HISTÓRIA DA MEDICINA artigo 63
O cerco e invasão da Faculdade de Medicina da Bahia em 22 de agosto de 1932 pelas tropas do interventor Federal Juracy Montenegro Magalhães
Dr. Antonio Carlos Nogueira Britto
Presidente do Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins.
Fundado em 29 de novembro de 1946
Parte VI

VOLVIDOS DOIS E TRÊS ANOS DESDE OS NEFASTOS SUCESSOS QUE FERIRAM A FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA, EIS ALGUNS DEPOIMENTOS DO PROF. DR ANTONIO DO PRADO VALLADARES, DR. ARISTIDES NOVIS E DR. ALOYSIO DE CARVALHO FILHO EM DERREDOR DOS TRÁGICOS ACONTECIMENTOS DE 22 DE AGOSTO DE 1932.

O prestigioso e destemido matutino "A BATALHA", do Rio, iniciou uma série de entevistas pelas suas colunas com o deputado J. J. Seabra, analisando o livro intitulado Defendendo o Meu Governo, de autoria do Interventor Juracy Magalhães, na Bahia, vindo à luz em decorência de interpelação pulicada no Diário de Notícias, edição de 9 de abril de 1934, assinada por Altamirando Requião, então jornalista, professor e deputado federal e situacionista baiano.

O dito livro foi impresso na tipografia de um irmão do tenente Ribeiro Monteiro, que era chefe da casa civil do interventor.

Perguntado a respeito da impressão do Dr. Seabra sobro o livro de Juracy Magalhães, respondeu: - "A minha opinião poderá parecer suspeita; mas a verdade é que o livro e uma defesa que não defende. E isto é muito natural, por que a minha accusação é irrespondivel."

A personalidade do eminente baiano, velho e glorioso republicano J. J. Seabra foi assim sintetizada pela sobredita a "A Batalha", de 30 de outubro de 1935: o "Dr. J. J. Seabra é um homem a quem os maiores elogios e os mais ferinos insultos já não attingem, nem lhe modificam a personalidade. Naquelle eminente brasileiro, ha que se assignalar apenas a energia incommum, o espirito sempre moço, e combativo, a extraordinaria resistencia organica com que, aos oitenta annos de idade, enfrenta victoriosamente, todas as refregas politicas, e resiste aos mais duros golpes, como aquelle em consequencia do qual teve uma perna fracturada, ha tres mezes passados, continuando sempre disposto a novos embates".

"CRIMES CONTRA AS LIBERDADES PUBLICAS"

No capitulo "Justiça", da "Exposição", que o senhor Juracy Magalhães apresentou ao sr. Getulio Vargas, o interventor da Bahia escreveu:

"A politica de intolerancia viria comprovar que a nova ordem de cousas não tinha no seu programma a negação dos direitos individuaes, a derrocada completa do passado, afim de erigir-se sobre seus destroços uma construcção inteiramente nova."

"Foi citando as palavras acima transcriptas, do governante bahiano, que o Dr. J. J. Seabra iniciou, hontem, a sua decima quarta entrevista a A Batalha, sobre a obra administrativa do sr. Juracy, para, em seguida, comentar:

- "Nunca em toda a historia politica da Bahia, o meu Estado teve um governo tão intolerante, quje praticasse tanta\s violencias contra as liberdades publicas. Os crimes ali commetidos pelo interventor contra a civilisaçção, são de molde a tornal-o um emulo de Lampeão, na vida contewmporanea da Bahia. Seria\ fastidioso recordar-se aqui, um a um, todos os crimes do interventor forasteiro contra os direitos dos meus conterraneos, pois que toda a Nação já os conhece, de sobra, atravez das denuncias, que anteriormente, formulei, da tribuna da Constituinte, e no meu livro Humilhação e Devastação da Bahia e que culminaram no episodio de 22 de Agosto de 1932, quando o forasteiro mandou invadir a gloriosa Faculdade de Medicina da Bahia e dali retirou a mocidade academica sublevada a favor da Revolução Paulista, recolhendo, então, 514 estudantes, - a fina flôr da mocidade bahiana, - aos 6 e 7, a cubiculos que estavam interdictados, como imprestaveis para guardar criminosos communs ! Só a recordação de semelhante infamia é o bastante para traçar o perfil moral do forasteiro, a quem em má hora e para opprobio da Revolução de Outubro, o senhor Getulio Vargas entregou os destinos da Bahia. E recordando:

- Houve um grande jornal de Buenos Aires, La Prensa, que noticiando aquelle atentado á Bahia, escreveu textualmente:

"Duvidamos da mentalidade juridica de um povo que prende professores e estudantes em Penitenciaria. Em taes casos. o povo que tem brio levanta-se e fulmina a tyrannia."

