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MONITORIA
Discussão Anatomo-Clínica
CARCINOSSARCOMA DE ÚTERO
Rafaela Malta* e Caetano Villasbôas*

IDENTIFICAÇÃO: A M D C, 68 anos, viúva, natural e procedente de Simões Filho-Ba, dona de casa, analfabeta, cristã.

Q.P: Internada para realização de procedimento cirúrgico.

H.M.A: Há cerca de um ano a paciente relata vir cursando com um sangramento intermitente, de duração variável, sem sintomatologia associada, informando, adicionalmente, que a ocorrência de sua menopausa acontecera há cerca de 25 anos. Além disso, refere perda de secreção transparente sem odor. Nega prurido, corrimento vaginal e dor. Trouxe laudo de biópsia compatível com carcinossarcoma uterino.

ANT. MENTRUAIS: Menarca antes dos 15 anos (não sabe precisar a idade), catamênios subseqüentes regulares. 

ANT. SEXUAIS: Coitarca aos 15 anos, dois parceiros, há 25 anos sem parceiro sexual.

ANT. OBSTÉTRICOS: G11 P8 A3, primeiro parto com 15 anos, último aos 29 anos. Todos normais, sem ser assistida por médico, feitos com auxílio de parteira, em casa.

ANT. FAMILIARES: Mãe falecida por câncer de útero – sic, pai falecido, cuja causa da morte não sabe informar. Um de seus irmãos faleceu de “morte súbita”, não sabendo também dizer a causa do óbito. Filhos com saúde aparente.

HISTÓRIA PREGRESSA: Hipertensa há muitos anos, uso regular de Adalat 40 mg/dia e hidroclorotiazida 25 mg/dia. Nega diabetes, hepatite, tuberculose, pneumopatias, cardiopatias e DST. Relata ter realizado cirurgia de colelitíase há aproximadamente 4 anos. Hemotransfusão após abortamento. Nega qualquer tipo de reação alérgica.

HÁBITOS DE VIDA: Ex-etilista de cachaça, diária, abstêmia há 10 anos. Tabagismo (de cachimbo) há 10 anos, freqüência diária, tendo começado a fumar aos 16 anos.

INTERROGATÓRIO SISTEMÁTICO

Geral: Discorreu sobre cefaléia associada a náuseas, vômitos e escotomas.
AR: Dispnéia leve ao subir escadas e nega tosse.
ACV: Palpitações, dor esporádica, retroesternal de pequena intensidade, caracterizada como “fina”.
AGI: Refere ressecamento que diz ter começado no mesmo período que iniciou o uso de antidepressivos, ritmo intestinal de 3 em 3 dias.
AGU: Nega disúria, poliúria e alterações de coloração na urina.

EXAME FÍSICO

Ectoscopia: Paciente com bom estado geral e hidratada.
Antropometria: 45 kg; 1,42m; IMC: 22,32
Gânglios: Supra e infraclaviclulares impalpáveis e axilares palpáveis (1 á direita e 1 à esquerda), móveis, indolores, de consistência fibroelástica, tamanho aproximado de 2 cm.
ACV: TA de 160X95mmHg; Fc: 88bpm; Bulhas normofonéticas em 2 tempos. Ausência de sopros.

EXAME GINECOLÓGICO

MAMAS: Inspeção Estática: Mamas de grande volume, bem implantadas, simétricas, pendentes, mamilos protusos, auréola mamilar sem lesões. Inspeção dinâmica: Ausência de retrações e abaulamentos. Palpação: Nódulos ausentes. 
GENITÁLIA: Vulva coaptada, monte de Vênus trófico, pêlos tricotomizados, sulcos gênito-curais sem alterações, períneo reparado, região perineal sem lesões. Formações labiais hipotróficas, sulcos interlabiais sem lesões, clitóris e meato uretral tróficos. Manobra de Vasalva: Ausência de descida de paredes vaginais.
EXAME ESPECULAR: Paredes vaginais com redução do pregueamento, rósea clara, com área de comissura direita hiperemiada, OE em fenda. TOQUE VAGINAL: Períneo insuficiente, colo de consistência fibroelástica, levemente doloroso à mobilização, fenda de saco posterior abaulada às custas de massa endurecida. Útero e anexos impalpáveis. 
TOQUE RETAL: Esfíncter anal suficiente, ampola retal vazia e em parede anterior palpa-se massa endurecida (útero reto posto), aproximadamente 5 cm.

Demais Sistemas: Sem alterações.

