HISTÓRIA DA MEDICINA artigo 60
NOTÍCIAS SINÓPTICAS – Parte II

Grandiosos momentos no Salão Nobre da Faculdade de Medicina da Bahia, no Largo do Terreiro de Jesus

As solenidades comemorativas do sesquicentenário da Faculdade de Medicina da Bahia em 06 de março de 1958

Entrega das insignias da Ordem do Mérito Militar ao Estandarte da Faculdade de Medicina da Bahia.
No magnificente Salão Nobre da Faculdade de Medicina da Bahia o encerramento das solenidades em tributo ao 150.º aniversário do vetusto estabelecimento de ensino médico.

Dr. Antonio Carlos Nogueira Britto
Presidente do Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins.
Fundado em 29 de novembro de 1946

Quinta-feira, 06 de março de 1958.  

Solenidades cívico-militares realizadas na tarde de 06 de março de 1958, no Terreiro de Jesus, constituíram agradável e emocionante demonstração de reconhecimento nacional aos serviços da provecta Faculdade de Medicina da Bahia.

Em brilhante pompa e formalidades públicas no Terreiro de Jesus, à tarde, o povo da cidade do Salvador testemunhou quando a histórica Faculdade de Medicina da Bahia e o Hospital Geral do Salvador receberam as insígnias da Ordem do Mérito Militar, outorgadas pelo presidente da República Juscelino Kubitschek, atendendo solicitação do general Teixeira Lott, ministro da Guerra, por indicação do general João de Almeida Freitas, comandante da VI Região Militar, pelos elevados feitos no serviço da Pátria.

A Faculdade de Medicina da Bahia foi a primeira instituição civil brasileira a ser distinguida com a Ordem do Mérito Militar pelo Exército Brasileiro e o Hospital Geral do Salvador foi o segundo estabelecimento militar a ser agraciado com essa manifestação honrosa.

Estiveram presentes às augustas festividades o ministro da Educação, Clovis Salgado, o governador do Estado, Antonio Balbino, sua eminência o Cardeal da Silva, arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil, general Cyro do Espírito Santo Cardoso e Achiles Galloti, respectivamente comandante do IV Exército e diretor do Serviço de Saúde do Exército, o general João de Almeida Freitas, comandante da VI Região Militar, o contra-almirante Carlos Paraguassu de Sá, comandante do 2.º Distrito Naval, o tenente-coronel Firmino Araújo, comandante interino do 2.º da Base Aérea do Salvador, o representante do prefeito da Capital, o cel. Albino Oliveira, comandante do Corpo de Bombeiros, os secretários do Estado, diversas autoridades civis e militares a toda a congregação da Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia.

As solenes cerimônias começaram com a outorga das insígnias da Ordem do Mérito Militar. Realizadas à tarde, o Dr. Rodrigo Argolo, diretor da Faculdade de Medicina da Bahia, fez a entrega da Bandeira Nacional dada por direito ao Hospital Geral do Salvador, recebendo-a o general João de Almeida Freitas, comandante da VI Região Militar.

Realizou-se, ao depois, a solene entrega, observando o cerimonial das Forças Armadas, das insígnias da Ordem do Mérito Militar, cabendo a sua eminência D. Augusto Álvaro da Silva, Cardeal Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil, paraninfar a concessão da insígnia da Ordem do Mérito Militar à Bandeira do Hospital Geral do Salvador, conduzida pelo 1.º tenente médico O. Kiappe. Por sua vez, o general Cyro Espírito Santo Cardoso paraninfou a outorga da honrada insígnia ao Estandarte da Faculdade de Medicina da Bahia, conduzida pelo erudito professor Jorge Novis, trajando solenes vestes talares dos lentes da primaz instituição de ensino da medicina nacional.

Em seguida a essas cerimônias, a tropa e todos os militares presentes prestaram continências aos recém-agraciados, aos acordes do Hino Nacional. O tenente Wilfred de Medeiros Hinda, do Estado Maior Regional, leu a Ordem do Dia, do general João de Almeida Freitas, comandante da VI Região Militar, tendo desfilado em continência aos recém-agraciados, após a leitura, a 4.ª Cia. de Guardas, representante da tropa da VI Região Militar, comandada pelo capitão Meira.