PARECER DO PROFESSOR PRADO VALLADARES AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA GETÚLIO VARGAS, PUBLICADO NA "A TARDE", A 20 DE OUTUBRO DE 1934, COM O TÍTULO "O ESTADO VESÂNICO DO INTERVENTOR"

O ORATE

" ... ... " Si o sr Juracy for de facto um homem intelligente - como apregoa a retumbancia de seus convivas e convidados, talvez a confundirem os fluores mechanicos do loquaz com os fulgores espirituaes da eloquencia - não deve estar satisfeito com o apparente desmentido que ofereceu á entrevista mais recente do illustre e venerando senhor Seabra o preclaro e veramente sabio Prof. Garcez Fróes.

Parece-me de toda evidencia que não se affirmou houvesse eu ou o Prof. Fróes examinado clinicamente o mirado capitão - perquirindo-lhe a anamnese, ou apalpando, percutindo, escutando, para tudo arrancar das manobras semioticas completas e integraes no sentido de uma diagnose e prognose tangenciaes da perfeição, nos deveres indeclinaveis do segredo medico, não nos consentiria a lingua desatada.

Parece-me de toda a evidencia que se inferiu, e com toda a logica, acredite o Prof. Fróes, e eu tambem, no desequilibrio mental do discutido capitão - pelo que eu e o Prof. Fróes temos escripto, ou profligado cathedratiamente, ou conversando, sem timidas reservas, pelos corredores, sobre o tormentoso assunto.

Ora, neste paticular, entre a minha opinião e a do egregio professor destoa apenas a expressão verbal nominativa e classificante da sindrome psycopatica em julgamento.

Em face do ocorrido a 22 de Agosto de 1932, o Professor Fróes, com a bravura civica e elevada compreensão do prestigio social de sua palavra digníssima, não vaccilou em comentar, inflammado e erudito, por aqui assim: a atitude iniqua, arbitrariedade condemnavel, retorno á barbarie : o que vale duzer, na technologia dos alienistas, constituição perversa, moral insanity, dos autores ingleses.

E eu que assisti a uma das cenas mais de perto: o uivo feral, o espumejo dos labios, o esbugalho dos olhos, o braço reteso, e toda a facies-furia da promessa rasante no olhar truculento, e no desconcerto da fala, e no desalinho da postura - conjecturo, de preferencia, o mal-sagrado, ou gota-coral, epilepsia emfim, como mais de commum é chamado o estado mórbido que presumo.

Mas eu não vejo por onde, para o pobre interventor, lucre a situação organica com a formula diagnostica do conceituadissimo collega. Ao contrario. Qualquer medico, não de todo bisonho, poderia propor-se, si não a cura segura, pelo menos a melhoria da nevrose convulsiva. E ao revés disto, o mas sabio dos sabedores ha de se confessar sem armamento nem armadura ante a insanabilidade da loucura-moral - sempre, em toda parte do mundo, uma perspectiva de cadeia; e algumas vezes, em alguns paizes, uma razão patibular.

Seja como for, onde eu e o acatadidssimo mestre nos damos as mãos clinicas treinadas na experencia do officio - é em julgarmos, ambos, que o snr. Juracy -é inidoneo para o mister perarduo da governança do Estado: incapaz do auto dominio de seus nervos, como acertaria de controlar, prudentemente, os nervos de outrem ou dos outros?!

Fio da generosiudade de meus conterraneos não se aja de pensar que a minha iterativa comparencia actual na imprensa politica se motive unicamente do absurdo desacato que eu soffri no salão - outrora nobre, agora lobrego - do "Aclamação".

Em verdade, eu diria que o sr. Juracy, como caso pessoal, e para mim como caso clinico, é muito mais objecto da eucaristia do meu perdão, do que sujeito para as energias reaccionaes do meu odio provocado.

Mas esse Juracy, como caso social, é de ser combatido sem treguas nem dó até a exaustão; para o renascimento cultural de nossa terra, para o soerguimento moral de nossa gente.

