HISTÓRIA DA MEDICINA artigo 54

POR DENTRO DO HOSPITAL MILITAR DA BAHIA NO ANO DE 1827

Dr. Antonio Carlos Nogueira Britto
Vice-presidente do Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins.
Fundado em 29 de novembro de 1946

ASPECTOS INÉDITOS DO DIA-A-DIA DOS ATENDIMENTOS DE URGÊNCIA E DOS PROCEDIMENTOS DA ADMINISTRAÇÃO NOSOCOMIAL

PARTE VIII

Terça-feira, 18 de setembro de 1827 – Jozé Ribeiro da Fonceca, cirurgião do dia, servindo no “Hospital Imperial Militar” registou o seguinte atendimento médico: “Veio curar-se neste Hosp.l, as 9 oras e meia da noite do dia 17 do corr.e , Josefa Maria de Jesus, com huma ferida penetrante simples, na região epigástrica, com huma polegada de extenção, de figura transversa, mostra ter sido feita com instrumento cortante, e perfurante; não de notta perigo de vida pelos simptomas premitivos que aprezenta, salvo se aparecerem os consecutivos.”

No mesmo dia 18, o sargento-mor e inspetor, Manoel de S. Boaventura Ferraz, comunicou o sucesso ao vice-presidente da província da Bahia, Manoel Ignacio da Cunha e Menezes, ao depois Visconde do Rio Vermelho, informando que “Hontem pelas 9 horas emeia da noite recolheu-se neste Hosp.l Josefa Maria de Jesus, conduzida pelo Sargento pelo Sargento da Policia e 1.ª Comp.ª Manoel Joaquim da Conceição; com o ferimento constante na parte incluza do Professor do dia, edepois de curada voltou com o m.mo Sarg.to.”

Quarta-feira, 26 de setembro - O sargento-mor e cirurgião-mor do Hosp.l Militar, Antonio Jozé de Souza e Aguiar, levou a efeito exame médico perícia em um prisioneiro na “Fortaleza do Mar, (Forte de S. Marcelo, primitivamente denominado de N. Senhora do Pópulo, concluído em 1772. - N. A ), e encaminhado o parecer, datado de 26 de setembro de 1827, ao vice-presidente da província, assim exarado: “Examinei ao Supp. e Antonio Luiz, prezo na Fortaleza do Mar, q. foi conduzido a este Hospital, em virtude do Desp.º de V. Ex.ª; e achei q.’ elle he incapaz p.ª todo e qualq.r serv.co Nacional, por padecer hu’a fistula entre a quarta e quinta costellas do lado esquerdo, com penetração ao peito, pela qual sáe o ar, no movimento da respiração. He o q.’ posso informar a V. Ex.ª .”

Segunda-feira, 1.º de outubro – Atendimento de urgência médica foi registado pelo “Cirurgião do dia 30 – supra”, Fran.co de Paula S. Rita e datado do dia 1.º do outubro: “No dia 30 de 7br.º, virão a este Osp.l Militar os feridos seguintes a fim serem alí curados.

Pelas onze oras do dia, opaisano Manoel Felis com huma ferida na parte anterior da Cabeça sobre o supercilio esquerdo, com duas polegadas d’extenção, interessando toda espessura molle, e com as palpebras contuzas: mostrando ser feita com instrum.to contund.e e sem denottar perigo de vida.

Pela meia noite – o preto de nome João Junior, escravo de Thomàs de Tal, com huma ferida na Cabeça sobre a sua parte lateral esquerda, com quatro polegadas d’extenção, compreendendo som.e os tegum.tos mostrando ser feita por instrum.to Contund.e , e sem denottar perigo algum.”

Eis a comunicação feita pelo inspetor ao vice-presidente: “Hontem pelas 11 horas da Manhã recolheo-se neste Hosp.l p Paizano Manoel Felix condozido pelo Soldado da Policia e 2.ª Comp.ª Manoel Jozé de S.ta Anna; E Pela meia noite o preto João Junior, escravo que dis ser de Thomas de Tal, condozido pelo Soldado da Policia e 2.ª Comp.ª Izidorio Per.ª de Sz.ª; ambos com os ferimentos constante na parte incluza do Professor do dia, e = depois decurados voltarão com as mesmos Soldados que os acompanhavão.”

