se farão no tempo de verão às oito horas da manhã, e no inverno às nove; em cuja ocasião se fará sinal da chegada dos professores, a saber, na do médico com quatro badaladas de sino, e na do cirurgião-mor com três; a este sinal comparecerão os enfermeiros, e mapistas competentes a cada uma repartição; e na de cirurgia, além dos referidos, se apresentarão ao cirurgião-mor, os ajudantes de cirurgia, para fazerem os curativos, que por ele lhes forem indicados.

Os alimentos diários serão pedidos nos mapas pelos professores, de um dia para o outro, afim de que o almoxarife possa dar as providências necessárias, e não haver em faltas.

Os professores regularão os alimentos para cada um doente, segundo o seu estado, por onças, libras, ou meias libras; assim como, por exemplo, a galinha, por quartos; o arroz, a letria, farinha de trigo, cevadinha, e carne, por onças afim de se poder fazer pelos mapas a conta total da despesa em cada gênero, e também para governo dos que distribuem as dietas aos doentes.

Proíbe-se em geral o uso da carne aos almoços; doce, pão de ló, e todos os guisados, e frigideiras, por se julgarem semelhantes alimentos impróprios para doentes; igualmente se proíbe o uso geral do pão; e se dará em seu lugar a farinha do País, à qual se acham habituados os seus habitantes, e somente se permitirá o pão aos oficiais, se estes o pedirem, ou outros quaisquer doentes, quando a farinha não lhe convier.

Os professores poderão abonar vinho aos seus doentes, quando ele for indicado, e as circunstâncias, e habito do doente o exigirem: porem raríssimas vezes excederão a uma libra por dia.

A ração de oficial é a mesma que a dos soldados nos Artigos 18, e 19 deste título; mas no Artigo 29 terá mais meio frango assado para o jantar, e duas laranjas maduras; e a ração do artigo 24, com um quarto de galinha assada para a ceia; e em tudo o mais se seguirá a regularidade dos outros doentes.

A exceção dos oficiais de Fazenda, médicos, e cirurgião-mor, todos os demais empregados, que adoecerem, serão à custa do hospital: mas nos dias em que estiverem doentes, não vencerão ordenado.

Quando as circunstâncias pedirem, ou permitirem, que alguns doentes, ou convalescentes façam algum exercício fora do hospital, ou careçam de ir tomar banhos no mar, os médicos, ou o cirurgião-mor, que lhe aconselharem, designarão nominalmente, e por escrito, s doentes, que carecerem destes auxílios, o lugar, e a hora; e esta faculdade será apresentada ao inspetor para encarregar, aos que ele nomear para os acompanhar, o que devem fazer, e evitar a bem do serviço.

O cirurgião-mor do hospital será contemplado como chefe de tosos os mais cirurgiões, que curarem no Hospital Militar.

Fará preparar pelos ajudantes de cirurgia as ligaduras e aparelhos cirúrgicos necessários para os curativos diários, e sobressalentes para os casos acidentados.

Terá a seu cargo, e responsabilidade, o curativo de todos os doentes, e à inspeção imediata sobre os ajudantes de cirurgia e mais subalternos da sua repartição.

O cirurgião-mor do hospital poderá mandar fazer pelos ajudantes de cirurgia as operações cirúrgicas, para que eles se habituem a este exercício, e percam o terror que elas ordinariamente imprimem naqueles que não estão costumados a praticá-las, sendo estas sempre feitas na sua presença.

Quando se tratar de fazer algumas das grandes operações de cirurgia no Hospital, o cirurgião-mor chamará os cirurgiões-mores, ou ajudantes de cirurgia dos regimentos, que julgar mais hábeis, os quais à vista dos casos darão, cada um separadamente, o seu parecer, e o cirurgião-mor decidira definitivamente com o seu voto no caso de dúvidas, que ou por sistema, ou por capricho possa haver, sendo este autorizado a chamar quaisquer outros professores, além dos sobreditos, quando for a bem dos enfermos, que se acharem no deplorável estado de exigirem semelhantes operações. Mas quando a urgência requeira um pronto socorro, o cirurgião-mor por si só, decidirá, e fará a operação que julgar necessária.

