O ADOLESCENTE   E  A  VIOLÊNCIA

 

Déa Mascarenhas Cardozo
Pr
ofa. do Departamento de Pediatria da FAMED-UFBA
Membro do Departamento de Adolescência da SBP

Isabel Carmen Fonseca Freitas
Profa. do Departamento de Pediatra da FAMED-UFBA
Presidente do Departamento de Adolescência da SOBAPE.

 

Define-se como Violência  toda ação danosa a vida do indivíduo, caracterizada por mau trato, imposição de força ou cerceamento de liberdade . Vários trabalhos vêm demonstrando que a violência contra o adolescente é frequente, sobretudo na faixa etária de 10 a 14 anos, quando são significativamente susceptíveis aos maus tratos.

 A violência ocorre nas instituições públicas e privadas,  nas ruas, nos locais de trabalho, nas escolas,  mas ocorre sobretudo no lar, dentro da própria família.  Inúmeros fatores desencadeiam e perpetuam os maus tratos contra os adolescentes e existe um aspecto comum a todos: as situações em que há o abuso do poder do mais forte. Também é importante a perpetuação de um ciclo vicioso: Violência gera violência.( Maldonado,1998; Wolfe et. al. 1994; Olcese et. al. 1997)

A violência tem sido responsável por um aumento crescente de situações de atendimento nos serviços de saúde. Adolescentes são vítimas de diferentes tipos de violência:

No caso dos maus tratos familiares, há danos imediatos e ou a longo prazo. Deparando-se com estas situações, os profissionais de saúde vivenciam vários sentimentos: raiva, revolta, angústia e também uma dúvida: o que fazer? Muitas vezes diagnóstico da violência não é evidente, ou as verdadeiras causas do agravo não são investigadas, contribuindo para a repetição. Outras vezes o diagnóstico de maus tratos é diluído na “procura de doenças”. Porém o maior entrave para a identificação dos maus tratos nos serviços de saúde se refere a uma dimensão ética: medo ou recusa de se envolver com o problema alheio ou de família, embora o Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente (ECA) defina legalmente as normas de conduta dos profissionais de saúde tornando obrigatória a notificação de maus tratos ( art.13 e 245). ( Guerra et. al. 1992; Acta 1994; Assis,1997; CLAVES, 1997).


TIPOS DE ABUSOS OU MAUS TRATOS:

Físico ; Psicológico; Negligência /Abandono.

Alguns indicadores que podem ajudar a identificar adolescentes que sofrem de algum tipo de violência:

Físicos : Queimaduras, fraturas, envenenamentos , traumatismos .

Psicológicos: Obesidade, comportamento infantil, enurese, agressividade ou timidez, baixo rendimento escolar, baixa auto estima, apatia.

Negligência: Crescimento deficiente, vestimentas inadequadas, hiper ou hipoatividade, , absentismo escolar ou as consultas médicas.

 

Alguns indicadores que podem ajudar a identificar características da família que maltratam os adolescentes:

Físicos: Atitude de ocultar lesões antigas e não explicadas.

Psicológicos: demonstração de expectativas irreais quanto ao adolescente; aterrorizando-o, ignorando-o, exigindo em demasia, descrevendo o jovem como mau e diferente dos outros.

Negligência: Ausência parcial ou completa do responsável pelo menor, expondo-o a situações de risco .É importante saber diferenciar d as privações de ordem sócio-econômicas. ( Intebi,1997; Ulcese et. al.1997; Assis, 1997; Claves, 1997).

 

ABUSO SEXUAL

É o envolvimento do adolescente em atividades sexuais impróprias à sua idade cronológica, ao seu estágio de desenvolvimento psíquico, emocional e social, e, às quais não tem capacidade de compreender ou dar consentimento pleno. O abuso sexual é considerado o encontro mais destruidor e desumano entre duas pessoas: sua maior incidência ocorre em jovens do sexo feminino entre 14 e 17 anos.

O pediatra não é consultado exclusivamente sobre dúvidas em relação à saúde do pequeno paciente, mas também a respeito de atitudes, educação, formação, etc.. Os pais geralmente estão muitos receptivos na consulta pediátrica, e, por isso, é imprescindível aproveitar essas ocasiões para colaborar com a formação sadia da sexualidade, podendo-se também contribuir para a prevenção do abuso sexual, da gravidez  indesejada e de outros tipos de violência. (Tagle et.al.; 1994; Washington,1996).

Muitas vezes não há evidências claras nem diretas de que tenha ocorrido um episódio de abuso sexual, e, portanto, pergunta-se: quais são as indicações para que o pediatra realize algum tipo de investigação?