  Prado Valladares
20 de Outubro de 1934
(Publicado na A Tarde)"
 
  "AS RETICENCIAS DE UM LIVRO"
  " OS ACONTECIMENTOS DE 22 DE AGOSTO"

O dr. Aristides Novis, illustre professor da Faculdade de Medicina da Bahia, publicou na "A Tarde", edição de 31 de Julho de 1934, com o titulo e sub-titulo acima, a seguinte Carta Aberta ao ... . "Exmo Sr. Cap. Juracy Magalhães - Interventor Federal na Bahia. - Distincto Collega chamava-me há dias a attenção para o tópico do livro "Defendendo o meu Governo", em o qual V. Excia. se referindo ao movimento de 22 de Agosto na Faculdade de Medicina, e á commissão de professores que o procurou ás 17 horas daquelle dia, e da qual eu fazia parte como director, diz textualmente:

"Estranhei que somente áquella hora se se dignasse a direcção da Escola de entrar em atendimento com o Governo, quando desde 9 horas da manhã estava ella rebellada". Aguardei o regresso de V. Excia, a esta capital para articular a defesa que tal assêrto me impõe.

Quem quer que venha amanhã a reconstituir a historia da campanha constitucional na Bahia, poderá concluir do alludido topico achar-se a direcção da Faculdade solidaria com a rebellião alli occorrida. Entretanto, isto não se deu, do que me seria facil offerecer provas sobêjas, si necessario.

Mas, para que prova mais eloquente do que a declaração feita por. V. Excia. ante a commissão das Escolas Superiores, reunida em Palacio, dois dias após o movimento, de estar o Governo convencido da lealdade do director da Faculdade até o ultimo instante de sua actuação? Se V. Excia, e o proprio Ministro da Educação me não regatearam essa justiça ao ponto de me propôrem ambos a continuação no cargo, quando, espontaneamente , eu o deixava, não é razoavel figure tal trecho, sem outro esclarecimento, em publicação de tamanha relevancia, abrindo margem, assim, á refracções no julgamento de uma attitude, devotadamente articulada á dignidade dos meus deveres funccionaes.

Ademais, V. Excia. não ignora as fortes razões que me retiveram no edificio da Faculdade durante todo aquelle negregado dia, desde as primeiras horas da manhã. A exemplo de 19 de Julho, em que, com os preclaros collegas Eduardo Diniz, Euvaldo Diniz e Alvaro de Carvalho, evitei que os moços soffressem em consequencia do seu enthusiasmo pela causa de S. Paulo, desmanchando-lhes com as nossas exhortações temeraria passeata, tambem naquelle dia a minha retirada importaria em marcharem elles para a rua , onde se exporiam, fatalmente, aos previstos effeitos da reacção policial.

Como se vê, portanto, mau grado a estranheza de V.Excia., não infrigi a boa ethica, - requisito que sei dos mais comesinhos ao honesto exercicio dos cargos de confiança. Dahi, o dever em que me sinto de reajustar o assumpto á suas exactas proporções, esperando se me faça a justiça de reconhecer naquella emergencia, - unico e empolgante objectivo: - a manutenção da ordem escolar.

Nisto resumiu-se a minha actuação. Se outros effeitos ella não logrou, certo, terá ensejado á V.Excia. a ufania com que allega em seu livro "não ter derramado sangue alheio", e á mim, a intima e confortadora compensação de haver poupado á querida Faculdade, mais tristes e amargurados dias. De V. Excia. patr.º obrº. - Bahia, 31 de Julho de 1934."

Na sua décima quarta entrevista a A Batalha, comentou J. J. Seabra ... ... : ... e no meu livro Humilhação e Devastação da Bahia e que culminaram no episódio de 22 de Agosto de 1932, quando o forasteiro mandou invadir a gloriosa Faculdade de Medicina da Bahia e dali retirou a mocidade academica sublevada a favor da Revolução Paulista, recolhendo, então, 514 estudantes, - a fina flôr da mocidade bahiana, - aos 6 e 7, a cubiculos da Penitenciaria , cubiculos que estavam interdictados, como imprestaveis para guardar criminosos comuns! Só a recordação de semelhante infamia é o bastante para traçar o perfil moral do forasteiro, a quem, em má hora e para opprobrio da Revolução de Outubro, o senhor Getulio Vargas entregou os destinos da Bahia. E recordando:

- Houve um grande jornal de Buenos Aires, La Prensa, que noticiando aqquelle attentado á Bahia, escreveu textualmente:

"Duvidamos da mentalidade juridica de um povo que prende professores e estudantes em Penitenciaria. Em taes casos, o povo que tem brio levanta-se e fulmina a tyrannia."