Sexta-feira, 5 de outubro - Dificuldades de natureza burocrática fazem o sargento-mor e inspetor oficiar ao vice-presidente, reivindicando um escritório privativo para o Representante do Hospital Militar: “A V. Ex.ª, reprezenta o Inspector do Hospital Militar desta Provincia que ha muito desejando subtrahir-se á pretenções não tem podido dissimular a urgente necessidade, em que se vê de quem lance em registo as escripturações do Representante, quaes sejão officios, reprezentações, e outras extraordinarias escriptas; tarefa esta que não póde conferir a hum Escrivão, e hu’ Amanuense, a quem as complicadas escriptas do Laboratorio da caza não deixão tempo algu’ dentro da quelle, que lhe he marcado para alli rezidirem.

E não podendo o Reprezentante tambem empregar-se em escriptas porque lhe falta o tempo para rever, providenciar, e accodir a occupações mais serias, e inherentes ao Seu emprego: Supplica, por tanto, a V. Ex.ª lhe conceda hu’ privativo escriptorio, que esteja com o Reprezentante durante o dia, e todas as vezes que necessarios ás mesmas escripturações.”

Sexta-feira, 12 de outubro – O cirurgião do dia, Jozé Ribeiro da Fonceca, servindo no “Hospital Imperial Militar”, registou a seguinte parte médica: “As 8 horas do dia 11 do corr.te recolheo-se a este Hospital, o corneta da 6.ª Comp.ª do B.am N.º 92 Pedro Jozé Correia, com huma ferida triangular na parte superior do coronal, com meia polegada de circomferencia, e a soslaiada; e de profund.e unicam.e todo coiro cabeludo: outra transversa, com uma polegada de extenção na p.e inferior do omoplata esquerdo, em teressando de profund.e os tegum.tos mais outra penetrante simples, na p.e lateral esquerda, entre a quarta, e quinta costella verdadeiras com doze linhas de extenção, com penetração p.ª a p.e superior do peito, cujas lesoens mostrão terem sido feitas com instromento perfurante; e suposto seja penetrante simples, toda via de notta perigo de vida, pelos simptomas premetivos q.’ aprezenta.”

“Recolheo-se neste Hosp.l , as 10 oras da noite do dia 11 do corr.e, o Muzico do 7 Corpo de Artr.ª Mauricio do Sacramento com huma ferida longitudinal na parte lateral esquerda do coronal, com polegada emeia fé extenção, com descobrimento de osso, e fractura do m.mo ; mostra ter sido feita com instromento com tundente, de notta perigo de vida, pelo simptoma premetivo que aprezenta.”

Muito embora pertencentes a corpos militares distintos, os músicos feridos poderiam estar envolvidos em luta corporal, ou. talvez vítimas de acidente “in intinere”quando transportados em carretas militares (N. A.)

Ao novo presidente da província da Bahia, Jozé Egydio Gordilho de Barbuda, ao depois Visconde de Camamu, empossado a 11 de outubro de 1827, o inspetor do hospital ofereceu a rotineira participação da ocorrência médica, acrescentando que o corneta foi conduzido para recolher-se ao nosocômio pelo cabo do mesmo Batalhão da 6.ª Companhia Dionizio Manoel, e o músico foi acompanhado pelo soldado da Policia da 1.ª Companhia Felix Antonio Ligeiro.

 

Sábado, 13 de outubro – O cirurgião do dia, Francisco de Paula S. Rita consignou as seguintes ocorrências: “No dia 12 do Corr.e, p.r uma ora da tarde, recolherão-se a este Osp.l Militar os feridos seguintes afim de aqui serem curados:

O Sold.o de Artilharia da 2.ª Linha, e 6.ª Comp.ª Antonio Per.ª Ramos, com perda da mão, e p.te do ante-braço direito, produsida por corpo contund.e de instrum. to de Arma de fogo de Artilharia: e alem disso com orôsto todo ferido de pequenas escarificaçoens, e lezando tambem os olhos; e denota perigo de vida Segueira e deformid.e.

