HISTÓRIA DA MEDICINA artigo 63
O cerco e invasão da Faculdade de Medicina da Bahia em 22 de agosto de 1932 pelas tropas do interventor Federal Juracy Montenegro Magalhães
Dr. Antonio Carlos Nogueira Britto
Presidente do Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins.
Fundado em 29 de novembro de 1946
Parte I

Prelúdio de tempestade. Nuvens plúmbeas, prenhes de despotismo e belicosidade, avançam céleres para amortalhar com lutuoso sudário a cintilante e deslumbrante abóbada do Olimpo, que envolvia a Faculdade de Medicina da Bahia, no Terreiro de Jesus, protegida e consagrada pelos deuses helênicos da Medicina, onde ressoavam suaves e celestialmente harmoniosos e agradáveis sucessões de sons de acordes de harpas, flautas de pan e coros de musas desnudas.

Sábado, 09 de julho de 1932 – Naquele dia, começou em São Paulo a chamada “Revolução Constitucionalista”, movimento armado que reclamava a pronta constitucionalização do País objetivando a derrubada do governo provisório de Getúlio Vargas e a instalação de um regime democrático após a extinção da Constituição de 1891 pela Revolução de 1930.

Contando inicialmente com o apoio de outros Estados, - Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Sul de Mato Grosso, - o levante militar paulista, com forças chefiadas pelo general Bertholdo Klinger, lutou bravamente em três amplas frentes: o Vale da Paraíba, o Sul Paulista e o Leste Paulista.

As novas exibidas em destaque nas gazetas do País davam conta do intenso movimento de tropas e de pesados armamentos, incluindo tanques, aeroplanos e vasos de guerra. A população brasileira quedava-se alarmada e dominada por sentimento de viva inquietação e temor ante as notícias veiculadas pelas gazetas e rádios, que narravam batalhas sangrentas, atos de heroísmo, estatística de baixas dos efetivos militares por mortes, feridos e prisioneiros.

Tantíssimas eram as notícias alarmantes, de formidanda e crudelíssima realidade, que faziam prever a eclosão, no solo brasileiro, de sangrentas batalhas comparáveis, mantidas as precisas proporções, às da 1.ª Guerra Mundial tais como Somme, Verdun, Marne, Champagne, Tanenberg, Flandres, Ypres, Amiens, Dardanellos, Gallipoli e outras.

A Revolução Constitucionalista de 1932, ou Revolução de 32 ou Guerra Paulista foi sufocado em 2 de outubro de 1932, na cidade de Cruzeiro, pelas tropas do general Góes Monteiro, surgindo, como conseqüência, o processo de democratização, com a realização de eleições nacionais em 3 de maio de 1933 para a Assembléia Constituinte Nacional, quando pela vez primeira o sexo feminino teve o direito de votar.

PRENÚNCIOS DOS SUCESSOS DE DESVENTURA E AFLIÇÃO NA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA

Em 18 de julho de 1932, decolou uma esquadrilha do campo dos “Affonsos”, cumprindo ordens do Estado Maior do Exército, uma esquadrilha de bombardeio, comboiada por outra de caça para atingir determinados objetivos militares – campo de concentração das tropas adversárias e os meios de comunicações da retaguarda com as linhas de frente.

No dia seguinte, 19, o paquete italiano “Capacita”, procedente da Europa, com uma carregamento de 25.000 galões de gasolina soviética, pretendia atracar no porto de Santos, com a sua preciosa mercadoria.

Os revolucionários tudo fizeram para conseguir a atracação do navio.

A esquadrilha naval, que assegurava o encerramento daquele porto, fez afastar o referido paquete, impedindo-lhe a entrada na barra de Santos.

Terça-feira, 26 de julho – O almirante Protógenes Guimarães, ministro da Marinha, permitiu que um vapor japonês entrasse no porto de Santos, afim de desembarcar ali 700 imigrantes que se destinavam a lavorar.

Sexta-feira, 29 de julho - Chegou a Varginha o trem hospital que há dois dias partiu de Belo Horizonte com destino ao “front” de operações, completamente aparelhado para socorrer os feridos em combate.

Na semana anterior à segunda-feira, 15 de agosto, no sul do País, a cidade de Cruzeiro era grande zona de operação militar. Um decreto do governo da Bahia comissionava vários oficiais. Nossos soldados reafirmavam sua fé no Senhor do Bonfim.

Trágico episódio da artilharia na região do Túnel. Mais tropa nortista, no porto, rumo ao Sul. Favores aos funcionários que desejam lutar. Reinava a paz em todo território de Minas Gerais.

Tomada da vila de Guapiara, 200 baixas paulistas feitas pela artilharia dentro de uma gruta na região do Túnel.

Morreu no “front” da luta fratricida, o comandante do 29.º B. C., o tenente-coronel Alfredo Lucio Ferreira.