Primeiro, quando o paciente apresenta sintomas ou sinais que poderiam estar diretamente ligados ao abuso, como lesões genitais, e, por exemplo, quando o exame físico sugere anel himenal aumentado; segundo, quando o sintoma não está diretamente ligado como se observa em casos de dor abdominal inexplicável, infecção urinária, dificuldade de caminhar; terceiro, quando há alteração de conduta como baixo rendimento escolar, vergonha excessiva, depressão, tendência suicida e finalmente, quando surgem manifestações psicossomáticas como alopécia, enurese, cefaléia, anorexia.( Pokorny,1993; Gattoni, 1991).

Após a investigação médica, procede-se a avaliação laboratorial, que pode consistir em lavagem vaginal para pesquisa de fosfatase ácida (nas primeiras 72 horas depois do episódio); pesquisa de gonococos na vagina, boca e ânus; prova sorológica para sífilis; ELISA para AgHBs, HIV, repetindo 45 dias, 3 meses e 6 meses após o ocorrido ; teste para gravidez ( beta-HCG).

Age-se prevenindo a gravidez, utilizando a pílula anticoncepcional de emergência, antes de se completar 72 horas do episódio; prevenindo a AIDS com o uso durante 30 dias do coquetel AZT, 3TC, INDINAVIR, preferencialmente até 6 horas após a violência; antibioticoterapia e vacina anti-tetânica.(avaliar caso a caso)..( Zierler 1996; Einstein1993; Hopper, 1996 ). Devemos dar continuidade aos cuidados, aconselhando pacientes e pais, encaminhando-os para orientação psicológica.

Quanto à necessidade de informar as autoridades competentes do Ministério Público, se o objetivo é proteger o menor, nem por isso se deve deixar de avaliar cuidadosamente que, para a vítima, a avaliação médica, interrogatórios policiais além da própria exploração física em si podem aumentar os efeitos traumáticos do incidente. Nestas circunstancias a atuação do pediatra pode ser de muito valor como provedor de apoio à vítima, podendo ser um intermediário entre o paciente, família e autoridade.

O pediatra, além de considerar os fatores psicossociais, deve trabalhar em conjunto com outros profissionais da saúde, podendo inclusive romper com o código de silêncio estabelecido entre a vítima e o abusador, que ocorre por culpa, medo ou ameaças. Convém lembrar, finalmente, que o abusador não tem “face”, e pode ser identificado em qualquer classe social, necessitando , ele também, de tratamento psicoterápico. 

BIBLIOGRAFIA

  1. Assis,S. Violência de Nossos Dias –1997-CLAVES; RJ.

  2. Erdos Gattoni, Elizabeth. Características de las agressiones sexuales en niñas y adolescentes. Pediatria ( Santiago de Chile); 34 (4); 201-8,oct/dec. 1991.

  3. Einstein, E; Souza, R. P. Situações de Risco à Saúde de Crianças e Adolescents. CECIP/ CENESPA/VOZES – Petrópolis 1993.

  4. Hopper, J. M.A. (last revised 5/12/1996).

  5. Intebi, I. Maltrato Infanto Juvenil. Educacion a Distancia en Salud del Adolescente- EDISA –Universidade de Buenos Aires; Módulo 11; 1997.

  6. Maldonado, M.T. Caminhos da Prevenção da Violência Doméstica e Escolar: Construindo a Paz. Adolescência Latino Americana Vol.1; n.2; Julho/Set. 1998; 111a 117.

  7. Olcese, J et. al Accidentes y Violência en la Adolescência: Una Propuesta Innovadora de Abordaje. Educacion a Distância en Salud del Adolescente – EDISA- Universidad de Buenos Aires; Módulo 10; 1997.

  8. Prevenir a Violência- Um Desafio para Profissionais de Saúde CLAVES- Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde –RJ.

  9. Tagle, V. et. al. Rol del Pediatra en la Prevencion del Embarazo en Adolescentes y el Abuso Sexual. Pediatr. Dia; 10 (5) : 252-7,nov-dec. 1994.

  10. Washington, M. Informacion para padres y pacientes: recomendaciones para prevenir abuso sexual infanto juvenil. Pediatr. Dia; 12 (1): 27-8, mar./abr. 1996.
  11. Wolfe, D.et. al. Testemunhas de Violência Doméstica Durante a Infância e Adolescência: Implicação para a Prática Pediátrica. Pediatrics, Vol.94,(4) out. 1994.
  12. Zierler S, et.al. Sexual Violence  against Woman living with or at risk for HIV infection. Am. J. Prev. Med; 12 (5 ) 1996 Sep/Oct.