Destinará um quarto bem acondicionado, para que nele se pratiquem as operações de cirurgia, atendendo à confusão, e horror que estas produzem aos mais doentes sendo praticadas nas enfermarias, nas quais, além disto, falta a claridade necessária. Haverá no mesmo quarto uma mesa própria para as dissecações, e exames nos cadáveres.

Não será permitido ao ajudante de cirurgia, que ficar de guarda, “sahir fora do Hospital”, ainda mesmo com o pretexto de ir jantar, ou cear, porque morando alguns minutos afastados dele, o não poderão fazer sem uma longa demora, a qual será muito nociva acontecer, que durante este tempo chegue algum ferido, que exija pronto socorro, bem como a hemorragia, ou fluxo de sangue, sintoma, que em pouco tempo fará perecer o ferido.

Haverá dois boticários examinados, e aprovados no Hospital Militar.

Nenhum boticário será admitido no emprego de primeiro boticário do Hospital Militar, sem que dê um fiador abonado, e de conhecido crédito, excetuando aqueles que tiverem bens suficientes permanentes, ou de raiz.

Regular-se-á o número dos enfermeiros conforme o maior ou menor ou menor número de doentes existentes no hospital, porém como o número destes nunca é permanente, para evitar repetidas alterações haverá constantemente para cada quarenta doentes, primeiro, e segundo Enfermeiro.

Os primeiros enfermeiros farão o seu quarto às primeiras horas da noite até às duas da madrugada; e os segundos, desde as duas até às seis, em cujo quarto ficará um servente acompanhando a cada um dos referidos enfermeiros, para fazerem o serviço, que estes lhe ordenarem.

É proibido aos enfermeiros, e serventes, insultar aos doentes com palavras, ou ações; ainda que faltem a decência, e respeito, que devem ter às pessoas, que os tratam; em tais casos, representarão ao professor respectivo, o qual depois de se informar com toda a exatidão, o participará ao inspetor, para este o castigar, conforme o seu estado.

Os serventes serão escravos comprados por conta da Fazenda Real, para evitar a grande despesa, que se faz em salários com outros alugados e quando eles não cumprirem com as suas obrigações, o inspetor, com participação dos professores, os castigará, conforme as faltas, que cometerem.

Haverá também dois escriturários, um na repartição de Medicina, outro na de Cirurgia, com o título de mapistas.

Haverá no hospital um oficial de Fazenda com o titulo de almoxarife, o qual será encarregado, e responsável da administração, economia de tudo, o que for relativo à saúde dos doentes, e seu sustento.

Não será admitido pessoa alguma para o lugar de almoxarife, sem que apresente à Junta da Fazenda Real um abonador suficientemente abastado. o qual ficará responsável pelas faltas , que se encontrarem em todos os gêneros, de que se encarregar; e só se excetuarão desta regra aqueles que tiverem bens permanentes, ou de raiz.

O fiel do almoxarife, denominado roupeiro, receberá do almoxarife, por inventário, toda a roupa, e mais utensílios para a distribuir por todas as enfermarias.

O porteiro do hospital não deixará entrar qualquer paisano, ou soldado a falar com os doentes, sem expressa licença do inspetor, ou dos professores. Os mesmos soldados da guarda do hospital não poderão entrar, senão quando forem render os seus camaradas.

Quando algum amigo, ou parente dos doentes obtiver licença para os visitar, e o porteiro tiver a mais leve suspeita, que lhes leva algum gênero de alimento, ou o exporta, poderá, em tais casos, fazer todos os exames, que quiser, e achar úteis; e em caso de resistência, a sentinela, que deve estar sempre à portaria, lhe prestará todo o auxilio necessário.

Haverá somente a porta principal do hospital aberta e o porteiro terá em seu poderá chave do portão, ou de outra qualquer porta, que comunique com o interior do nosocômio.

O comandante da guarda mandará por uma sentinela à portaria do hospital, e outra na prisão. E além destas aquelas que forem indicadas pelo inspetor.

Em todas as enfermarias haverá candeeiros cobertos com um capitel, que termine em um tubo particular, ou comum, para conduzir o fumo fora da enfermaria.

As enfermarias de febres serão separadas das outras, a fim de se evitar quanto for possível, o que os doentes de moléstias cirúrgicas, venéreas, e cutâneas, se contagiem.