EXAMES COMPLEMENTARES

Hemograma Hb: 13,2 Ht: 41,8% Plaq: 251.000 TS: 1? TP: 100% ++PA: 32seg Creat: 0,6 Grupo A Rh: +
Leucograma T: 8.400 (Seg: 78,4% Eos: 1% Bas: 0 Linf: 18,3%)
Glicemia: 102 Ur: 23 TGO: 25 TGP: 10,0
S. Urina: (23/03/04) normal, exceto hematúria ++.
Parasitológico: Ovos de Ascaris lumbricoides + cistos de Escherichia coli, já tratada – sic
Raio X de tórax: Espondiloartrose dorsal mínima, aorta alongada e ateromatosa.
US TRANSVAGINAL (29/01/04): Útero de tamanho aumentado(187,5cm3), contornos regulares, conformação globosa e textura endometrial homogênea. Eco mal definido, observando em seu interior conteúdo líquido. Ausência de massas e coleções na região pélvica.
HISTEROSCOPIA (18/03/04): Cavidade uterina contendo grande formação polipóide que compreende toda a cavidade, com aumento de vascularização, apresentando focos hemorrágicos em áreas de pedículo e naquelas aderidas ao endométrio.
BIÓPSIA (23/03/04): Carcinossarcoma do endométrio
EXAME CITOPATOLÓGICO DO COLO DO ÚTERO (15/12/04): Insatisfatório por apresentar material escasso e hemorrágico.

BIÓPSIA:

Figura 1: Pequeno aumento. Limite entra a neoplasia e o miométrio.
Figura 2: Médio aumento. Porção glandular atípico de neoplasia.
Figura 3: Grande aumento. Idem
Figura 4: Pequeno aumento. Neoplasia com glândulas entremeadas por estroma.
Figura 5: Médio aumento. Componente estromal fusiforme predominante.
Figura 6: Grande aumento. Idem.
Figura 7: Grande aumento. Idem.
Figura 8: Grande aumento. Idem.
Figura 9: Pequeno aumento. Componente estromal com deposição de matriz eosinofílica..
Figura 10: Grande aumento. Idem.

EVOLUÇÃO: A paciente foi admitida no HUPES no dia 06/05/04. Na manhã do dia seguinte fez cirurgia de histerectomia, linfadenectomia bilateral da região dos vasos ilíacos e omentectomia infra-cólica. Teve um pós-operatório sem complicações, recebendo alta no dia 10/05/04.

COMENTÁRIOS: O caso trata-se de uma paciente do sexo feminino, 68 anos, no período pós-menopáusico, cuja queixa principal constitui sangramento anormal há cerca de um ano. Refere também em sua história que sua mãe falecera devido a um câncer uterino. No Exame físico ginecológico, foi encontrada por intermédio do toque vaginal, uma fenda de saco posterior abaulada às custas de massa endurecida. Além disso, no toque retal, em parede anterior, foi também constatada a presença de massa endurecida (útero reto posto). Quanto aos exames complementares, a Ultra-sonografia transvaginal mostrou aumento do tamanho uterino e este tendo conformação globosa A histeroscopia discorre sobre formação polipóide, compreendendo toda a cavidade. A biópsia foi conclusiva diagnosticando carcinossarcoma uterino. A paciente foi posteriormente submetida a histerectomia, linfadenectomia da região de vasos ilíacos e omentectomia infracólica.

Os sarcomas, em seu conjunto, representam 5% ou menos dos tumores uterinos [1] e dentre este grupo o carcinossarcoma uterino é o mais freqüentemente encontrado[2]. Os carcinossarcomas, também denominados de Tumores Müllerianos Mistos Malignos, podem surgir no ovário, na cérvice e no peritônio, embora com freqüência inferior a ocorrência uterina. São assim denominados por consistirem em elementos glandulares e do estroma (sarcomatosos) [1].

O componente sarcomatoso pode ser homólogo (composto de sarcoma do estroma endometrial e mais raramente leiomiossarcoma) ou heterólogo (rabdomiossarcoma, seguido dos condrossarcomas e osteo e lipossarcomas)[3]. Ocorre geralmente em mulheres na pós-menopausa, dado compatível com o caso descrito, sendo extremamente agressivos com prognóstico muito ruim [4] (apresentando uma taxa de sobrevida de 5 anos de 25%) [1]. Os sintomas mais comuns são sangramento uterino anormal e aumento do volume abdominal e a idade média é de 65 anos [3].

Há evidências de que os carcinossarcomas uterinos, tal como aqueles que ocorrem no cérebro e na bexiga são na realidade carcinomas metaplásicos, surgindo hipoteticamente ambos os componentes epiteliais e sarcomatosos, de uma mesma célula tronco ou mesmo, o elemento sarcomatoso derivaria diretamente do carcinoma durante a evolução tumoral (teorias da combinação e conversão).
Os fatores de risco são similares àqueles dos carcinomas: Obesidade, uso de estrógeno extrínseco e nuliparidade. Há também uma suspeita de que o uso do tamoxifen está associado ao desenvolvimento de lesões e hiperplasia endometrial. Em contraposição, a utilização de contraceptivo oral tem efeito protetor.