Thomas da Costa Ramos, Sold.º do m.mo Corpo e da 2.ª Comp.ª; com perda da mão dir.ta, e terço inferior do ante-braço do m.mo lado, mostrando ser feita por corpo Contund.e de instrum.to d’Arma de fogo, denottando perigo de vida e com diformid.e. Hosp.l M. N. I. 13 de 8br.º de 1827. (Hospital Militar Nacional Imperial – N. A.).

No mesmo dia 13, o novo presidente da província da Bahia, Jozé Egydio Gordilho de Barbuda, recebeu do inspetor do Hospital Militar a comunicação a respeito do grave acidente, sem tecer comentários.

Domingo, 28 d’Outubro – Joaquim Jozé Baptista, cirurgião-alferes, por ter concluído o curso de Anatomia teórica e prática, ensinado no Hospital Militar, graduação outorgada aos segundos-cirurgiões (cirurgiões-ajudantes) servindo em Regimento de Linha, atendeu a escrava Izabel, e registou a parte médica da seguinte maneira: “Hontem 27 do Corr.e pels oito horas da tarde, veio á este Hospital Militar apreta Izabel, escrava q.’ dizia ser d’Antonio Maxado, para cer curada d’hua ferida setuada no labio superior, junto ao angulo direito com duas polegadas de extenção, interessando toda espessura thé a fasse interna com divisão perfeita: mostrava ter sido feita p.r instromento incizivo como dentes, faca ou outro sem.e, e pelos simptomas premetivos não indicava perigo algum devida, salvo seaparecerem.”

No mesmo dia 28, o presidente da província da Bahia recebeu do sargento-mor e inspetor do Hospital Militar a comunicação rotineira do atendimento médico, acrescentando que a escrava Luzia tinha sido conduzida ao Hospital Militar pelo “Soldado da 1.ª Comp.ª da Policia João Mauricio de Paiva”, ... e “depois decurada voltou com o m.mo Soldado que aconduzia.”

Terça-feira, 30 de outubro – Ao presidente da província o inspetor oficiou a respeito de pretensão de ex-enfermeiro do Hospital Militar: “Ao Suplicante Jozé Correa da Silva, achei neste Hospital no emprego d’Enfermeiro, avezado á embriagar-ser quazi todas as noites, e p.r isso faltava ás suas obrigações; e porque em hu’a dessas faltas o fiz prender, murmurando, e resentido desse castigo, se despedio em Novembro do anno passado, a pretexto de q,’ tinha de hir aos Campos da Cachoeira receber a herança, q.’ lhe ficára por morte de hum seu parente. Logo he falsa sua allegação deq.’ se despedira por molestia. O lugar q.’ elle occupava foi immediatamente prehenchido p.r outro, e ora nenhu’a vaga tem desse, nem d’outro qual quer emprego, a que aspirar possa o Supp.e ; ainda no caso de achar-se emmendado do indicado vicio, que infelizmente o acabrunhava, desde que era Soldado d’Artilharia, onde mui bem o conheci. He q.to tenho a honra de informar a V. Ex.ª. q.’ determinará o q.’ julgar mais justo.”

Terça-feira, 30 de outubro – Concernente ao pedido de preenchimento de vaga de enfermeiro, oficiou o inspetor ao presidente da província a respeito de solicitação de emprego de um outro suplicante: “Prezentemente não há vaga d’Enfermeiro neste Hospital: e á cerca do Supplicante Joaquim Jozé Pereira, cujos costumes ignoro, sei que por se achar chagado em hu’a perna, parece estar mais nas circunstancias de ser tratado como enfermo, do que de ser Enfermeiro.”

 

FONTES PRIMÁRIAS

DOCUMENTAÇÃO MANUSCRITA – INÉDITA E ORIGINAL  

Manuscritas, originais e inéditas

Arquivo Público do Estado da Bahia
Presidência da Província
Militares
1826-1827
Seção de Arquivo Colonial e Provincial
Maço n.º 3737

 
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