HISTÓRIA DA MEDICINA artigo 63
O cerco e invasão da Faculdade de Medicina da Bahia em 22 de agosto de 1932 pelas tropas do interventor Federal Juracy Montenegro Magalhães
Dr. Antonio Carlos Nogueira Britto
Presidente do Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins.
Fundado em 29 de novembro de 1946
Parte VII

FALA A "NAÇÃO" O DR. ALOYSIO FILHO

Com a chegada ao Rio, do Capitão Juracy Magalhães, toma fóros de sensacional a entrevista que nos concedeu o Dr. Aloysio de Carvalho.

Ao Constituinte bahiano, que na assembléa se tem imposto pela luzentíssima inteligência e acendrada cultura, foi perguntado o que havia de veracidade sobre as ocorrências trágicas do dia 22 da agosto, no capítulo do livro do interventor, intitulado "A Verdade sobre o 22 de Agosto".

" - " o livro de sr. Interventor promette, nesse capítulo, a verdade dos acontecimentos, mas tudo é de uma pobreza de argumentação e de razões, simolesmente deplorável. Não haveria espaço, no seu jornal, para a demonstração disso. Vejamos, por alto.

Depois de historiar o caso da Faculdade de Medicina, passa ao relato das consequencias, como das medidas postas em pratica pela interventoria.

Por intermedio de uma commissão de professores, mandara o Governo aos Estudantes , sitiados na gloriosa escola , para que escolhessem uma das formulas seguintes: apresentação pela morte do popular (neste caso todos os outros estariam livres), ou a prisão de todos os rebellados , até a apuração das responsabilidades.

Pediu um praso a referida commissão, para se entender com os sitiados.

Algum tempo depois, regressou, dizendo que todos se confessavam responsaveis, preferindo ser presos a deixarem que alguns companheiros apenas fossem responsabilisados."

Não contava o governo, isto sim, com a hombridade desta resposta. Os moços bahianos, desde a tarde, entricheirados na Faculdade, cercada pelas tropas, não distinguiram entre elles, quaes as cabeças.

- Todos se declaravam responsaveis. Então, indaga, ingenuamente, o sr. Interventor: "Onde prender cerca de 500 pessôas, com a necessaria segurança? Apenas a Penitenciaria satisfazia a esta necessidade (pg. 53).

- "Mas, continua o sr. Juracy: "não houve, digo-o com a maior sinceridade, o mais leve proposito de humilhar os vencidos."

Não houve proposito de humilhar os vencidos, mas os vencidos, logo chegados á Penitenciaria, foram enfileirados, contados, revistados e, depois,

empilhados , aos magotes de dez e doze em cubiculos de ha muito interdictados pela Saude Publica, por infectos e inhabitaveis.

- Talvez por offerecerem maior segurança, apesar de infectos.

- Sobre esse ponto, o livro silencia. Entanto, não houve o proposito de humilhar. Insiste o escriptor, que o governo attendeu ao appelo da commissão, para só prender os professores mais implicados, depois que chegassem esses ás suas residencias. Mas foi peor. Não relata o livro as circunstancias verdadeiramente humilhantes em que esses professores, dos mais illustres da Bahia, foram presos, arrancados de suas residencias, pela madrugada afora, e depois de a ellas recolhidos, com surpresa e sobresaltos de suas fammilias... Delles, - affirma o livro - "apenas dois foram para a Penitenciaria, na confusão do momento". Apega-se, assim, o governo, á confusão do momento, para justificar a prisão de dois professores de medicina, accusados de crime politico, na Penitenciaria. Ali, necessidade de segurança. Aqui, culpa da confusão. Tudo, como se vê, pueril. Porque o sr. Juracy Magalhães esquece de dizer que um desses dois professores, - o Dr. Mario Leal, por signal membro do Conselho Penitenciario, foi preso na tarde do dia seguinte ao desta noite, quando já estava o governo, senhor, naturalmente, da situação, para não mais se desculpar das suas violencias, com a confusão.

"Dois dias depois eram todos postos em liberdade, ficando impune o crime", - continua o livro.

Parece, assim, que houve generosidade do vencedor, em não punir os vencidos. Mas o historiador do Defendendo o meu governo esqueceu, ainda aqui, de contar que nomeou o então promotor da Justiça Militar na Bahia, Dr. Roberto Hescet, para presidir o inquerito que apurava as responsabilidades. E que este inquerito começou no dia seguinte, na Penitenciaria, somente não continuando porque os estudantes que a elle respondiam, souberam, com a força do seu idealismo e da sua intelligencia, envolvel-o em tal ridiculo, que o governo, já então refeito da confusão, achou melhor não prosseguir ...