As enfermarias de moléstias cutâneas, venéreas estarão constantemente fechadas, para que os doentes destas, não vão comunicar aos outros tais moléstias.

Nas enfermarias de febres haverá entre uma, e outra cama, a distância de quatro pés, pelo menos; nas outras poderá ser menor esta distância, conforme o numero dos doentes, e capacidade do hospital.

Tanto nas enfermarias de febres, como em quaisquer outras, cujos doentes não possam levantar-se, e ir às latrinas, haverá entre uma, e outra cama, uma caixa de retrete exatamente fechada, e sempre no mais rigoroso asseio.

Todas as enfermarias, e muito principalmente as de febre, e as latrinas, serão caiadas uma vez cada seis meses com uma mistura de cal viva, e água, enquanto dura a sua efervescência, e por isso deve somente preparar-se aquela porção, que se pode empregar enquanto está quente.

Todas as tinas serão montadas em carretas para maior economia e facilidade do serviço; haverá o maior cuidado em que andem sempre no mais exato, e perfeito asseio. As tinas que pertencerem a uma enfermaria, nunca servirão em qualquer outra; para melhor prevenção, se farão distinguir na forma seguinte: as que forem destinadas para os doentes de mal venéreo, além do nome da enfermaria, serão marcadas com a letra V; as dos tísicos, com a letra T, as dos bexigosos, com a letra B, as dos sarnosos, com a letra S; e as de cirurgia com a letra C. O mesmo se praticará a respeito de toda a roupa, e outros utensílios, que se possam marcar.

É proibido perfumar as enfermarias com alfazema ou quaisquer outros perfumes dispendiosos, por ter mostrado a experiência a sua inutilidade, e em seu lugar se usará ácido muriático, nítrico, ou acético, em vapores.

Nenhum doente se poderá deitar calçado, nem vestido, sobre a sua cama, ou dentro dela; é igualmente proibido jogar, fazer motim, fumar, e proferir palavras indecentes, nas enfermarias.

Haverá em cada enfermaria um lavatório, e uma toalha, para o uso dos doentes; a água e a toalha serão diariamente renovadas.

Haverá um barbeiro, para fazer a as barbas, e rapar as cabeças dos doentes, quando os professores o determinarem.

Logo que algum enfermo falecer, antes do seu enterro, o ajudante de cirurgia, que estiver de guarda, fará as averiguações necessárias sobre a realidade da sua morte, e se participará logo ao escrivão do hospital, e aos chefes dos regimentos, para que façam as notas do estilo; cuja participação se fará também, pelo mapa diário; o morto será transportado para a “casa de depósito” do hospital e o pano com toda a mais roupa, depois de passar por duas lixívias, serão perfeitamente lavados, e defumados depois com enxofre, ácido nítrico etc e antes de tudo isto não poderão servir.

Historicamente, desde o governo de Mem de Sá, entre 1558 a 1572, os militares enfermos eram atendidos no “Hospital São Cristóvão”, da Casa da Santa Misericórdia. Com a ameaça de invasão da cidade da Bahia pela armada espanhola, em 1776, construiu-se um modesto e acanhado Hospital Militar no outeiro de Nossa Senhora da Palma, o “Hospício de Nossa Senhora da Palma”, nas proximidades do Quartel da Palma, e que foi transferido em 1800, para a antiga enfermaria que fora dos jesuítas, no Colégio dos Padres do Terreiro de Jesus, já com a denominação de “Real Hospital Militar”, criado a 4 de outubro de 1799 por determinação do governador e capitão-general D. Fernando Jozé de Portugal, consoante constatação historiográfica e inédita deste pesquisador, quando resgatou a verdadeira data da criação do Hospital Real Militar, fundamentando-se em manuscritos originais e também inéditos, começado o dito hospital a funcionar em setembro ou outubro de 1800.

Anteriormente à definição da criação do dito hospital, a Coroa Portuguesa desejava construir junto ao Convento da Lapa um projetado edifício do Hospital Militar, em 1797, sucesso que foi rejeitado pelas religiosas do monastério.

Assim, o velho e heróico Hospital Militar da Bahia, originalmente chamado de Hospital Real Militar, manteve, durante anos, o seu primitivo regulamento de 1809, que sofreu ligeiros aditivos e supressões regimentais.