Cenário sangrento ! Seguiram tropas baianas para o “setor” do Túnel !

Confirmava a “Dictadura” suas últimas vitórias militares.

Rádios paulistas captadas.

O Governo do Estado, no Campo dos Barris, preparava novos soldados para a “lucta”.

Partiram do Rio Grande do Sul outros comboios repletos de tropas.

O general Waldemar Lima queria tomar, a “todo transe”, a cidade de Itapetininga, em cujas imediações lutava-se desesperadamente.

Artilharia pesada em todo setor do Leste.

Sábado, 13 de agosto de 1932 – Às 10 horas, em memorável sessão no histórico e magnificente “Anfitheatro” Alfredo Britto, jóia arquitetônica da Faculdade de Medicina da Bahia, no Terreiro de Jesus, congregaram-se os distintos acadêmicos baianos, com a presença de numerosos “alumnos” do glorioso “Gymnasio da Bahia”. Presidiu a seleta assembléia o professor Adolpho Diniz Gonçalves, que proferiu breves palavras, quando historiou os pródromos da atual luta fratricida. Em seguida falou, ovacionado, o professor Aloysio de Carvalho Filho dirigiu-se aos moços, lançando um apelo para que não desertassem da atitude por eles nobremente assumida, concedendo, ao depois, a palavra aos acadêmicos Emilio Diniz, Aloysio Netto, Portella Filho e Demosthenes Berbert, os quais, em nome dos discentes das Faculdades de Medicina, Engenharia e Direito, ratificaram o apoio dos seus colegas, pela causa que os reunia na luta pelo regime legal.

O estudante Emílio Diniz reiterou a sua irrestrita solidariedade aos colegas na sua luta pela reconstitucionalização imediata do País, em discurso pleno de vibração e entusiasmo, tão próprio da mocidade, sendo longa e calorosamente aplaudido.

Ao depois, orou o acadêmico Aloysio Netto, que leu uma bem preparada e substanciosa oração, quando recordou as gloriosas e imorredouras tradições da classe acadêmica baiana, pleiade de moços dessasombrados, concitando-os a que não deslustrassem, na hora presente, essas mesmas tradições.

Em seguida, fez uso da palavra pelos alunos de engenharia ali presentes, o acadêmico Sindoro de Souza, que hipotecou, também, o seu apoio e o dos colegas à causa pelos estudantes da Bahia.

Falaram, ainda, os acadêmicos Hermes Tavares, Pedro Bomfim e Isnard Duarte.

A preleção do Dr. Jayme Junqueira Ayres foi assaz aplaudida. O jovem mestre de direito, analisou, com fartura de argumentos, e robustecido na coerência de raciocínio dos sucessos, a periclitante ocasião através da qual atravessava o País. Foi um pronunciamento entusiástico, porém pleno de reflexão e prudência, onde exibiu estilo e subida erudição, patriotismo e livre de sujeição.

Em seguida, fez uso da palavra o digno e sábio professor Aristides Novis, diretor da Faculdade de Medicina da Bahia, enaltecendo a postura ordeira e disciplinada sempre conservada pelos moços nas reuniões já levadas a efeito, além de tecer subidos encômios à tradição liberal daquela egrégia e provecta instituição de ensino médico.

Finalmente, ardorosamente aplaudido pelos acadêmicos, orou, concluindo o “meeting”, o professor Aloysio de Carvalho Filho, que discorreu do seu júbilo pelos momentos de forte entusiasmo cívico que os moços da Bahia lhes ofereceu naqueles tensos dias, resumindo, consoante os ensinamentos de Clovis Bevilacqua, todas as aspirações nacionais na lei, na liberdade e na justiça.

A sessão foi encerrada pelo professor Adolpho Diniz Gonçalves.

Segunda-feira, 15 de agosto - Muito embora não houvesse, aparentemente, ligação nem apoio ao “uprising” constitucionalista de São Paulo, os “alumnos do Gymnasio da Bahia” iniciaram movimento de parede na segunda-feira do dia 15 de agosto de 1932. Participaram do movimento grevista os estudantes da 3.ª, 4.ª e 5.ª séries, por meio do qual a mocidade estudantil protestava contra a determinação da feitura de provas “parciaes” exigidas naquela época do ano pela novel lei que reformou o ensino.

Pelas suas proporções e gravidade, o professor Gelasio de Abreu Farias, diretor daquele respeitável e histórico estabelecimento de ensino, solicitou providências e garantias ao Secretário do Interior e a Diretoria de Instrução e o Fiscal do Governo Federal, que marcaram para o dia 18 as provas parciais.

