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MONITORIA
Discussão Anatomo-Clínica
CARCINOMA MEDULAR DE TIREÓIDE

Vanessa Camelier* e M ª Gabriela C. Cavalcante*

IDENTIFICAÇÃO: A.S.F., 43 anos, sexo feminino, casada, servente, natural de Pompéia (SP) e procedente de Conceição do Jacuípe (BA).

H.M.A: Paciente refere que, a cerca de 7 anos, cursou com discreta protrusão do globo ocular esquerdo, associada a sensação de “areia no olho”, dor, caracterizada como em compressão, e prurido ocasional. Relata ainda dores nos MMSS e MMII, astenia, alopecia, palpitações, tremores nas extremidades, instabilidade emocional e intolerância ao calor. Paciente negou alterações do sono ou ponderais, dispnéia e disfagia. No primeiro momento, procurou oftalmologista para avaliação (I.D.: Tireoidopatia a esclarecer), o qual solicitou uma consulta com endocrinologista (nov/97). Foram realizados ultrassonografia, cintilografia (vide Exames Complementares) e função tireoidiana e prescrito Propanolol 40 mg via oral (1/2 comprimido de 12 em 12 hrs, sendo depois aumentado para 1/2 comprimido 3X/dia). O quadro era de oftalmopatia de Graves, mas não estava aflorado. Inclusive a captação ainda não estava elevada.

I.S: Nega rouquidão e precordialgia; refere prurido vaginal e dispareunia.

ANTECEDENTES PESSOAIS

  • Médicos: Paciente alérgica a carne de porco, poeira, amendoim, camarão, trigo, lã, fungos; em tratamento.
  • Ginecológicos: Laqueadura tubária há 14 anos.
  • Familiares: Tias paterna e materna com DM, irmã cardiopata + HAS, nega tireoidopatia e histórico de amaurose na família. Não soube informar sobre glaucoma.

HÁBITOS DE VIDA: Nega etilismo, ex-tabagista há 3 anos (05 cigarros/dia). Passado de moradia em casa de taipa.

EXAME FÍSICO

Geral : Paciente em BEG, LOTE, eupnéica, afebril, mucosas coradas, escleróticas anictéricas. Peso = 59 Kg / Altura = 1,54 / IMC = 24,9. PA = 120/80mmHg PR = 88bpm.
Pescoço: tireóide aumentada e de superfície regular.
AR: MVBD sem RA. ACV: BRNF em 2T, sem sopros.
Abdome: RHA +, discretamente doloroso à palpação em hipogástrico e FIE.
Extremidades: sem edemas e acianóticas, com tremores finos.
Reflexos: patelar e aquileu presentes e simétricos.
Gânglios: pré-auriculares e sub-mandibulares impalpáveis.
Exame Oftalmológico: Presença de exoftalmia à esquerda. Pálpebras, cílios e conjuntivas sem alterações. Pupila fotorreagente, câmara anterior ampla, MOE sem alterações. Oftalmoscopia mostrou estruturas normais.

EXAMES COMPLEMENTARES

USG DE TIREÓIDE : tireóide discretamente aumentada de volume, ecotextura heterogênea com pequeno nódulo sólido, hipoecogênico, medindo 6 mm de diâmetro localizado no LD. LD = 5,3 X 2,0 X 1,6 cm LE = 5,0 X 1,5 X 1,6 cm (Out/97);

CINTILOGRAFIA Captação de I 131 = 20% em 24 hrs ( VR: 8 à 35% ). Conclusão : normocaptação tardia do radioiodo pela tireóide. Impressão Diagnóstica : Bócio Difuso . (Nov/97)

EXAMES LABORATORIAIS

SETEMBRO / 97

T4 = 12,8 ug/100ml (VN = 4,5 – 13,0)
T3 = 2,0 ng/100ml (VN = 0,5 – 2,1)
TSH = 0,03 uUI/ml (VN = 0,10 – 9,0) (dim.)
AntiTPO = 8,86 U/ml (VN< 0,3 U/ml) (aum.)

NOVEMBRO / 97
TRH/TSH
coleta basal 0,58(0,8 – 5,0); 30 min após 0,8 mUI/ml; 60 min após 0,47 mUI/ml

SUSPEITAS DIAGNÓSTICAS: Doença Auto-imune; Oftalmopatia de Graves.