O principal motivo do alto grau de letalidade destes tumores decorre da recorrência pélvica ou abdominal. Assim como os carcinomas endometriais, as metástases destes tumores ocorrem, predominantemente, pela via linfática - sendo o acometimento pulmonar menos comum [4]. A taxa de metástase para o linfonodo é de cerca de 17% nos estágios mais precoces da doença [3].

Em comparação com os adenossarcomas endometriais Grau III, segundo a FIGO, e com os subtipos mais agressivos de carcinomas endometriais, os tumores malignos Müllerianos são os de pior prognóstico [4], com estimativa de 50% para pacientes em estágio I de morte ou recorrência [2].
Histopatologicamente, encontra-se, nas regiões adjacentes ao carcinossarcoma, hiperplasia endometrial e carcinoma intraepitelial endometrial, sugerindo a origem em comum dos componentes distintos. Por outro lado, no exame dos êmbolos tumorais encontra-se majoritariamente a presença de carcinomas [4]. É importante salientar que o crescimento polipóide – achado da histeroscopia da paciente em questão - associado a este tipo de tumor que pode fazer protusão no óstio cervical [1], sendo que o potencial de diferenciação sarcomatosa pode ser aumentado em diversos sítios de crescimento polipóide, tal como a cavidade peritonial e vaginal[4].

De acordo com análises imunohistoquímicas, os carcinossarcomas expressam tanto vimentina quanto citoqueratina e são marcados em ambos os componentes tanto positivamente quanto negativamente quanto à presença de p53. Além disso, o componente carcinomatoso expressa mais VEGF, tendo um maior potencial angiogênico. O componente carcinomatoso possui índice apoptótico inferior à parte sarcomatosa, apresentando superioridade, quando comparado com este mesmo componente, quanto ao índice mitótico e expressão de metaloproteinase (MMP – 7), ou seja, é o maior responsável pela agressividade tumoral.
É importante destacar que nem todos os componentes estromais destes tumores são derivados da porção epitelial (teoria da colisão), tendo em vista que nem todos os indícios desta origem em comum foram encontrados unanimemente em todos os estudos realizados sobre este tema [4].

O tratamento atual destes tumores é o cirúrgico radical com estadiamento patológico – cirúrgico ou citorredutor nos casos mais avançados – procedimento feito na paciente na tentativa de solucionar o sofrimento da mesma.
Para diversos autores, a radioterapia complementar diminui a recorrência local, mas não interfere na sobrevida total. Quanto ao tratamento quimioterápico, os agentes mais eficazes são a dexorrubicina, substância usada para tratar diversos sarcomas, e a cisplatina, dirigida contra o componente carcinomatos, mas as respostas são parciais e de curta duração. O GOG não encontrou alteração na sobrevida de pacientes submetidos a tratamento complementar com adriamicina isolada.

Não existe nenhuma recomendação terapêutica adjuvante já estabelecida, tendo em vista a raridade de estudos duradouros que visem avaliar a resposta farmacológica a determinados tratamentos. De acordo com um dos poucos estudos realizados, fazendo-se um esquema complementar com CYVADIC (ciclofosfamida, vincristina, doxorrubicina e decarbazina), a sobrevida em 5 anos foi 89% e a sobrevida livre da doença foi 80%. Em protocolo inicial com cirurgia e adriamicina, a sobrevida em 5 anos foi 63% e a sobrevida livre da doença foi de 75%. Com tratamento cirúrgico exclusivamente a sobrevida é 36% e 46%, respectivamente [3].

BIBLIOGRAFIA:

  1. COTRAN, R. S; KUMAR, V; ROBBINS, S. L. Tumores Mesodérmicos Mistos Malignos. In: .: Patologia Estrutural e Funcional, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S. A., 4a ed., 1991 , p.953.
  2. KRIVAC, T.C., et al.: Uterine adenosarcoma with sarcomatous overgrowth versus uterine carcinosarcoma: comparison of treatment and survival. Gynecol Oncol. 83(1): 89-94, 2001.
  3. HALBE, H. W. Sarcomas Müllerianos Mistos. In: .: Tratado ded Ginecologia, São Paulo: Roca, .2a ed., 1993 , v.2, p.1895-1896.
  4. MCCLUGGAGE W. G.: Malignant biphasic uterine tumours: carcinosarcomas or metaplastic carcinomas? J Clin Pathol 55 (5): 321-5, 2002. Review

* Monitor e aluno do curso médico da Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia, cursando o 5º semestre.

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Univerdidade Federal da Bahia - Faculdade de Medicina da Bahia
Prof. Luciano Espinheira Fonseca Júnior, Professor-adjunto e coordenador de MED-216
Laudenor P. Lemos-Júnior, aluno do 4º ano e monitor da MED-216