Em razão do equívoco do dispositivo legal, referente àquelas ditas provas exigidas para aquela época do ano, os alunos recusaram-se às mesmas submeter-se, com a justificativa, procedentemente, que só tardiamente foram cientificados da exigência legal, tomando, destarte a briosa mocidade posição decidida contra a deliberação da diretoria daquele instituto.

Às 10 horas da manhã da quarta-feira, 17, atendendo convite da diretoria do estabelecimento, ali esteve o Conselheiro Corrêa de Menezes, Secretário do Interior, Justiça, Instrução, Saúde e Assistência Publica que, surpreendendo os alunos naquela proposta, disse-lhes e enfatizou a desrazão do movimento paredista e advertindo a mocidade de que o Governo não vacilaria em manter a disciplina e garantir a ação do diretor e professores do “Gymnasio”, na observância e cumprimento das suas funções, ao tempo em que assegurava as medidas necessárias aos estudantes que quisessem submeter às provas “parciaes”

Agravou-se o sucesso, quando o respectivo encarregado trazia a chave para abrir a porta principal do instituto de ensino e um grupo de alunos tomou-a, desaparecendo com ela, além do desvio de cadernetas e outros papéis da secretaria do “Gymnasio”.

Resolveu o Conselheiro Corrêa de Menezes nomear comissão composta dos Drs. Aggripino Barbosa, diretor da Instrução, Deraldo Dias Moraes e Francisco Prisco de Souza Paraiso, afim de abrir inquérito para apurar as irregularidades havidas no "Gymnasio" da Bahia naquela manhã.

Fizeram uso da palavra, em seguida, os estudantes Wanderlino Nogueira e Magnavita, manifestando-se contrários às provas e comprometendo-se a não hostilizar os colegas que agissem de modo contrário.

Na quinta-feira, 18 de agosto, à 14 horas, uma grande comissão de alunos em greve pacífica do “Gymnasio” da Bahia esteve no Palácio da Aclamação, sendo recebida pelo Interventor Federal, ao qual justificaram a deflagração da parede, e que se mantinham em atitude pacífica, respeitando o Governo do Estado, reivindicando apenas a supressão daquelas provas.

O chefe do Governo aconselhou a comissão a promover a ida de todas as provas, gesto que implicava em disciplina e evitava o atual ambiente em um estabelecimento, onde o Governo deverá manter e manterá a ordem, comprometendo-se o Interventor, em atenção à atitude ordeira dos “gymnasianos” a ser o advogado da causa dos mesmos, junto a União, de quem era a competência para decidir no caso.

Terminada a audiência, comprometeram-se os estudantes a volver as aulas e a não impedir que compareçam as provas aqueles que o quiserem fazer, na expectativa da ação solucionadora do Estado.

No mesmo dia, 18, o Governo divulgou nota a seguir: “O Governo faz sciente aos alumnos do Gymnasio da Bahia que amanhã, 19, continuarão as provas parciaes regulamentares, que ali se vêm realizando, não soffrendo nenhuma interrupção as aulas dos demais annos. Dará amplas garantias aos que quizerem comparecer ás provas, não permittindo a menor coacção por parte dos que se obstinaram na attitude de greve, em que se tem mantido a maioria dos alumnos. Respeitará o direito de greve pacifica, mas não admitirá que estudantes de outros estabelecimentos tentem transformar os intuitos da greve, para exploração politica.”

Terça-feira, 16 de agosto - O "monstro da guerra", ou seja, o temível "carro de assalto", ao depois mundialmente conhecido como "tank", considerado como uma das principais armas modernas no "front", operava no Vale da Paraíba. Em plena campanha de trincheira, um soldado baiano fumava calmamente seu cachimbo, na entrada subterrânea da dita trincheira.

Na região do Túnel, a artilharia mineira fez grande estrago na tropa adversária.

Informam do Sul haver sido abatido, ali, um avião.

Quinta-feira, 18 de agosto - Prossegue, por parte dos federais, uma ação eficiente e conjugada, das armas de artilharia da aviação de exército leste.

Sexta-feira, 19 de agosto - Notícias do Rio de Janeiro davam conta de que estava sendo aguardada a chegada de cinco aviões "Waco", recentemente adquiridos pelo governo provisório.

Domingo, 21 de agosto - quarenta e três dias de luta ! O destacamento do coronel Christovam Silva, tomando o Morro Verde, no setor de Cruzeiro, aprisionou além do 1.º tenente Olavo Mena Barreto, vários civis. Dentre eles, estão dois advogados, Francisco e Alfredo Mesquita.

Segunda-feira, 22 de agosto de 1932 - Troam-se na região de Bury, provavelmente a maior batalha campal da América do Sul, a qual se prolongou por um dia e meio. O governo substituiu o comandante da Aviação Militar.

As tropas paraibanas, que lutam na fronteira São Paulo-Minas, depois de intenso combate, apoderaram-se da cidade de Lindoia.

 
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