HISTÓRIA DA MEDICINA artigo 63
O cerco e invasão da Faculdade de Medicina da Bahia em 22 de agosto de 1932 pelas tropas do interventor Federal Juracy Montenegro Magalhães
Dr. Antonio Carlos Nogueira Britto
Presidente do Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins.
Fundado em 29 de novembro de 1946
Parte II

OPRÓBRIO, AFRONTA INFAMANTE E USURPAÇÃO

FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA, NO TERREIRO DE JESUS, A HERÓICA

SEGUNDA-FEIRA, 22 DE AGOSTO DE 1932 – O Terreiro de Jesus foi, a 22 de agosto de 1932, cenário de deploráveis sucessos que tiveram lastimável repercussão no conceito púbico da Bahia.

Os ânimos estavam enfurecidos quando foi hasteada, por volta do meio-dia, uma bandeira branca, com os seguintes dizeres, expressos por letras a tinta azul: “Faculdade Livre”, e, em seguida, foi içado o Lábaro Nacional.

Na sacada da fachada principal do edificio da Faculdade de Medicina discursava vibrantemente um dos seus heróicos alunos.

A delicada e nívea areia da infinita ampulheta do tempo já estava a anunciar o crepúsculo naquelas paragens veneráveis e sagradas, quando disparos de armas curtas de fogo violentaram o ambiente em frente à catedral de paz silente, abafando os brados de ordem, grandiloqüêntes e enérgicos, e protesto plenos de bravura e de intrepidez cívica, da mocidade acadêmica baiana, que fizeram do palacete da Faculdade de Medicina da Bahia, no Terreiro deJesus, o seu bastião e fortaleza, a sua muralha com almeia, torreão e guarita. O fogo de fuzilaria, com tiros amiudados, resultou na morte de um ex-empregado do “Grande Hotel”, João Ferreira Santos. Foram feridas as seguintes pessoas: Julio Santiago, de "cor", de 24 anos; guarda-civil de chapa n.º 276, residente à Cidade de Palha, ferido por projétil de revolver na 3.ª falange do 4.º quirodáctilo e na região hipotenar da mão esquerda: Alcebíades Rodrigues, com escoriações e hematoma na parede posterior do hemitórax, produzidas por instrumento contundente; Ormindo Peixoto, comerciante, e residente à “Pensão das Nações”, na cabeça, por bala; Candido de Oliveira, químico, industrial, 43 anos, residente ao Largo 2 de julho, em Itapagipe; João Falcão Brandão, aluno da Faculdade de Medicina da Bahia, no curso de Odontologia.

Os sucessos tomaram feição de maior severidade, porquanto era público que se tratava de agitação de causa política.

A Força Pública empregou meios para restringir o movimento no edifício da Faculdade de Medicina da Bahia, onde se encontravam professores, acadêmicos de Medicina, ginasianos e pessoas alheias ao pessoal da Faculdade.

Lá pela 5 horas da tarde, o prédio da Faculdade de Medicina da Bahia estava totalmente sitiado pela Força Pública, Bombeiros, Guarda Civil, coadjuvados, com proficiência, pelos moços da Legião Revolucionária. As entradas e saídas das ruas e ruelas das cercanias foram submetidas a controle, cerradas e interditada a afluência de pessoas e veículos no Terreiro de Jesus, antiga Praça dos Padres, ao depois Praça Conde d'Eu e, mais tarde, Praça 15 de Novembro.

O Governo tornou pública nota oficial dando conta que o edifício da Faculdade de Medicina da Bahia seria ocupado dentro de pouco tempo, ameaça que obrigou a fazer voltar à normalidade a conflituosa situação. O Interventor Federal colocou em práticas medidas outras coercivas contra as pessoas comprometidas no levante, tornando irrealizável qualquer movimento de reação.

Por volta das 10 horas da noite e sob prenúncio de ocupação militar da Faculdade de Medicina da Bahia, renderam-se os heróicos ocupantes do venerando edifício, entregando-se incondicionalmente.

Dominado o “uprising” cívico, o governo do Interventor Federal, Juracy Montenegro Magalhães aprisionou quantos nele se envolveram.