NELSON CARNEIRO E O SEU LIVRO "22 DE AGOSTO"

"O Snr.Nelson de Souza Carneiro assim conta, no seu livro, "22 de Agosto", o seu espancamento barbaro, nas priões da Capital bahiana: "o cabo grita, marcial, aos seus commandados: - "O que é que voces esperam?" Então, os chicotes assobiam no ar, os cannos de borracha zigzagueiam no espaço ... E só me deixam, desacordado, como um quai morto, a cabeça a arder das palmatoadas e as costas a gotejarem sangue - quando o comissario Albino Daltro Castro, a par de tudo a succeder e theatralmente industrialisado, surge bradando contra "aquelle absurdo" de que elle tivera, certamente, prévio conhecimento".

"O 22 DE AGOSTO NO LIVRO DO INTERVENTOR"

"Numa entrevista que A Nação , do Rio, me pediu, e A Tarde, aqui, transcreveu, já estudei, sob um aspecto geral, o livro de sr. interventor neste Estado, no capitulo paradoxalmente intitulado "A verdade sobre o 22 de Agosto".

Volto á materia, precisamente na data que recordará por todos os tempos a humilhação que se pensou impôr, nesta terra generosa, á flõr das suas academias e do seu magisterio superior, e de que somente seriam capazes governantes divorciados da Bahia, porque a ella estranhos, e nella alçados pela força das armas.

Vimos, por exemplo, que o snr. justificou com a confusão do momento, a prisão de dois professores da Faculdade de Medicina na Penitenciaria do estado. Mas esqueceu accrescentar que esses dois professores, - os srs. Adolpho Diniz e Mario Leal - só foram presos no dia seguinte, 23, aquelle, pouco antes de meio dia, em sua residencia, e o ultimo, á tarde, na Confeitaria Chile, quando se servia, calmamente, de um sorvete.

Que governo, esse, que abafa uma intentona, encarcerando para mais de quinhentos estudantes, e no dia seguinte ao dessa diligencia, ao seu criterio plenamente coroada de exito, ainda é presa, assim, da confusão ! Meditem os bahianos sobre o irrisorio dessa razão, á falta de melhores razões.

Vejamos, agora, por onde se apanha o snr. interventor no mais flagrante e escanbdaloso deslise de má-fé que já tenha, talvez, recommendado ao descredito publico algum escritor.

Á pag. 48 do seu livro Humilhação e Devastação da Bahia, escreve o snr. Seabra:

"Mas não é só. Os representantes da Congregação da Faculdade de Medicina, das Sociedades Medicas e Academicas e da Classe Medica e Academica da Bahia, reunidos em sessão nocturna a 23 de Agosto, escolheram, "para assegurar conforto moral e material aos professores e alumnos detidos", uma commissão composta dos illustres senhores Profs. Durval Gama, Heitor P. Fróes, e J. Adeodato Filho."

E continua, logo á pag. 49:

"Em um trecho do seu detalhado relatório, que tenho em mãos, diz a citada commissão:

- " Nesse momento foram narrados á Commissão, por alguns dos academicos, os vexames indescriptiveis e os crueis soffrimentos por que passaram muitos delle, atirados, sem ar, nem luz, em cubiculos infectos e mal cheirosos, ha muito deshabitados pelos proprios presidiarios, taes as condições anti-hygienicas dos mesmos. Em varios delles não havia um só colchão, nem uma esteira ao menos, que assegurasse alguns minutos de repouso ao grupo de 6, 8 a 10 estudantes, ahi encerrados, sobre o cimento ou a lage fria, e entre as quatro paredes humildes do cubiculo! Retirou-se a Commissção, penalizada, promettendo voltar, ainda uma vez nesse dia á Penitenciaria (o que realmente se verificou) procurando visitar em seguida os professores Adolpho Diniz, e Mario Leal - este ultimo tenente-coronel do exercito e membro do Conselho Penitenciario! - ambos installados numa grande sala do segundo pavimento do edificio central do predio. A attitude dos dois professores, como a dos demais presos politicos que ahi se encontravam, (todos pessoas de representação, bem conhecidas na Bahia), era de perfeita calma, mau grado explosões de incontida indignação, confiantes todos em que haveria de ser breve apurada a chimera dos intuitos subversivos de que constava seriam accusados."

