História da Medicina

artigo 03

Discurso de Inauguração do Anfiteatro Alfredo Britto
Antonio Carlos Nogueira Britto
Vice-presidente do Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins.

Atentai, ó vós que estais a pisar este chão. Este chão é sagrado. Este chão, este solo, esta terra são ungidos, são consagrados, são abençoados pelos deuses da Medicina. Este é o chão do santuário da Medicina primaz do Brasil. (*) 

(Antonio Carlos Nogueira Britto)


A brevidade que, na tribuna, é sempre condição de agrado, impõe-se-me hoje irrecusavelmente. Esforçar-me-ei para ser conciso.

            Aprouve o destino que fosse eu o escolhido para aqui estar nesta noite de gala, numa cerimônia de tão nobre e elevado sentido histórico, no templo da História da Medicina Nacional, com a obrigação de tecer considerações em derredor da vida daquele que, da sua fronte de herói, resultam fulgurações de uma formosa auréola que, até hoje, nos alvores do século XXI, ilumina a medicina de minha terra: Professor Alfredo Thomé de Britto. Apóstolo das Ciências Médicas, deixou na sua passagem pela Faculdade de Medicina da Bahia um rastro de abnegação e de dedicações. Por isso, é para todos um dever prestar um sincero culto à sua memória, pois a lição da sua existência glorifica-nos e a majestade dos seus exemplos edifica-nos.

            Nestas circunstâncias está a comovente missão que se me impõe, qual seja, a de se revelar em toda a épica importância os feitos ilustres do benemérito e operante lente e diretor desta Faculdade de Medicina da Bahia, dever que deverá ser cumprido por mim, menos notável e abalizado panegirista, humílimo médico de aldeia.

            Senhoras e senhores, o que será recitado nesta alocução está consubstanciado em pesquisas por mim levadas a efeito em fontes primárias, em sua grande maioria, constituídas de manuscritos originais, inéditos, raros e preciosos, avelhados pelo cursar inexorável do tempo que passou, os quais estão sob a guarda do Arquivo Público do Estado da Bahia, além do Arquivo da Cúria Arquidiocesana de Salvador e do Arquivo do Memorial da Medicina Brasileira, nesta Faculdade. Pesquisas foram efetuadas em fontes primárias outras, manuscritas e impressas, tais como: Memórias Históricas, teses, atas das reuniões de Congregação e expedientes diversos. Jornais da época foram consultados.

            Nesta noite memorável, serão resgatadas para a história da medicina da Bahia tantíssimas e importantes verdades em torno da biografia de Alfredo Britto.

            Estudos minuciosos e sistemáticos, exaustivos, por mim realizados, além dos executados por outros pesquisadores, não revelaram a existência de fontes primárias, documentos originais, registrando a Fazenda Loreto, na paradisíaca Ilha dos Frades, como o local do nascimento de Alfredo Britto, constante asseveração de renomados memorialistas e ilustrados conferencistas. Documentos primários, por mim perlustrados, indicam a freguesia de Santana, nesta cidade, como o lugar mais verossímil do seu nascimento, conforme veremos adiante.

            Perseguindo o “desideratum” de ser médico, o idealista mancebo não possuía o seu assento de batismo, documento necessário para matricular-se no 1º ano de medicina, em 1880. Aflito, Alfredo Britto recorreu à Câmara Arquiepiscopal, no sábado, 14 de fevereiro, quando redigiu petição, dizendo ser “... filho (...) de D. Joanna Maria da Salvação Vianna, nascido em 21 de dezembro de 1863, precizando que o Revm.º. Vigário da Freguezia de Santa Anna lhe dê por certidão o assentamento de seu baptismo que teve lugar, na dita Freguezia, aos 15 de julho de 1864, servindo de Padrinhos os Señrs. Antonio José de Britto e D. Luiza Maria Ângela de Britto, ambos fallecidos”.