Está é que é a verdade. Vê-se assim que a interventoria bahiana confirma as violencias do 22 de Agosto, motivando-as ao seu modo, e procurando justifical-as com a fantasia de um movimento concertado entre outras pessoas, e de cuja explosão os estudantes seriam os provocadores por meios de arruaças".

DEPOIMENTO DA PROF.ª DR.ª MARIA JULIETA DINIZ GONÇALVES COSTA, DILETA FILHA DO INSIGNE PROFESSOR DOUTOR ADOLPHO DINIZ GONÇALVES

Diplomou-se em Farmacia, no ano de 1915, aos dezenove anos de idade, pela Faculdade de Medicina da Bahia, no Terreiro de Jesus; graduou-se em Medicina pela mesma Faculdade, em 1923, sustentando a tese inaugural "Reações gerais das proteinas", tendo como examinadores os lentes Amaral Muniz, Bezerra Lopes e Josino Cotias; em 1926, é aprovado em concurso para a cadeira de Química Analítica, defendendo tese versando sobre "Teoria da Dissociação Eletrolítica", e ao depois, foi diretor da Faculdade de Farmácia da Universidade da Bahia.

Inaugurou, em 1919, o primeiro laboratório particular, o "Curso do Dr Diniz", onde estudaram várias gerações de moços para o vestibular à Faculdade de Medicina da Bahia, o qual funcionou na Rua do Gravatá, n.º 7; Rua Alfredo Barros , n.º 1 e Rua Gabriel Soares, n.º 2.

" A Interventoria dominava o país, o que nunca foi aceito pelo Dr. Adolpho Diniz, Democrata a toda prova, torna-se um "leader" a favor da Campanha Constitucionalista de São Paulo. Passados dois anos, em 1932, ainda não tinha sido convocada a Assembléia Constituinte. Em sua agenda de desse mesmo ano pode-se ler : 9/6/1932 - "rebenta em São Paulo um movimento armado em prol da Constituinte".

A Bahia manifesta-se a favor de São Paulo num movimento idealista de democracia e liberdade. Nesta mesma agenda meu pai anota, com data de 22/8/ 1932 -

"os estudantes na Faculdade de Medicina da Bahia em um gesto digno, levantam-se com armas na mão contra a ditadura nefasta, em prol da Constituinte".

Ainda continuando ele escreve. "à noite, ante a ameaça do Interventor que iria ocupar militarmente a Faculdade por não terem chegado adesões, tanto professores como alunos rendem-se considerando-se presos; às 11:00 h da noite os alunos são transferidos em "marinetes" para a Penitenciária do Estado e os professores com a liberdade de irem para casa e daí alguns serem presos".

Ainda na mesma agenda: 23/8/1932 - "às 11 1/2 da manhã chegam a minha residencia à rua do Gabriel 2, dois agentes de polícia que me convidam para ir à presença do capitão chefe de policia: de automóvel segui em companhia dos dois agentes para a Penitenciária do Estado, onde fiquei detido".

Data de 24/8/ 1932 - " às 11 1/2 da noite, o capitão chefe de polícia manda-me para casa. Acompanharam-me até a minha residência os Drs. Aristides Novis, Diretor da Faculdade de Medicina e Albino Leitão".

25/81932 - "verdadeira romaria tem-se feito `minha casa: alunos, professores, amigos, curiosos etc, a fim de trazerem sua solidariedade.

Assim é o que está escrito em suas agendasmas, o que eu gostava mesmo era de ouvi-lo, viva voz, com dignidade, coerência, intransigencia, para no final dizer com aquele seu orgulho tão natural: "foi tudo muito solene, minha filha".

"... Vários membros da nossa família foram detidos. O primo Emílio Diniz foi deportado para o Pará numa 3.ª classe e Renato, o primo irmão, ginasiano nesta época, passou uma noite na Penitenciária, juntamente com outros colegas do Ginásio da Bahia, dos irmãos e primos. Foram detidos numa cela, um cubículo que já havia sido interditado pela saúde pública. Relativo a esse fato, meu pai contava que ao entrar na penitenciária, o Renato ia saindo, ouvindo dele o recado para mamãe: "meu filho, diga a sua tia onde estou". Ele contava este episódio com lágrimas nos olhos, emocionado me dizia: "o Renato estava pálido e isto me doeu muito, tinha fome pois havia passado a noite com os companheiros a bolachão e água".

" ... Ainda se comentava que talvez o motivo da detenção do meu pai tenha sido porque numa sessão na Faculdade de Medicina, sendo ele o Presidente e também orador, assim como vários estudantes que se pronunciaram : Emilio Diniz, pela Faculdade de Medicina e mais os Acadêmicos: Aloysio Netto, de Direito; Hermes Tavares, Pedro Bomfim e Syndoro Souza , de Engenharia. Finalizando a Assembléia, meu pai pede aos presentes, com entusiasmo, que façam uma visita ao Senhor do Bomfim, que estava na Catedral Basílica, pela vitória de São Paulo, culminando com a vitória das forças federais.