Logo a seguir, reporta-se, ainda, o snr. Seabra a esse relatorio da Commissão, escrevendo á pag. 50:

"E prosegue a commissão a sua impressionante narrativa, ás paginas 8, do referido folheto:

_ "As 14 horas, separaram-se os membros da commissão para almoçar, dirigindo-se juntos, ás 4 da tarde, á 1.ª e á 2.ª delegacias, afim de visitar os professores ahi detidos, a quem offereceram fructas e charutos, promptrificando-se a providenciuar, de accordo com os desejos que lhe foram expressos. Na 1.ª Delegacia estava o professor Eduardo Diniz, encontrando-se na 2.ª os professores Mario Andréa, Euvaldo Diniz, Alvaro de Carvalho e Leoncio Pinto - todos regularmente acommodados e tratados com delicadeza e urbanidade pelos delegados e respectivos auxiliares."

Conclúe o snr. Seabra esse titulo reproduzindo o " demonstrativo das despesas" enquanto do annexo n.º 5, do relatorio em apreço.

Muito bem. Tudo muito claro, muito simples: a commissão, nomeada em secção noturna, de 23 de agosto, logo no dia seguinte, 24, deu cumprimento á sua missão, indo á Penitenciaria visitar os estudantes, e delles ouvindo os horrores que estão narrados, retirando-se em seguida, com a promessa de voltar ainda uma vez nesse dia á Penitenciaria, (o que realmente se verificou) procurando visitar em seguida os professores Adolpho Diniz e Mario Leal, ambos installados numa grande sala do segundo pavimento do edificio central do predio. A attitude dos dois professores, como a dos demais presos politicos que ahi se encontravam (isto é, na Penitenciaria e, entre elles, podemos destacar o advogado e jornalista Dr. Luiz Vianna Filho e o Advogado e antigo chefe de Policia, Dr. Pedro de Azevedo Gordilho), era de perfeita calma, etc.

Ás 14 horas, separaram-se os membros da commissão, para almoçar, e de novo se reuniram, ás 4 horas da tarde, quer dizer, duas horas depois, dirigindo-se, então, e juntos, á 1.ª e á 2.ª delegacias, afim de visitar os professores ahi detidos, (isto é, detidos na 1.ª e 2.ª delegacias). Na 1.ª estava o professor Eduardo Diniz, encontrando-se na 2.ª os professores Mario Andréa, Euvaldo Diniz, Alvaro de Carvalho e Leoncio Pinto.

Estes, portanto, foram visitados á tarde, depois das quatro horas. Os professores Adolpho Diniz e Mario Leal, presos na Penitenciaria, foram visitados, pela manhã, antes das 14 horas, e de uma segunda ida da Commissão áquelle presidio. Griphamos varios trechos, para melhor compreheensão.

Pois bem: querem vêr agora, para pasmar, como o Snr. Interventor versa, no seu livro, este ponto? A fls. 55 escreve textualmente:

"Para evidenciar o "mau tratamento" dispensado aos presos, basta reeditar as proprias citações do snr. Seabra de trechos do relatorio dessa commissão, certamnente os quais mais lhe conviam: - ... dirigindo-se juntos, ás 4 da tarde, á 1.ª e á 2.ª Delegacias, afim de visitar os professores ahi detidos, a quem offereceram fructas e charutos, promptificando-se a providenciar, de accordo com os desejos que lhe fossem expressos. Na 1.ª Delegacia estava o professor Eduardo Diniz, encontrando-se na 2.ª os professores Mario Andréa, Euvaldo Diniz, Alvaro de Carvalho e Leoncio Pinto - todos regularmente accomodados e tratados com delicadeza e urbanidade pelos delegados e respectivos auxiliares." E mais este outro: -

... "procurando visitar em seguida os professores Adolpho Diniz e Mario Leal - este ultimo tenente-coronel do Exercito e membro do Conselho Penitenciario ! - ambos installados numa grande sala do segundo pavimento do edificio central do predio."

Perceberam? Contenta-se o snr. Interventor de reeditar as proprias palavras do snr. Seabra, de trechos do relatorio dessa Commissão. Mas, de como as reedita, facil é vêr. Reedita-as, invertendo a ordem, com o repetir depois o que na citação do snr. Seabra vem antes, porque está antes no relatorio. Reedita-as, alterando-lhe o sentido, como o fazer crer, pelo reeditado, que os professores Adolpho Diniz e Mario Leal estavam presos tambem nas Delegacias de Policia.