BIÓPSIA:

Figura 1: Pequeno aumento.
Figura 2: Pequeno aumento.
Figura 3: Médio aumento. Idem.
Figura 4: Médio aumento.
Figura 5: Grande aumento. Idem.
Figura 6: Grande aumento. Idem.
Figura 7: Grande aumento. Idem.
Figura 8: Pequeno aumento. Idem.
Figura 9: Pequeno aumento. Idem.
Figura 10: Pequeno aumento. Idem.
Figura 11: Pequeno aumento. Idem.

EVOLUÇÃO

26/03/98: Paciente com suspeitas diagnósticas de Doença de Graves relata que com a medicação o tamanho dos olhos está diminuindo e alguns dos sintomas tiveram melhoras. Terapêutica: Propanolol 40 mg (1/2 comprimido VO de 08/08 hrs), um remédio para alergia e vacinas para alergia. PA = 110/95mmHg PR = 100bpm. Conduta: Manter propanolol e, quando a paciente trouxer a captação e o mapeamento, programar iodoterapia.

07/05/98: Relata dor em MMII, indisposição, nervosismo, palpitações, sensação de calor. Refere ainda dor em região cervical esquerda com irradiação para HTE, nervosismo, indisposição, sudorese, palpitações. Informa ainda que acha que os olhos estão de igual tamanho, pois o menor aumentou. Terapêutica: Propanolol 40 mg (1/2 comprimido VO de 08/08 hrs) e Polaramine 02 mg 3X/dia. PA = 90/70mmHg PR = 128bpm. Conduta: Orientou-se a realização de novos exames de controle hormonal, nova cintilografia e captação. Após os resultados, encaminhamento para dose terapêutica de Iodo.

01/07/99: Paciente permaneceu 14 meses sem acompanhamento médico, além de ter suspendido a medicação prescrita (propanolol) por conta própria há 12 meses e não ter feito uso da dose treapêutica de Iodo radioativo. Relata que cursou com piora dos sintomas, referindo muita astenia, sudorese profusa, tremores nas extremidades, nervosismo, mas com sono preservado. Referiu também regressão da exoftalmia. Ao exame físico, constatou-se a pele quente; tireóide aumentada de tamanho com nódulo raso de +/- 1 cm em LD; tremores finais de extremidades, com calor irradiante; e reflexos patelares exaltados. PA = 120/90mmHg PR = 88bpm. Conduta: Solicitou-se, então, novos exames para avaliação da evolução do hipertireoidismo (hormônios, USG, cintilografia).

01/10/99: Foram solicitadas novas dosagens de T3, T4 L, TSH e nova cintilografia da tireóide com duas captações em 24 hrs. Tapazol 20 mg foi mantido.

04/05/00: Paciente em uso de Tapazol 20 mg, refere manutenção de nervosismo, sudorese. Diz ter melhorado da insônia. Ao exame físico, tireóide aumentada de 2X, fibroresistente, superfície irregular, sem nódulos ou gânglios cervicais palpáveis. Extremidades sem edemas ou tremores. Pele um pouco “pegajosa”. PA = 110/70mmHg PR = 88bpm. Realizada nova cintilografia da tireóide (11/04/00) com resultado a considerar. Conduta: Foi prescrito dose terapêutica de I 131 .

16/11/00: Paciente segue em uso de Tapazol 20 mg. Não fez dose terapêutica de I 131 (contra-indicada pela medicina nuclear). Evolui relatando nervosismo discreto, palpitações e tremores. Às vezes sudorese moderada. Nega insônia, ritmo intestinal 01 vez/dia, mas refere ganho ponderal neste último período (cerca de 4 Kg). Ao exame físico, tireóide aumentada de 2X, fibroresistente, sem nódulos palpáveis ou gânglios cervicais aumentados. Extremidades sem edemas e com tremores finos. Pele quente, irradiando calor. Reflexos pouco exacerbados. Olhos sem proptose e MOE sem comprometimento. PA=110/70mmHg PR = 88bpm. Realizada nova cintilografia da tireóide (18/08/00). T4 L (18/08/00) = 1,57 (VN = 0,8 – 2,0). Conduta: Diminuição da dose do Tapazol para 10 mg/dia. Prescrito complexo B. Solicitação de nova função tireoidiana e dosagem de magnésio.

  1998 1999 2000
T4 Livre 2,7 ug/100ml
(VN=0,8–2,0)
2,55
(VN=0,68–1,76)
0,76
(VN=0,68– 1,76)
TSH 1,63 uUI/ml
(VN = 0,4 – 4,5)
0,19
(VN=0,34 - 5,6)
0,01
(VN=0,34–5,6)
T3 *** 1,69
(VN = 0,8 – 2,0)
0,65
(VN=0,8–2,0)
AAM Positivo (1:1600) Positivo (1:6400)
Positivo (1:6400)
AntiTPO *** *** ***

01/10/99: realizada cintilografia da tireóide com Tc99 que mostrou glândula tópica, morfologia preservada, contornos bem definidos, aumentada de grau leve, homogênea, sem lesões nodulares ao estudo. Conclusão: Bócio difuso com captação 24 hrs do Iodo 131 nos limites superiores à normalidade. Captação: 44%/24 hrs.

