Augusto Emanoel* e Jan Menezes Lopes* IDENTIFICAÇÃO:
D.J., sexo masculino, 54 anos, pardo, natural de Catu/ Ba e procedente
de Salvador (Calabar), católico, casado, mestre de obras, com 2º
grau completo.
Q.P: Febre há aproximadamente vinte dias da admissão (09/06/2004).
H.M.A: Paciente vinha assintomático quando há 20 dias passou
a apresentar quadro febril, não associada à calafrios, porém
associado à mialgia na região da panturrilha e astenia.
Dois dias após o início do quadro passou a cursar com tosse
seca e dispnéia aos esforços habituais e extra-habituais.
Durante esse período também referiu urina bastante amarelada,
porém não associada a disúria, hematúria,
estrangúria, polaciúra e oligúria. Houve melhora
progressiva da dispnéia sem melhora do quadro febril, sendo então
encaminhado ao HUPES e solicitado em nível ambulatorial radiografia
de tórax, exames laboratoriais e internamento.
INTERROGATÓRIO SISTEMÁTICO:
Cabeça e pescoço: ndn
ACV: vide HMA
AR: vide HMA
AD: ndn
AGU: vide HMA
Extremidades: ndn
ANT. MÉDICOS: Leptospirose há seis anos, lesão bicipital
traumática, nega alergias, hemotransfusões, DST,hepatite
e tuberculose.
ANT. FAMILIARES: Mãe hipertensa (falecida por causa indeterminada),
nega neoplasias, tuberculose e outras doenças infecto-contagiosas
na família.
HÁBITOS DE VIDA: Tabagista há 36 anos 1 maço/ dia,
abstêmio há 8 meses. Etilismo no passado.
HISTÓRIA PSICOSSOCIAL: H.P.S.: Mora com 4 pessoas, tendo renda
familiar de R$800,00 por mês.
EXAME FÍSICO
Impressão Geral: Paciente lúcido e orientado no tempo
e espaço, em bom estado geral e nutricional, corado, anictérico
e acianótico.
Sinais Vitais: Pulso Radial: 97 bpm; Freqüência Respiratória:
21 ipm; Tensão Arterial: 140 x 90 mmHg; Temperatura: 38 ºC.
Linfonodos: Submandibular à direita palpável sem características
patológicas. Inguinais palpáveis bilateralmente sem aspectos
patológicos.
Aparelho Respiratório: Murmúrio vesicular diminuído
nas bases bilateralmente. Ausência de ruídos adventícios.
Aparelho Cardiovascular: Bulhas rítmicas normofonéticas
em dois tempos. Desdobramento da segunda bulha. Ausência de sopros
audíveis. Ausência de estase jugular à 45º.
Abdome: Ruídos hidroaéreos presentes sem dor à
palpação e sem viscero- megalias.
Extremidades: Acianóticas, perfundidas e sem edemas.
EXAMES COMPLEMENTARES
Sumário de Urina: Função renal e eletrólitos
normais.
Radiografia de tórax: Evidenciou cardiomegalia e derrame pleural
bilateral, maior à esquerda.
USG de vias urinárias (31/05/2004): Evidenciou discreta hidronefrose
à esquerda e ascite.
Ecocardiograma:
11/06/2004: Calcificação na válvula
aórtica.
Derrame pericárdico com repercussão hemodinâmica
grave.
05/07/2004: Derrame pericárdico com repercussão
hemodinâmica leve.
Obs: Presença de espessamento e discreto derrame pericárdico.
Septo interatrial com movimento assincrônico (região
da fossa oval).
Discreta limitação diastólica da parede lateral
do átrio direito e variação anormal da amplitude
do fluxo em valva tricúspide (sinais sugestivos de repercussão
em câmaras direitas.
Derrame pleural importante.
Ultrassonografia::
31/05/2004 (vias urinárias) :
Bexiga: Em repleção, paredes finas e regulares, conteúdo
livre de ecos.
Obs: Ao examinar a bexiga nota-se presença de liquido livre
em cavidade periportal (ascite).
Rim esquerdo: Com topografia e dimensões normais, apresentando
discreta dilatação do seu Sistema Pielo Calicial (Discreta
hidronefrose).
Rim direito: Com topografia e dimensões normais, contornos
regulares e ecogenicidade cortical e medular preservadas. Os seios
renais não apresentam alterações ecográficas.
14/06/04 (abdome total):
Fígado e Vesícula Biliar: Sem alterações
aparentes.
Pâncreas: Sem alterações aparentes.
Baço: Com tamanho normal, contornos regulares e textura sônica
heterogênea na dependência de imagens puntiformes hiperecogênicas
dispersas no órgão, sugerindo granulomas.
Rins: Tópicos, com dimensões e contornos regulares.
Observa-se discreto aumento da ecogenicidade do parênquima,
bilateralmente. Observa-se imagem arredondada de contornos lisos e
conteúdo anecóico no terço médio do rim
esquerdo, medindo 1,3 x 0,9cm nos seus maiores eixos. Não existem
evidências de cálculos ou dilatação dos
sistemas coletores.