A parte absurda e cômica é que diziam que papai como químico, tinha preparado um líquido que bastava uma gota para liquidar um batalhão.

Precursor da bomba atômica meu velho, não temos dúvida.

Meu pai continuava a combater a ditadura. Lembro que todo o dia 22 de agosto ele suspendia a aula, fazendo uma pequena preleção cívica em defesa da Faculda\de de Medicina. A propósito, li na sua agenda datada de 22 de agosto de 1950: "lembro aos meus estudantes na Faculdade, o 22 de agosto".

INTERVENTOR JURACY MAGALHÃES - 19-9- 1931 a 10-1-1935

Juracy Montenegro Magalhães, cearense, nascido em Fortaleza, a 4 de agosto de 1905. 20.º Governador da Bahia, Tenente de Exército, era um dos chefes do Movimento Revolucionário de 1930, ao lado de Juare4z Távora, Agildo Barata, Tenente Jurandir Mamede e outros mais.

Foi indicado para o posto de Interventor na Bahia, empossando-se em 19 de setembro de 1931, cargo que exerceu até 25 de abril de 1935, quando foi eleito governador pela assembléia Constituinte.

SECRETARIADO:

INTERIOR, JUSTIÇA, INSTRUÇÃO, SAÚDE E ASSISTÊNCIA PÚBLICA - Aluizio Henrique de Barros Pôrto , depois Arthur Berenguer; AGRICULTURA, INDÚSTRIA, COMÉRCIO, VIAÇÃO E OBRAS PÚBLICAS - Álvaro Navarro Ramos; SEGURANÇA PÚBLICA - João Facó; FAZENDA E TESOURO DO ESTADO - Manoel Matos Corrêa de Menezes; depois Gileno Amado; DIRETOR DE INSTRUÇÃO - Isaias Alves de Almeida; DIRETOR DE SAÚDE PÚBLICA -`Progessor Agrippino Barbosa; SECRETÁRIO DA IUNTERVENTORIA - Tenente Joaquim Ribeiro Monteiro; ASSISTENTE MILITAR - Tenente Hannequim Dantas; OFICIAIS DE GABINETE - Eduardo Bizarria Mamede e Manoel Novaes; PREFEITO DA CAPITAL - Arnaldo Pimenta da Cunha, ao depois substituído pelo Engenheiro José Americano da Costa.

FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA - 1931-1932

Director - Prof. Dr. Aristides Novis

Vice-Dierctor - Prof. Dr. José Olympio a Silva

Secretário - Dr. José Pinto Soares Filho

PROFESSORES CATHEDRATICOS

DOUTORES
MATERIAS QUE LECIONAM

Alvaro Campos de Carvalho

Physica

Antonio do Amaral Ferrão Muniz

Chimica Geral e Mineral

Euvaldo Diniz Gonsalves

Chmica Organica e Biológica

Masnoel Augusto Pirajá da Silva

Biologia Geral e Parasitologia

Eduardo Diniz Gonsalves

Anatomia Humana (1.ª cadeira)

Raphael de Menezes Silva

Anatomia Humana (2.ª cadeira)

Mario Andréa dos Santos

Histologia

Aristides Novis

Physiologia (1.ª cadeira)

Sabino Silva

Physiologia (2.ª cadeira)

Augusto Cesar Vianna

Microbiologia

Antonio Bezerra Rodrigues Lopes

Pharmacologia

Octavio Torres

Pathologia Geral

Leoncio Pinto Anathomia

Pathologica

Edgard Rêgo dos Santos

Pathologia Cirurgica

Fernando José de São Paulo

Therapeutica

Antonio do Prado Valladares

Clinica Medica e Proprdeutica

Antonio Ignacio de Menezes

Medicina Operatoria

Agrippino Barbosa

Pathologia Medica

Fernando Luz

Clinica Cirurgica (1.ª cadeira)

Caio Octavio Ferreira de Moura

Clinica Cirurgica (2.ª cadeira)

Antonio Bastos de Freitas Borja

Clinica Cirurgica (3.ª cadeira)

José Aguiar Costa Pinto

Hygiene

Estacio Valente de Lima

Medicina Legal

José Olympio da Silva

Clinica Medica (1.ª cadeira)

Armando Sampaio Tavares

Clinica Medica (2.ª cadeira)