As condecoradas Bandeiras do Hospital Geral do Salvador e da Faculdade de Medicina da Bahia foram conduzidas para o interior do edifício da Faculdade de Medicina da Bahia, aos sons harmônicos de marchas executadas pela banda do Batalhão Pirajá, encerrando-se, destarte, as solenidades de entregas das insígnias.

Às 12:30 horas, no Hotel da Bahia, o Magnífico Reitor Edgard Rego Santos e os Conselhos da Universidade homenagearam com um almoço o ministro da Educação e as autoridades que compareceram a Salvador para as celebrações solenes. Cumprimentando cortesmente o ministro Clovis Salgado, proferiu discurso o professor Adalicio Nogueira, tendo o titular da pasta da Educação agradecido os protestos de veneração.

Às 17:00 horas, na Reitoria da Universidade da Bahia, o reitor e Sra. Edgard Santos, recepcionaram e homenagearam o ministro Clovis Salgado e os generais do Exército presentes às solenidades sesquicentenárias da Faculdade de Medicina da Bahia.

No azo das homenagens, foi firmado convênio entre o Ministério da Educação, a Universidade da Bahia e a mitra para a instalação do Museu de Arte da Bahia.

À noite, encerraram-se com pompa e magnificência as solenidades em honra do 150.º aniversário da Faculdade de Medicina, na sessão magna realizada no esplendoroso salão nobre daquele estabelecimento, revestida de caráter de assembléia universitária, objetivando a reabertura dos cursos.

A sessão foi superintendida pelo ministro da Educação, prof. Clovis Salgado. Compuseram a mesa o governador do estado, o diretor da Faculdade de Medicina da Bahia, generais comandantes do 4.º Exército, ex-ministros Clemente Mariani e Ernesto Souza Campos e o Reitor da Universidade da Bahia, prof. Edgard Santos.

O prof. Magalhães Netto, lente das Faculdades de Medicina e de Filosofia, pelo fato de caber naquele ano de 1958 à Faculdade de Filosofia designar o professor para a aula inaugural, recitou, em nome da Universidade da Bahia, o discurso em homenagem ao sesquicentenário do ensino médico no Brasil.

Discursou, em seguida, falando em nome da 6.ª Região Militar, com palavras de encômios dirigidas à Faculdade, o coronel médico Joel da Silva Oliveira.

Seguiram-se na tribuna, dois estudantes, representando a mocidade acadêmica da escola máter do ensino médico no País.

Ao depois, fez uso da palavra em luzentíssima fala o prof. Jorge Augusto Novis, em nome da Faculdade de Medicina da Bahia, sendo aplaudido com efusão ao concluir a sua peça oratória.

Encerrando a sessão, o ministro da Educação recitou no salão nobre o discurso, que é transcrito na íntegra, a seguir:

“Senhores,

Para o Governo da República é de grande júbilo a efeméride tão dignamente celebrada pela mais antiga escola de medicina do país. Há 150 anos iniciou-se na Bahia o ensino médico, esta data, por tantos títulos gloriosa, se tornou memorável, assim para a cultura do Brasil como para a ciência universal. Estaca zero de um roteiro pontilhado de brilhantes conquistas, o seu significado na história do pensamento americano e nacional ganha com o tempo, adquire na perspectiva desses 150 anos transcorridos uma importância incomparável. Lembra o principio dos estudos sistemáticos no maior dos países da América latina e assinala na evolução brasileira, o primeiro passo no domínio da investigação e da utilização dos nossos próprios recursos em proveito da humanidade. Daí parte o movimento que aceleradamente nos deu o ensino superior complexo e profissional, já instalado por D. João VI nos seus primeiros aspectos, pois foi ele também o fundador das escolas de marinha, engenharia, artes, química, botânica, criando em caráter primeiro os respectivos cursos. Nessa formidável construção propedêutica as da Bahia e do Rio de Janeiro ocupam a posição central. Justifica-se o encantamento que se apoderou do príncipe português ao desembarcar, em janeiro de 808, na sedutora terra bahiana. Emigrando da metrópole em conseqüência da invasão estrangeira, escolheu com sagacidade a sede do império que viera estabelecer no Novo Mundo (como declarou). Não esperava encontrar aqui uma colônia destituída das condições rudimentares de civilização. Sabia que muito crescera o Brasil depois da descoberta do ouro e dos diamantes, além da Mantiqueira e com o florescimento das zonas agrícolas servidas pelos engenhos de açúcar, da Bahia e de Pernambuco. Conhecia as estatísticas do seu comércio, que ano a ano estava a par do progresso de letras e artes, cujas mostras promissoras chegavam por vezes a Lisboa. Haviam de contar-lhe que o Brasil deixara de ser um deserto guardado na orla marítima por algumas povoações débeis, como no século das capitanias. Nem era mais susceptível de invasões e assaltos como no século das guerras holandesas. Era notória a sua prosperidade, e brasileiros letrados como José Corrêa Picanço, visconde de Goiana, serviam zelosamente a coroa portuguesa. Mas a surpresa de D. João Príncipe Regente foi enorme ao pisar o solo luso-americano. Tudo o que viu superou a sua expectativa. Começou este benévolo espanto pela benignidade do clima, de que gostou tanto, que, só por força dos acontecimentos revolucionários abandonou o Brasil, em 1821. Achou a Bahia uma cidade rica, afável e cheia de justas aspirações. Foi aqui sem duvida que reforçou a sua idéia de dar ao Brasil a qualidade de novo império, porque realmente podia ostentá-la, tal a massa de realizações que apresentava. Quem visita hoje esta deliciosa terra, ornamentada com os grandes edifícios que já aqui encontrou o rei de Portugal, dará razão à sua perspicácia. Aí estão as mais formosas igrejas do país, construídas de materiais perêneos; os imensos conventos, que abrigaram seminários fecundos em ilustrações eclesiásticas e profanas; as fortalezas que lhe emprestam a fisionomia de uma praça européia, protegida por muralhas tradicionais: a catedral e o antigo colégio dos jesuítas, onde começou o ensino elementar e clássico: a municipalidade, cujo palácio recorda a autonomia das comunas da península ibérica e desde o palácio do governo e civil e militar, próprio da capital de todo o Brasil, que a Bahia foi entre 1549 e 1763; em resumo, a vitalidade dos seus costumes, a intensidade do seu folclore, a independência do seu espírito cívico e a altura de sua reputação intelectual. Foi pelas sugestões dessa animação cultural que D. João VI se rendeu à evidência de que aportara a uma nação a vésperas de libertar-se, e não a uma mesquinha colônia de futuro incerto. Ouvindo o sábio economista José da Silva Lisboa, abriu em 28 de janeiro os portos do Brasil à navegação internacional. Com isto assegurou a soberania em potencial desse império sonhado. Ouvindo a Corrêa Picanço seu físico mor, instaurou em 18 de fevereiro o curso médico-cirúrgico. Inaugurou desta forma a cultura científica, sem a qual a independência material seria uma quiméra.