Veia Cava Inferior e Aorta: Com calibres habituais.
Observa-se líquido anecóico em ambos os hemitoráxes
e em saco pericárdico.
Impressões Diagnósticas (segundo exames
acima):
Granulomas esplênicos.
Leve aumento da ecogenicidade do parênquima renal, bilateralmente.
Cisto renal simples à esquerda.
Derrame pleural bilateral.
Derrame pericárdico.
SUSPEITAS DIAGNÓSTICAS:
P1- Febre + Cardiomegalia + Derrame Pleural + Dispnéia
aos Esforços +
Tosse Seca, secundária a:
Serosite (pleurite/pericardite)?
P2- Dor em Flancos + Relato Giordano (+), secundário a:
Pielonefrite?
P3- Hipertensão Arterial Sistêmica?
P4- Passado de Leptospirose
P5- Hidronefrose à esquerda + Ascite
EVOLUÇÃO: O paciente evoluia sem intercorrências,
afebril e hemodinamicamente estável, quando foi sugerida, através
de uma interconsulta com o serviço de pneumologia, abordagem do
pericárdio (pericardiocentese + biópsia) com realização
de análise laboratorial, e colocação direta do fragmento
da biópsia em cultivo para BK, para definir melhor conduta. Porém,
no 26º dia de internação hospitalar o paciente passou
a apresentar febre, taquicardia, estase de jugular à 45°e diminuição
do MV em HTE. Tendo, no 34º DIH, voltado a apresentar-se afebril,
porém ainda com taquicardia e diminuição do MV em
2/3 inferiores de HTE somados a taquipnéia.
BIÓPSIA:
Figura 1: Pequeno aumento. |
Figura 2: |
Figura 3: |
Figura 4: |
Figura 5: |
RESUMO E COMENTÁRIOS: Trata-se de um paciente do sexo masculino,
54 anos, que há aproximadamente 20 dias da admissão, vinha
cursando com febre alta, não associada a calafrios, porém
acompanhada de mialgia e astenia. Referia também urina bastante
amarelada, porém não associada a outros sintomas de comprometimento
renal. Evoluiu com quadro de tosse seca e dispnéia aos esforços
habituais.
À admissão foi solicitada radiografia de tórax
que evidenciou cardiomegalia e derrame pleural bilateral; sumário
de urina que demonstrou função renal e eletrólitos
normais e Ultra-sonografia de vias urinárias que identificou discreta
hidronefrose à esquerda e ascite.
Durante o internamento, evoluiu com quadro hemodinamicamente estável
e afebril, sendo indicado pericardiocentense diagnóstica e biópsia
de pericárdio realizadas no 21° dia de internamento. Ao 26°
dia apresentou febre (37,8°C), taquicardia (108 bpm), estase jugular
à 45° e MV diminuído em HTE. Ao 34° dia apresentou-se
afebril, taquipinéico (24 ipm), taquicárdico (102 bpm) e
MV diminuído nos 2/3 inferiores do HTE.
Quadro Clínico
A pericardite tuberculosa pode se apresentar como uma pericardite aguda
(5), um derrame crônico assintomático, como pericardite subaguda
com derrame-constritivo, ou como franca pericardite constritiva crônica
(1).
Manifesta-se através de dor torácica, atrito pericárdico,
alterações no eco e eletrocardiograma. Às vezes são
observadas perda de peso, febre, mialgia,astenia, inapetência e
fatigabilidade (1)(9). Produção acentuada de escarro, tosse
e hemoptise,marcadores clínicos da presença de tuberculose
pulmonar cavitária , geralmente estão ausentes (6).
No estágio tardio da pericardite constritiva tuberculosa crônica,
predominam a congestão venosa sistêmica e o baixo débito,
e amiúde observam-se grandes derrames pleurais (6).
A presença de manifestações extracardíacas
de tuberculose na forma mediastinal ou retroperitonial, linfadenopatia
com necrose central, envolvimento intestinal ou estreitamento mesentérico,
formam as lesões do diagnóstico (4).
Diagnóstico
Apesar do quadro clinico e, atualmente, dos exames não invasivos
permitirem diagnóstico acurado de derrames e constrições
pericárdicas, não temos a mesma facilidade, em se tratando
do diagnóstico etiológico (2). Derrames serossanguinolentos
são típicos de tuberculose e neoplasia, mas também
podem ser vistos na uremia e doença viral/idiopática ou
em resposta a irradiação do mediastino (7).
O diagnóstico pode ser ajudado por um teste tuberculínico
positivo e evidência de tuberculose pulmonar ou mediastinal. Raramente
bacilos da Tuberculose do espaço pericárdico podem ser cultivados,
e uma biópsia do pericárdio com bacteriologia e exame histológico
pode ser requerida (1).
Entretanto, é importante enfatizar que os resultados “negativos
” de uma pequena amostra de biopsia pericárdica não
descartam a possibilidade de pericardite tuberculosa (6).