11/04/00: mostrou glândula tópica, de dimensões aumentadas, com radiofármaco alta intensidade, heterogênea com predomínio do LD, sem evidências de lesões nodulares. Conclusão – discreto bócio difuso hiperfuncionante. Captação 41% em 2 hrs e 88 % em 24 hrs, mostrando hipercaptação precoce e tardia.

18/08/00: cintilografia com Tc99 mostrou tireóide hiperfuncionante com dimensões nos limites superiores à normalidade. Captação: 50 % em 24 hrs (hipercaptação tardia).

05/04/01: Paciente em uso de Tapazol 10mg/dia e Propanolol 40mg/dia, retorna negando insônia, nervosismo, tremores, sudorese, alteração do ritmo intestinal. Refere ganho ponderal no período. Ao exame físico, tireóide aumentada de 2X, fibroresistente, sem sopro ou frêmito, sem lindonodos palpáveis. Abdome doloroso à palpação de abdome inferior, sem visceromegalia ou dor à descompressão. Pele e reflexos normais. Conduta: Foi orientada a suspensão das medicações e solicitadas novas dosagens hormonais com 45 dias e ultrassonografia.

21/06/01: Paciente sem uso de quaisquer medicações, retorna relatando melhora do quadro de nervosismo, tremor, insônia e sudorese. Relata ainda intolerância ao frio no período e astenia. Nega sonolência. Ao exame físico, tireóide pouco aumentada de tamanho, endurecida, sem nódulos palpáveis. Pele ressecada e extremidades sem edemas. PA = sem tensiômetro disponível PR = 84 bpm. Mg = 2,1 (VN = 1,9 – 2,5). Conduta: Aguarda-se resultados da função tireoidiana e USG da tireóide.

19/07/01: Paciente cursa assintomática, sem uso de medicações. Vem trazer resultados de exames. Conduta: acompanhamento a cada 6 meses.

06/03/03: Paciente sem uso de medicações, apenas refere utilização esporádica de Diazepam 5 mg. Retorna referindo episódios de insônia, aumento dos ciclos menstruais para 5 dias e ritmo intestinal diário. PA = 90/60mmHg PR = 80bpm. Trouxe resultados de exames. Ultrassonografia da tireóide (12/03/03) mostra LD (1,7 X 4,3 X 1,3 cm ) com textura heterogênea às custas de imagem hipoecóica em 1/3 médio com 1,5 cm. LE (1,1 X 4,0 X 1,0 cm ) com textura homogênea e contornos regulares. Conclusão: nódulo sólido em LD. Conduta: Solicitou-se PAAF e aguarda-se a função tireoidiana. Hemograma e bioquímica normais.

29/05/03: Paciente com diagnósticos de Doença de Graves (há +/- 5 anos, tratada com medicação) e Nódulo Tireoidiano em LD. Paciente retorna sem novas queixas e fazendo uso esporádico de Diazepam 5 mg e outra medicação que não soube referir. Ao exame físico, ausência de adenomegalia cervical. PA = 100/80mmHg PR = 72bpm. Conduta: Solicitou-se novamente a PAAF.

28/08/03: Paciente sem uso de medicações, retorna negando alteração do apetite e sonolência. Ritmo intestinal 3/3 dias. Referiu artralgia em quirodáctilos. Ao exame físico, tireóide de superfície irregular às custas de nódulo em LD, fibro-resistente e móvel. PA = 110/60mmHg PR = 80bpm. Conduta: aguarda-se PAAF.

20/11/03: Ao exame físico, PA = 110/70mmHg PR = 76bpm. Resultado da PAAF (20/08/03) diagnosticou nódulo proliferativo epitelial em lobo direito com indicação de conduta cirúrgica. Conduta: Paciente foi encaminhada para a cirurgia.

12/05/04: Paciente evolui hemodinamicamente estável, tendo sido submetida à Tireoidectomia Subtotal secundária a Nódulo Tireóideo. Recebe alta em boas condições e orientada, sendo solicitado o seu retorno, ao hospital, para acompanhamento.