            No sábado, 21 de fevereiro, sua avó materna, D. Joanna Maria da Salvação Silva, compareceu à dita Câmara para justificar o batismo do seu neto, pelo fato de não ter sido encontrado o assento no competente livro, acrescentando que Alfredo fora batizado pelo cônego vigário Joaquim Cajueiro de Campos.

            Finalmente, após denso e prolongado processo, o vigário capitular Manoel dos Santos Pereira, mandou abrir o respectivo assento no Livro dos Justificados, em 2 de março de 1880.

            Não localizei cópia do assento de batismo, anexada aos documentos de matrícula do estudante Alfredo Britto, na Faculdade de Medicina.

            Sua avó paterna, D. Luiza Maria Ângela de Britto, faleceu, sem testamento, a 14 de julho de 1869, nesta cidade da Bahia. O pai do Dr. Alfredo Thomé de Britto, o padre Domingos José de Britto, faleceu em 12 de dezembro de 1885, com testamento. Presbítero da Ordem de São Pedro, declarou que tinha dois filhos, um de nome Alfredo Thomé de Britto, estudante do sexto ano de medicina e outra de nome Luiza Fortunata de Britto, ambos já maiores e os reconheceu por escritura pública lavrada na nota do tabelião Virgínio José Espínola e, pelo testamento, constituía a ambos seus únicos e universais herdeiros, sendo nomeado seu testamenteiro, em primeiro lugar, o seu filho Alfredo.

            Fica, assim, restabelecida a verdade sobre as divergentes datas do ano de nascimento de Alfredo Britto, asseveradas por insignes professores e conferencistas de prol desta Faculdade. (21 de dezembro de 1865 ou 21 de agosto de 1866), quando o assentamento de batismo de Alfredo Britto registra que ele nasceu a 21 de dezembro de 1863.

            Alfredo Britto foi interno, mediante concurso, de Clínica Cirúrgica; Adjunto da Primeira Cadeira de Clínica Médica, também por concurso; Lente substituto da Sétima Seção; Lente catedrático de Clínica Propedêutica (1893 a 1909); Diretor da Faculdade de Medicina (1901 a 1908).

            Sua primeira publicação de trabalhos científicos se deu em 1884, ainda quando estudante: “Ação terapêutica do ferro e seus compostos”, publicada na Revista de Beneficência Acadêmica. A sua tese inaugural, em 1885, versava sobre “A cremação e a inumação perante a higiene”. Perlustrada por mim, não mais a encontrei. Sua extensa bibliografia, formada por aproximadamente 37 outros trabalhos, é extraordinariamente rica em conteúdo médico-científico. Poder-se-ia citar: “Apoplexia histérica”; “Ligeiras considerações a propósito de um caso de hematidrose histérica”; “Freqüência dos aneurismas da aorta na Bahia”; “Cremação dos cadáveres”; “Ensaio crítico sobre os principais processos de cardiometria clínica”. (Tese para concurso, em 1893); “Aneurismas da aorta na Bahia” (Resposta ao Dr. Nina Rodrigues)”; “Os raios X em medicina e cirurgia. Seu valor clínico atual”. (1897-1898); “Memória Histórica apresentada à Faculdade de Medicina da Bahia em 1900”; “Faculdade de Medicina da Bahia – seus melhoramentos e progressos”; “Projeto de criação de Universidades no Brasil”.

            Consoante Xavier de Oliveira, em “Reminiscências da Guerra de Canudos”, publicado na Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, número 68, 1942, exemplar que consta do meu modesto acervo, “O Dr. Alfredo Britto, foi o primeiro a empregar, no Brasil, a radioscopia para o diagnostico em cirurgia. E, no mundo inteiro, foi o primeiro a emprega-la na cirurgia de guerra. No dia 9 de Agosto de 1897 foi examinado o soldado do quinto batalhão de policia da Bahia, Manoel Bertolino dos Santos, ferido em Canudos no dia 27 de Julho. O exame radioscópico revelou as dimensões e posição de uma bala localizada no primeiro espaço intercostal esquerdo. Este exame foi o primeiro do universo.”, conclui.

 

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