Em 2 de março de 1818, o sargento-mor inspetor do Hospital Real Militar, Jozé Ignacio Abreu Lima Alvar.ª lamentava-se; “Pelo grande numero de doentes que se achão actualmente neste Hospital, que passão a mais de trezentos e cincoenta, faltão camas; e por tanto me vejo na necessidade de os ter no chão; e por isso sofrendo os ditos pouca limpeza, por senão poder varrer, e lavar as Enfermarias, nem para onde os possa passar, em quanto se fará este serviço.

Igualmente o numero de traveceiros he tão deminuto, que para muitas camas não os há, e mandando-se fazer já ha mezes alguns pela Ribeira, te hoje não há solução deles.

Pela mesma cauza do numero crescido dos doentes, faltão-me Enfermeiros, pois pela Portaria do Ex. mo Senr. Conde dos Arcos, datada em 26 de Abril de 1814, determinou tratar hú Enfermeiro de vinte doentes, e há prezentemente Enfermeiro, que tem a seo cargo 50 sendo impocivel, sejão suficientemente servidos estes, sem faltar continuadas, principalmente em Remedios; pois existência dos Enfermeiros, são 11, achando-se hú deles doente.”

Em 1822, na época das tensões políticas pela Independência, o nosocômio já era denominado Hospital Nacional Militar e Hospital Nacional Imperial Militar até 1825, quando ficou conhecido como Hospital Militar da Bahia, até a vigência do decreto de 17 de fevereiro de 1832, que extinguia os Hospitais Militares e criava os Hospitais Regimentais. Por meio do dito decreto, o “Hospital do Collegio”, como também era conhecido, retornou para o Quartel da Palma, “um edifício de fraca construção”, onde os doentes “estavam pessimamente alojados em duas coxias do dito Quartel”, “de acanhadas enfermarias”.

Assim o Hospital Militar da Bahia passou a funcionar como Hospital Regimental do Batalhão de Caçadores N.º 9 de 1.ª Linha do Exército, sediado no Quartel da Palma e como Hospital Regimental do 3.º Corpo de Artilharia de Posição da l.ª Linha, estabelecido no Quartel do Forte de São Pedro.

Em 1855, como conseqüência da epidemia de cólera-morbo, as enfermarias do Hospital Regimental do Quartel da Palma foram deslocadas para as instalações da antiga Casa dos Fogos dos Aflitos, ao depois Casa do Trem dos Aflitos, formando-se o Hospital da Guarnição da província da Bahia, em 1856, constituído de quatro enfermarias, que podiam conter 80 leitos, além da enfermaria dos oficiais e outros diversos cômodos “de pequenas proporções, que não offerecia as necessarias condições hygienicas”. Ali permaneceu o sobredito hospital, quando um aviso ministerial de 11 de abril de 1865 o converteu em “enfermaria”, sendo, novamente, restabelecido à condição de Hospital Militar do Salvador por outro aviso do governo imperial, de 13 de dezembro de 1871, até a sua transferência definitiva para o “prédio de Joaquim Jozé de Oliveira”, situado na ladeira do mesmo nome, nas Pitangueiras, em 24 de fevereiro de 1876, observando o exposto no aviso do Ministério dos Negócios da Guerra, de 17 de fevereiro de 1872 que autorizava a presidência da província a realizar a compra do prédio das Pitangueiras e o de 9 de julho do mesmo ano, que informava que o presidente da província havia comprado o dito prédio aos herdeiros do finado coronel Antonio Jozé de Lima pelo preço de setenta contos de réis (Rs 70:000$000).

Denominou-se Hospital Militar da Bahia, por decreto de 25 de novembro de 1844; Enfermaria Militar da Bahia, pelo Aviso de 05 de março de 1878; Hospital Militar de 2ª Classe, pelo decreto nº 277, de 22 de março e decreto nº 307, de 07 de abril de 1890; Hospital Militar de 3ª Classe, decreto nº 13.653, de 18 de junho de 1921; Hospital Militar de Salvador, mediante decreto de nº 1.374, de 14 de janeiro de 1937 e Hospital Geral de Salvador, consoante portaria nº 284, de 08 de julho de 1953.