Almir Sá Cardoso de Oliveira

Clinica Obstetrica

Aristides Pereira Maltez

Clinica Gynecologica

Alfredo Couto Britto

Clinica Neuriatrica

Joaquim Martagão Gesteira

Clinica Pediatrica

Mario Carvalho da Silva Leal

Clinica Psychiatrica

Durval Tavares da Gama

Clinica Cirirgica Infantil e Orthopedica

Albino Arthur da Silva Leitão

Clinica Dermatologica e Syphiligraphica

Eduardo Rofrigues de Moraes

Clinica Oto-rhino- laryngologica

João Cezario de Andrade

Clinica ophtalmologica

João Americo Garcez Fróes

Medicina Tropical

PROFESSORES EM DISPONIBILIDADE

Dr. Sebastião Cardoso

Dr. José Rodrigues da Costa Doria

Dr. João Evangelista de Castro Cerqueira

Dr. Aurelio Rodrigues Vianna

Dr. Alfredo Ferreira de Magalhães

Dr. Gonçalo Moniz Sodré de Aragão

Dr. Luiz Pinto de Carvalho

Dr. Adriano dos Reis Gordilho

Dr. Menandro dos Reis Meireles Filho

Dr. José Eduardo Freire de Carvalho Filho

 

PROFESSORES SUBSTITUTOS

Dr.Augusto de Couto Maia

Microbiologia

Dr. Flaviano Innocencio da Silva

Clinica Dermatologica e syphiligraphica

PROFESSORES HONORARIOS

Dr. Juliano Moreira

Dr. Thiago de Almeida

Dr. Carlos Chagas  

FONTES BIBLIOGRÁFICAS

1 - BIBLIOTECA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA - SEÇÃO DE PERIÓDICOS

- DIARIO DA BAHIA - TERÇA-FEIRA, 26 DE JANEIRO DE 1932

- DIARIO DA BAHIA - TERÇA-FEIRA, 19 DE JULHO DE 1932

- DIARIO DA BAHIA - QUARTA-FEIRA, 27 DE JULHO DE 1932

- DIARIO DA BAHIA - SABBADO, 30 DE JULHO DE 1932

- DIARIO DE NOTICIAS, QUARTA-FEIRA, 17 DE AGOSTO

- DIARIO DE NOTICIAS - SEXTA-FEIRA, 19 DE AGOSTO DE 1932

- O IMPARCIAL - DOMINGO, 14 DE AGOSTO DE 1932

- DIARIO DE NOTICIAS - SEGUNDA-FEIRA, 15 DE AGOSTO DE 1932

- DIARIO DE NOTICIAS -TERÇA-FEIRA, 16 DE AGOSTO DE 1932

- A TARDE - QUARTA-FEIRA, 17 DE AGOSTO DE 1932

- DIARIO DE NOTÍCIAS - QUARTA-FEIRA, 17 DE AGOSTO DE 1932

- DIARIO DE NOTICIAS - SEXTA-FEIRA, 19 DE AGOSTO DE 1932

- O IMPARCIAL - SEXTA-FEIRA, 19 DE AGOSTO DE 1932

- DIARIO - DOMINGO, 21 DE AGOSTO DE 1932

- DIARIO DE NOTICIAS - TERÇA-FEIRA, 23 DE AGOSTO DE 1932

- O IMPARCIAL - QUINTA-FEIRA - 25 DE AGOSTO DE 1932

- DIARIO DE NOTICIAS - SABBADO, 27 DE AGOSTO DE 1932

- DIARIO NDE NOTICIAS - SABBADO, 27 DE AGOSTO DE 1932

2. ARQUIVO DA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA /UFBA - MEMORIAL DA MEDICINA BRASILEIRA, NO TERREIRO DE JESUS

- "LIVRO DE ACTAS DAS SESSÕES DE CONGREGAÇÃO FA FACULDA\DE DE MEDICINA DA BAHIA" - "SESSÃO REALISADA EM 22 DE AGOSTO DE 1932" - "DACTILOGRAFADAS" - (PERÍODO DE 1931-1932) FOLHAS NÃO NUMERADAS. - SEM DOCUMENTOS, MOÇÕES, PROPOSTAS, ETC ANEXADAS.

A) ANO DE 1932 - 22 DE AGOSTO - 9 FLS..

B) ANO DE 1932 - 9 DE DEZEMBRO - 25 FLS, COM ANEXOS.

3. LIVROS

- SEABRA JJ. IN: ESFOLA DE UM MENTIROSO, RIO DE JANEIRO, P. 13;15-16;297-299;321-323;325-331;335-337, 1936.

- COSTA, JDGM. IN: BIOGRAFIA / MEU PAI / CENTENÁRIO DE NASCIMENTO / 1896-1996. 1.ª EDIÇÃO, PRESS COLOR GRÁFICOS ESPECIALIZADOS LTDA: SALVADOR, P. 55-58, 1996.

 

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