A Commissão iniciára assim certo trecho do seu relatorio, transcripto pelo snr. Seabra : Ás 14 horas, separaram-se os membros da Commissão para almoçar, dirigindo-se juntos, ás 4 da tarde, á 1.ª e á 2.ª Delegacias. afim de visitar os professores ahi detidos, etc. O senhor Interventor repete esse trecho, más lhe subtráhe aquella entrada, em que se falava de 14 horas e de separação para almoço, e fica substituida por pontinhos: - "... dirigindo-se, juntos, ás 4 da tarde á 1.ª e 2.ª Delegacias", etc. Quando acaba a citação, esclarece, então, reeditando outro trecho: "E mais este outro: - " ... procurando visitar em seguida os professores Adolpho Diniz e Mario Leal, etc, ambos installados numa grande sala do segundo pavimento do edificio central do predio." Tambem aqui a Commissão principiára assim : (vide relatorio) - "Retirou-se a Commissão, penalizada, promettendo voltar ainda uma vez, nesse dia, á Penitenciaria, (o que realmente se verificou) procurando visitar em seguiuda os professores Adolpho Diniz e Mario Leal", etc.

O snr. Interventor reincidiu em subtrahir a parte inicial, substituindo-a, tambem, por pontinhos: - " ... procurando visitar em seguida os professores Adolpho Diniz e Mario Leal", etc.

E aquella simples indicação - "e mais este outro" - dá a entender, por si só, que o trecho que vai ser citado é subsequente, proximo ou remoto, ao já citado. Vimos, porém, que, ao contrario disso, elle é muito anterior.

Pelo modo como se fez a reedição, os professores Adolpho Diniz e Mario Leal foram visitados pela Commissão em seguida aos outros professores, que estavam detidos na 1.ª e 2.ª delegacias. Mas visitados, onde? Na grande sala do segundo pavimento do edifício central do predio, onde amos estavam installados. Si alguem mais curioso, desejasse saber que predio, esse, não encontraria difficuldade: o da 1.ª e 2.ª delegacias, ou o de uma ou de outra, si em predios diversos.

Assim, o trecho do relatorio que se prende immediatamente ao em que a commissão reproduz as queixas dos estudantes presos na Penitenciaria (citação do snr. Seabra, pag. 490, apparece agora reeditado no livro do snr. Interventor (pag. 55) como se dependesse immediatamente do trecho em que a commissão narra a visita aos professores detidos nas delegacias de policia, trecho que lhe é muito posterior. E quem houvesse prestado attenção, linhas atráz, á confissão do snr. Interventor de prendido na Penitenciaria dois professores, mas por motivo da confusão do momento, sentiria agora o espirito ainda em maior confusão, sabendo de tantos professores que estiveram presos, mas presos nas Delegacias. E chegaria, talvez, a pensar que, tendo ocorrido em 22 os acontecimentos determinativos dessas prisões, e sendo a 24, depois das quatro horas da tarde, a visita dessa commissão, já aquelles dois professores estiveram transferidos para as Delegacias de Policia, porque nos primeiros instantes, e pela confusão do momento, ficaram recolhidos á Penitenciaria.

Ahi está a tactica engenhosa do imaginoso capitão do Defendendo o meu governo. Mas o que o estrategista não podia suppor era fracasso tamanho, tanto maior e imprevisto quanto no folheto original do relatorio da Commissão, o que se lê, insophismavelmente, é o seguinte: "ambos installados numa grande sala do segundo pavimento do edificio central do Presidio" (Pag. 7). Leram bem? Presidio e não predio ! Houve, na citação do senhor Seabra , um erro de revisão, e desse erro se beneficiou o snr. Interventor, ao reeditar a citação. Qualquer leitor intelligente teria atinado para o destempero daquelle edificio central do predio. Menos o leitor a quem o destempero aproveitasse.

Por esta amostra corriqueira, vê-se de como é feito o volume do Interventor. E a lição a tirar, é a de que a virtude principal em quem pretenda escrever um livro, seja elle qual fôr, e especialmente um livro de defesa, é, sem duvida nenhuma, o respeito ao publico.

Aloysio de Carvalho Filho.

(Da A Tarde, de 22 de Agosto de 1934.)

 
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