Com a proclamação da Republica, extinguiu-se a designação de “Cirurgião-mor do Exército, recebendo o chefe do Corpo de Saúde o título de “Inspetor Geral do Serviço Sanitário”, sendo um dos seus chefes o general de brigada médico João Severiano da Fonseca (1836-1887) considerado o “Patrono do Serviço de Saúde”. Era alagoano e finou-se no Rio de Janeiro. Doutorou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1858, fez carreira como oficial do Corpo de Saúde e era irmão do marechal Manoel Deodoro da Fonseca, que proclamou a República.

Com o advento da República, a Região Militar na Bahia, outrora, no Império, denominada “Comando das Armas”, que era liderada por um brigadeiro, foi extinta, junta aos demais comandos de armas, mediante o decreto n.º 431, de 2 de julho de 1891, publicado em ordem do dia do Exército, de n.º 218, do dia 6 do mesmo mês e ano, tendo o território da República sido divido em sete distritos militares, sendo o terceiro distrito formado dos estados de Alagoas, Sergipe e Bahia, tendo a Bahia como sede.

O Quartel General do Comando da Sexta Região Militar está instalado no edifício situado entre as ruas de Santo Antonio da Mouraria e Castanheda. Foi edificado nos terrenos do antigo quartel do nono batalhão de infantaria, fronteiros ao lado da Praça marechal Hermes Ernesto da Fonseca. Os ditos terrenos eram, outrora, ocupados pelas senzalas dos escravos da ordem dos Agostinhos, que passaram as terras ao governo, com a extinção da dita ordem, servindo de aquartelamento ao último batalhão da força federal de infantaria ali alojado, comandado pelo coronel Innocencio Fabrio Correa de Mattos.

A construção do Quartel General teve início a 25 de fevereiro de 1909 e concluída a 30 de abril de 1912.

Antes de inaugurar-se o prédio onde está instalado atualmente o Quartel General, funcionou este em diversos edifícios, próprios e particulares. Durante o Império e nos primeiros anos da República, esteve em atividade na rua da Lapa, esquina da de Santo Antonio da Mouraria; no ano de 1905, transferiu-se para a rua da Lapa n.º 1, indo, ao depois, por algum tempo, para a rua Direita da Piedade, n.º 19; dali deslocou-se para o Largo de São Bento n.º 1, onde funcionava a Pensão Bella Vista, transferindo-se, ao depois, para a rua da Piedade, esquina da Ladeira dos Barris, quando, já concluída a construção do prédio da Mouraria, para lá se mudou, em definitivo, o Quartel General.

Devido ao decreto n.º 15.934, de 22 de janeiro de 1923, que alterava a divisão territorial militar da República, esta região passou a denominar-se 6.º Região Militar.

Domingo, oito horas da noite de 28 de janeiro de 1927 – O amplo prédio do “Hospital do Collegio” estava precariamente iluminado. Magotes de doentes ocupavam quase todas as 250 camas das suas três grandes enfermarias: a de São José, a de São Fernando e a enfermaria da “Assumpção”. Era grande a movimentação dos médicos, do cirurgião do dia, dos ajudantes de cirurgia, enfermeiros, fieis de dispensa, fiel roupeiro e escravos da casa. A atmosfera dos ambientes, sem o necessário asseio, transmitia odor miasmático e pestilencial.

O capelão do Hospital Militar, com semblante piedoso e pondo os olhos em alvo, após descer a sinuosa e rica escada que levava a já não tão bem cuidada capela dos padres jesuítas, dedicada a São Estanislau Kostka, procurava assistir aos moribundos, e ajudá-los com a maior caridade, e devoção, a bem morrer, administrando-lhes os sacramentos antes de entregar a alma ao Criador.

Estirados sobre os leitos, que mais se assemelhavam a catres pobres e toscos, estavam militares com olhos orvalhados e aljofarados com lágrimas pelo grande lancinamento da dor que forma o sudário que os fará resvalar para os mistérios dos túmulos. Gemiam ais, artilheiros, soldados do batalhão de caçadores, soldados da cavalaria, da divisão militar da polícia, soldados de transporte, presos da justiça, empregados do hospital, oficiais subalternos, cadetes cabos, cornetas tambores, músicos, recrutas, marinheiros, presos da cadeia, presos da galé e muitos outros militares enfermados.