No dia seguinte, 23, a cidade rompeu o dia em sossego pleno, achando-se os habitantes da capital do estado da Bahia a dedicar-se à suas usuais azáfamas, tendo o Interventor iniciado rigoroso inquérito.

Terça-feira, 23 de agosto de 1932 – O Interventor Federal levou à luz pelas gazetas a seguinte nota em derredor dos sucessos desenrolados em 22 de agosto:

“De há muito, vinha o Governo sendo informado sobre a idéia que alimentavam os remanescentes da velha politicagem perrpista da Bahia, de perturbarem a ordem pública.

Conhecia o Governo os colaboradores e os chefes inconscientes e covardes que agiam por traz das cortinas. Podia prendê-los. Sabia-os, porém, incapazes e inofensivos. Por isso, deu-lhes liberdade de ação e aguardar a oportunidade de desmascara-los perante a opinião pública baiana.”

Os fatos do dia 22 vêm confirmar o conceito em que o Governo tinha os seus adversários. A mocidade acadêmica foi o elemento fácil de exploração. Geraram um ambiente que determinou a rebeldia de parte dos acadêmicos de Medicina, que ocuparam militarmente o edifício da tradicional Escola, iniciando o motim, na esperança de adesões. Estes fracassaram, como sempre... Os que tudo prometeram nada tiveram que dar pois que nada tinham. As forças armadas, Exército e Polícia. Legião Acadêmica, Corpo de Bombeiros e Guarda Civil portaram-se com a costumeira disciplina.

O Povo Baiano, por todas as suas classes sociais, manifestou-se solidário com o Governo. Este, podendo agir pela força, disposto de todos os meios para tomar militarmente o velho edifício de nossa tradicional Escola, preferiu isola-la e aguardar que o bom senso vencesse a paixão de alguns, a boa fé de outros, deixando desmascaradas as raposas que procuram fugir ás suas grandes e criminosas responsabilidades.

O Governo não deu um tiro contra os acadêmicos. Manteve a mesma atitude de tolerância e prudência que o vem caracterizando. Agirá com energia contra os verdadeiros culpados, isentando de culpa os explorados.

Para permitir a execução dos seus propósitos, os responsáveis criaram, dentro da Escola, um ambiente de mistificação fazendo supor que o Governo tinha espancado meninas do Ginásio da Bahia e outras torpes explorações.

Aplicada a punição aos verdadeiros culpados, fique este lamentável incidente como mais um exemplo para os moços, sempre iludidos, em toda a história pacífica do nosso País.

A família baiana pode ficar tranqüila, pois o Governo velará pela sua segurança, reprimindo severamente qualquer tentativa de perturbação da ordem. Todo o Estado está em completa calma. A rendição dos estudantes foi feita sem condições, tendo sido aberto inquérito rigoroso”.

Quarta-feira, 24 de agosto de 1932 – Naquela data, o Gabinete do Interventor Federal, divulgou a seguinte nota para publicação nas gazetas:

“Com o proposito de trazer sempre esclarecida a opinião publica, o Governo vem declarar que manteve presos todos os implicados nos acontecimentos do dia 22 porque lhe cumpria apurar quaes os que agiram por um excesso de solidariedade: - estudantes, na defesa dos brios da classe, que a exploração, a mystificação os que actuavam com outras isenções, diziam offendidos pelo Governo, com os espancamentos e prisões de alumnas do Gymnasio, o que é absolutamente falso, e quaes os que agiram com objetivos politicos, tentando perturbar a ordem publica e afastar as sympathias com que tem sido honrado o atual Governo por parte da opiniãohonrado o atual Governo por parte da opinim com objetivos politicos,agiram por um excesso de solidariedade: - estudantes, na de publica sensata da Bahia.

O Governo foi scientificado por uma denuncia clara, precisa, firmada por pessoa leal ao Governo e de responsabilidade, de que elementos maus tramavam contra a ordem publica.

Houve uma reunião em Brotas, na casa de José Guimarães, funccionario do Estado, á qual compareceram o tenente Aroldo Ramos de Castro, ajudante de ordem do ex-Commandante da Região, dois tenentes ultimamente commisionados em um dos batalhões de nossa Policia, um representante dos academicos, que se dizia "leader" da classe, além de outras pessôas.