Além disso, o achado de granulomas isolados ou de material caseoso
sem bacilos também não é absolutamente diagnóstico,
pois esses achados podem ser observados em outras doenças pericárdicas
crônicas, como sarcoidose (6).
Epidemiologia
A tuberculose é responsável por aproximadamente 4% dos
casos de pericardite aguda, e 6% dos casos de pericardite constritiva.
Em nações em desenvolvimento, entretanto, a tuberculose
é a causa mais comum de pericardite constritiva. Aproximadamente
50% dos pacientes com pericardite tuberculosa desenvolvem constrição,
a despeito do tratamento específico (4).
Antes do surgimento da AIDS, derrame pericárdico era principalmente
causado pela uremia, pericardite viral ou maligna. Nos paises africanos,
tuberculose é responsável por 100% dos casos de pericardite
em indivíduos com essa síndrome (3).
Tratamento (5)
O tratamento de escolha para todos os adultos com pericardite tuberculosa
(e outras formas de tuberculose extra pulmonar) é o uso inicial
de 4 drogas:
- Isoniazid
- Rifampin
- Pyrazinamide
- Either ethambutol or streptomycin
A pericardiectomia é geralmente reservada para os pacientes com
derrames recorrentes ou para os que tem continua elevação
da pressão venosa central após 4 a 6 semanas de terapia
antituberculínica e com administração de corticosteróide.
Sarcoidose (8)
A sarcoidose cardíaca pode ser benigna, descoberta casualmente
ou uma desordem que cause risco de morte. A evidência clínica
de envolvimento miocárdico está presente em aproximadamente
5% dos pacientes com sarcoidose, embora estudos de autópsia indiquem
que o envolvimento cardíaco subclínico seja o mais comum.
O diagnóstico depende do reconhecimento do componente multissistêmico
da sarcoidose e da verificação de evidências de granuloma
não caseoso no miocárdio ou em outros tecidos afetados.
Os achados clínicos da sarcoidose cardíaca são
muito inespecíficos. Como resultado, os testes diagnósticos
podem ser requeridos, mais freqüentemente radiografia de tórax
e ecocardiograma (particularmente em pacientes sem outras manifestações
de sarcoidose). O prognóstico da sarcoidose cardíaca sintomática
não está bem definido.
O tratamento da sarcoidose cardíaca almeja o controle da inflamação
e da fibrose que caracterizam a doença e a prevenção
do comprometimento da função e da estrutura cardíaca.
Utilizando-se: Corticosteróides, marcapaço permanente (indicado
quando há evidência de completa dissociação
AV), desfibrilador cardioversor implantável automático (recomendado
nos sobreviventes da morte súbita ou em pacientes com taquiarritmias
ventriculares que tenham risco de morte súbita), cirurgia e transplante
cardíaco.
BIBLIOGRAFIA:
- BRAUNWALD, E. Pericardial Disease. In. : Harrison –
Principles of Internal Medicine: The McGraw-Hill Companies
(E-Book), 15ª ed., 2001, p. 243.
- FERNANDES, F., IANNI, B. M., ARTEAGA, E., BENVENUTTI, L., MADY, C.
Valor da biópsia de pericárdio no diagnóstico etiológico
das pericardiopatias. Arquivos Brasileiros de Cardiologia
1998; 70 (6): 393-395
- GUIIDUGLI, R. B., HAMRICK, P. A., DE REZENDE, N. F. Tuberculous pericarditis
in acquired immune deficiency syndrome patients. Journal of
Pneumology 2003; 29 (2): 98-100
- GULATI, G. S., SHARMA, S. Pericardial abscess occurring after tuberculous
pericarditis: image morphology on computed tomography and magnetic resonance
imaging. Clinical Radiology 2004; 59 (6): 514-519
- LI, J. S., COREY, G. R., SEXTON, D. J. Tuberculous pericarditis.
In: UpToDate, Rose, BD (Ed), UpToDate, Wellesley,
MA, 2003.
- LORELL, B. H. Reconhecimento e Tratamento dos Pacientes com Doença
Pericárdica. In: Goldman e Braunwald – Cardiologia
na Clínica Geral: Guanabara Koogan, 1ª ed., 2000,
p. 407
- MANNING, W. J. Doença Pericárdica. In: Cecil
– Tratado de Medicina Interna: Guanabara Koogan, 21ª
ed., 2001, p.384.
- SHARMA, O. P. Cardiaca Sarcoidosis. In: UpToDate,
Rose, BD (Ed), UpToDate, Wellesley, MA, 2003.
- ZANETTINI, M. T., ZANETTINI, J. O., ZANETTINI J. P. Pericardite –
Série de 84 casos consecutivos. Arquivos Brasileiros
de Cardiologia 2004; 82 (4): 360-364.
* Monitor(a) e aluno do curso médico da Faculdade de Medicina
da Bahia, Universidade Federal da Bahia, cursando o 5º semestre. |