Naquela noite canicular de domingo, dia 28 de janeiro de 1827, o cirurgião do dia, Francisco de Paula S. Rita, lá pelas oito horas da noite curava o português Luiz Antonio Lisboa, de duas feridas: “a saber, uma no ante-braço direito, sobre a seu terço superior, e face palmar, com polegada e meia d’istenção, e trez de profundid. de, sendo esta assoslaiada para a parte superior, e com emorragia venal: A outra dita na conxa da orelha esquerda, com meia polegada de divisão, sendo esta feita nos tegum. tos; mostrando serem feitas por meio de instrum. to Cortante-perfurante; e sem denotar em perigo de vida.”

No dia seguinte, segunda-feira, o Sargento-mor e Inspetor, Manuel de S. Boaventura Ferraz oficiava, como de praxe, ao presidente da província da Bahia, João Severiano Maciel da Costa, Visconde de Queluz, comunicando a ocorrência médica, de acordo com o relatório específico elaborado pelo cirurgião do dia, acrescentando que o ferido foi “conduzido pelo Soldado da Policia da 2.ª Comp.ª Martinho de S. ta Anna, ... e depois da primeira cura, voltou com o m. mo Conductor.”

Segunda-feira, 30 de janeiro de 1827 – O cirurgião-ajudante do dia, Manuel Ignacio de Lima Corte Real, relatou que Pela meya noite entrou neste Hosp. tal Militar hum Escrv.º que diz ser de Joaq. m de Tal, p. r nome Raymundo nação Tapa, conducido p. r hum Sold.º do B. am 15 com huma ferida contuza na p. te superior da cabeça sobre o terço esquerdo do Coronal com polgada e meya de instenção, e discobrimento do Osso dislaceram. to de tegomentos perda de sangue mostra ser feito p. r instrum. to contundente e no prezente não conheço perigo de vida, só sim se houver insidente conseccutivo.”

No dia seguinte, 31 de janeiro, o Sarg. mor e Insp. or Manuel de S. Boaventura Ferraz participou a ocorrência do ferido ao presidente da província, acrescentando que “o preto Raimundo escravo disse ser de Joaquim de tal, sendo conduzido pelo Soldado do B. am N.º 15, 4.ª Comp.ª ... e voltou com o m. mo Conductor.”

FONTES

Manuscritas, originais e inéditas:

Arquivo Público do Estado da Bahia – Presidência da Província – Militares – 1826-1827 – Seção de Arquivo Colonial e Provincial – maço n.º 3737

Arquivo Público do Estado da Bahia – Guia da Colônia – Repartições e autoridades militares – “Hospital Real Militar” - Originais – 1805-1818 – maço n.º 435

Arquivo Público do Estado da Bahia – Iluminação Pública -S eção de Arquivo Colonial e Provincial – maço n.º 3066

Impressas

Pitta RP. Historia da America Portugueza, desde o anno de mil e quinhentos, do seu descobrimento, até o de mil e setecentos e vinte e quatro. Lisboa Ocidental, na officina de Joseph Antonio da Silva, p.49, 1724.

Leite S, S. I. História da Companhia de Jesus no Brasil – V – Imprensa Nacional – Rio de Janeiro – p.68-165,1945.

Diário Oficial – EdiçãoEspecial de Centenário – 1923 –p.281-284. 

Filho LS – História Geral da Medicina Brasileira Vol. 2 – Editora HUCITEC, p. 592-593, 1991

Britto ACN – A Medicina Bahiana nas Brumas do Passado 1.ª edição, Contexto & ArteEditorial – Governo da Bahia – Secretaria da Cultura e Turismo, p.365-374, 2002.

Silva AD, Desembargador – Colleção de Legislação Portugueza – Alvará – 7 de Agosto de 1797, Typographia de Luiz Correia da Cunha – anno de 1860 – Período: 1791-1801 – p.419-449.

NOTA

Infelizmente ainda não foi possível localizar fontes primárias relativas ao arsenal terapêutico e instrumental cirúrgico respeitantes ao ano de 1827.

Tenho apenas reprodução de cópias da relação do acervo cirúrgico completo, com a indicação de seus fabricantes franceses, concernentes ao ano de ano de 1845.

Os medicamentos relacionados no meu acervo historiográfico são avulsos e não se referem ao Hospital Militar em 1827.

 

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