Diziam os conspiradores contar com outros elementos civis e militares, citando os nomes de alguns.

Deram conhecimento de seus planos, que envolviam a eliminação de varias autoridades e de cujos detalhes tem a Policia pleno conhecimento.

Somente o inquerito regular apurará convenientemente as responsabilidades.

O movimento devia conmeçar por onde começou, isto é, por um incidente de que se encarregariam os estudantes de crear.

Estes devem ser os mais interessados em que fique convenientemente esclarecido que não coparticipariam de um motim que visava até a morte de mulhers e crianças, como também de não terem sido autores do assassinato covarde de um infeliz popular e de ferimentos desarazoados em outras pessôas.

Nunca é demais louvar a attitude serena, energica e disciplinada das forças do Governo, que tudo fizeram para evitar que corresse nas ruas da capital o sangue generoso da mocidade bahiana.

Os que não tiveram culpa irão sendo postos em liberdade, á proporção que fôr sendo apurada a sua inculpabilidade.

Opportunamente, o Governo dará conhecimentos ao publico de todos os detalhes desta trama vergonhosa".

No mesmo dia 24 de agosto, o "Comitê Pró Reorganização do Proletariado Bahiano", com o escopo de "desfazer boatos", solicitou às gazetes a publicação da nota que se segue:

"O Comitê Pró Reorganização do Proletariado Bahiano, organização composta de varias associações trabalhistas desta Capital, vem de publico declarar que nada tem a ver com o movimento occorrido nesta cidade, em 22 do corrente, entre academicos que pretendiam prestar o seu apoio ao movimento paulista.

Como tal, fica não só o publico, como as autoridades sabendo que o proletariado bahiano jamais se insurgirá contra a Dictadura, que vem trabalhando honestamente para a salvação da nossa Patria, que há 14 annos vem sendo o seu patrimonio esbulhado pelos politiqueiros insaciaveis que tudo roubava deixando o proletariado sem instrucção, sem hygiene, sem pão.

Pelo Comitê Pró Reoganização do Proletariado Bahiano: (a) Laurindo José de Sant'Anna, secretario geral".

Sábado, 27 de agosto - Dois navios que fugiam dos rebeldes de Óbidos foram postos a pique no Rio Amazonas.

O couraçado São Paulo faz parte da esquadra que realiza o bloqueio da costa paulista.

Uma batalha que dura quatro dias no setor de Cunha. As forças do general Waldomiro Lima, continuam em atividade no "front", avançando para o ataque.

O gabinete do interventor despachou para as gazetas a seguinte nota para publicação: - "Declaração: - Attendendo ao appelo que á sua lealdade acaba de ser feito pelo sr. Interventor Federal, a Commissão encarregada pelo corpo docente da Faculdade de Medicina de se entender com S. Exa., sente-se no dever de indeclinavel de declarar o seguinte:

Quando o edificio, onde se encontravam alumnos rebellados em numero superior a quinhentos estavam na imminencia de um ataque por parte da Força Publica que então o cercava, o Governo Estadual ditou por intermedio da alludida Commissão os termos da sua intimação, a qual foi cumprida de facto, integralmente. Nessa intimação, escripta pelo proprio punho do interventor, não se falava em detenção dos alumnos por alguns momentos, e sim até que se apurassem os responsaveis, os quaes seriam conservados presos para ulterior deliberação.

Deve a Commissão accrescentar que o seu pedido foi no sentido do recolhimento da Força aos quarteis, com a livre saida dos estudantes. Isto, porém, lhe foi recusado, declarando o sr. Interventor estar deliberado a occupar militarmente, dentro do prazo fatal, o edificio da Faculdade, em virtude de acreditar articulado o movimento academico a certo levante militar, que, tivera denuncia, explodiria naquelle mesmo dia. Diante disto, viu-se a Commissão na contigencia de transmitir aos academicos as condições formuladas pelo Governo. Bahia, 26 de Agosto de 1932.

Bahia (aa) Aristides Novis, Martagão Gesteira, Dr. Fernando Luz, Dr. Eduardo de Moraes, Estacio de Lima".

 
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