Bendizemos o ato providencial do monarca, mas sem esquecer a contribuição que lhe trouxe o passado bahiano. A prova de que não era prematura a fundação de uma Faculdade de Medicina no Brasil fé 1808, temo-la no pronto desenvolvimento, com professores adequados à missão, das cátedras que constituíram a base desse ensino. Não podemos esquecer os antecedentes coloniais, em que surgem os naturalistas, a principiar por Anchieta, Gabriel Soares, Fernão Cardim, a famosa botica dos padres, que deu à Europa várias substancias salvadoras, a cirurgia e a Higiene, atestadas por livros raros, escritos no Recife, e na Bahia, em Minas Gerais, e a fascinação exercida pelos tesouros da nossa selva em autênticos homens de ciência, que os revelaram a Portugal, nos reinados de D. João V, de D. José I, de D. Maria I. Ao chegar a corte transmigrada, havia aqui médicos de boa fama, que puderam incumbir-se – sem necessidade de importá-los do velho mundo – das cadeiras fundamentais. Com esta prata da casa se fez no mesmo ano, igualmente em comunhão com o hospital da Misericórdia, a Faculdade do Rio de Janeiro. Esses facultativos práticos e afreguezados, os melhores do lugar, tinham feito os estudos em Coimbra, “alma mater” das universidades brasileiras. Êsses estudos padeciam dos defeitos e da carência que os prejudicavam gravemente, não só em Portugal, mas nas velhas academias européias. Faltavam-lhes o anfiteatro, a objetividade, o exame e a observação fora do empirismo de uma terapêutica baseada ora na superstição, ora na experiência caseira. A despeito porém do atraso da medicina, que, repito, era menos português do que mundial; médicos inteligentes e abnegados formavam à própria custa o seu cabedal de conhecimentos e opiniões, e podiam transmiti-los com autoridade às gerações adventícias, que foram as dos mestres dos nossos mestre. Relanceando o olhar para os 150 anos honrosamente vividos pela Faculdade da Bahia, só lhe vejo culminâncias, contempladas com respeito pela medicina do país e do continente. Seria longo citá-los. Os seus retratos enchem essas galerias e de alguns há monumentos públicos comemorando a imortalidade. Evoco apenas os que deixaram mais extensa influência, através de periódicos como a Gazeta Médica, de iniciativas como as policlínicas, a tropicologia, a medicina legal, a moderna organização hospitalar, a associação da pesquisa ao ensino, as inovações da técnica, a introdução de métodos redentores, excelentes medidas de atualização científica, cujo ritmo documenta o dinamismo incessante desta grande instituição. Unem-se na glória Ferreira França, Lino Coutinho, a geração de Silva Lima, Wucherer e Patterson, os irmãos Pacifico Pereira e Manuel Vitorino, Nina Rodrigues, Alfredo Britto, J. Adeodato de Souza, Martagão Gesteira, Pirajá da Silva – para só falar dos padrões do passado, responsáveis pelo fulgor da Faculdade de ontem, célebre por sua projeção espiritual, e da Faculdadede Hoje, renovada nas suas amplas possibilidades de ação e prestígio.

É necessário não ficar no passado, embora seja indispensável fazer do passado o compromisso da continuidade e do crescimento. Na Bahia o passado é uma primorosa moldura, que não impede a vibração e o entusiasmo das forças impetuosas do progresso, integradas no quadro de suas nobres ambições. A Universidade, criada por ato previdente e retributivo do govêrno federal – pois nenhuma cidade do país tinha mais direito a ela do que a Bahia: - foi-lhe inteiramente propícia. Bastaria o Hospital das Clínicas, o segundo nosocômio universitário inaugurado na República, para patentear êsse êxito, felizmente aproveitado por um preclaro corpo docente, que queria trabalhar com condições de plena eficiência, e por uma juventude ávida de saber, que faz honra aos mesmos propósitos. Hóspede da nímia gentileza do meu ilustre amigo, o Magnífico Reitor Edgard Santos, agradeço-lhe a bondade de me haver conduzido às novas e belas instalações desta florente Universidade, apresentando-me no seu conjunto o panorama do ensino superior da Bahia atual. Quero testemunhar à douta congregação da Faculdade de Medicina, na qual diviso tantos colegas eminentes, identificados, como eu, como o ideal da nossa profissão e as esperanças de seu melhor ensino, todo o meu reconhecimento pela cortesia de sua acolhida.

Em nome de S. Excia. o Sr. Presidente da República, declaro o reconhecimento público pelo muito que tem merecido da Nação esta grande casa do ensino brasileiro.

Deposito a homenagem do mais fervoroso culto no escrínio de lembranças patrióticas, que é a sua tradição sesquicentenária.

E faço votos de coração, para que pelo tempo ilimitado, com a graça divina, a Faculdade de Medicina da Bahia continue a dignificar o nome do Brasil.”

 
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FONTES IMPRESSAS

JORNAL “A TARDE” – 07.03.1958 (Do acervo do arquivo particular do Autor)

 
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