  2001 2002 2003
T4 Livre 10,2
(VN=12–22 pmol/l)
1,5 ng/dl
(VN =0, 75 – 1,8 )
1,4
(VN=0,8–1,9 ng/dl)
TSH 5,77
(VN=0,34– 5,6)
1,74
(VN = 0,35 – 5,3)
2,2
(VN=0,4–4,0 uUI/ml)
T3 1,11
(VN= 0,8 – 2,0)
*** 93
(VN=70–170 ng/dl)
AAM Positivo (1:600) *** ***
AntiTPO *** *** 216 UI/ml (VR<15)

 

RESUMO E COMENTÁRIOS: Trata-se de uma paciente do sexo feminino, 43 anos de idade, com história de exoftalmia unilateral, em globo ocular esquerdo, associada a sintomas de tireotoxicose. Após consulta com oftalmologista, foi encaminhada ao ambulatório de endocrinologia onde foi diagnosticada Doença de Graves. A ultrassonografia mostrou tireóide aumentada discretamente de tamanho
com pequeno nódulo sólido, hipoecogênico, medindo 6 mm de diâmetro em lobo direito. A cintilografia mostrou normocaptação tardia do radioiodo pela tireóide.

Paciente evoluiu com manutenção dos sintomas durante seis anos. Em Fev/03, foi realizada nova ultrassonografia que mostrou nódulo sólido em LD com 1,5 cm. PAAF realizada em Set/03 mostrou nódulo proliferativo em lobo direito. Paciente foi encaminhada para cirurgia, tendo realizado Tireoidectomia Subtotal secundária a Nódulo Tireóideo. O exame anátomo-patológico revelou Carcinoma Medular da Tireóide em lobo direito (1,5 cm) e Tireoidite Linfocítica.

Aspectos Gerais

Embora seja a malignidade endócrina mais comum, o Câncer de Tireóide é uma doença rara, correspondendo a cerca de 1% de todos os casos de neoplasia maligna. [1]

Este tipo de câncer é representado por um grupo heterogêneo de tumores, que possuem uma grande variabilidade em seu comportamento biológico, aparência histológica e resposta à terapia. [2]

Os tumores malignos da Tireóide são provenientes de dois grupos celulares de origens embriológicas distintas. As células C, neuroendócrinas, produtoras de calcitonina, cujo tumor é o Carcinoma Medular, e as células Foliculares produtoras de T4 e tireoglobulina que originam os tumores bem diferenciados e os indiferenciados. [2]

O Carcinoma Medular da Tireóide ( CMT ) representa 3 a 10% dos tumores malignos da glândula. Ele consiste de neoplasia de células parafoliculares ou células C, produtoras de calcitonina. [1]

O CMT é mais freqüente na forma esporádica ou não – hereditária (75-80%) [3] . Nos demais casos, é uma doença hereditária autossômica dominante com alto grau de penetrância e variabilidade de expressão podendo fazer parte de 3 síndromes clínicas distintas dependendo dos órgãos envolvidos : Neoplasia Endócrina Múltipla (NEM), 2A e 2B, e Carcinoma Medular da Tireóide Familiar (CMTF) [1] .

Patogênese

Estudos genético – moleculares realizados nos últimos anos têm demonstrado o envolvimento do proto – oncogene RET (rearranged during transfection) na maioria da formas hereditárias de CMT e, em menor freqüência, em sua forma esporádica. O principal fator predisponente é a radiação, particularmente na infância. [1]

Mutações somáticas ( identificadas apenas no tumor ) no gene RET estão sendo implicadas na patogênese da forma esporádica, mas estas mutações não parecem ser uniformes entre as várias subpopulações de células dentro de um mesmo tumor e mesmo de suas metástases. [1]. Para alguns autores, esta heterogeneidade entre as células tumorais de um mesmo paciente sugere que o CMT possa ter uma origem policlonal, ou então que as mutações no proto – oncogene RET não sejam eventos iniciais na tumorigênese do CMT esporádico, mas sim de progressão. [1]

O gene RET codifica, no homem, um receptor transmembranoso da família das tirosino-quinases ( TK, do inglês tyrosine-kinase ) para uma família de ligantes, da qual o paradigma é o fator de crescimento neurotrófico derivado de células da glia (GDNF, glial cell-derived neurotropic growth factor).

Este gene está altamente expresso em alguns tecidos normais e tumores derivados da crista neural. Ao ser induzido, o RET ativa múltiplas e complexas vias de sinalização intracelulares ( RAS/MAP quinase, fosfatidilinositol 3 – quinase ) que são responsáveis pela ação do receptor RET no controle da proliferação, sobrevida, diferenciação, interação e motilidade celulares, ativação oncogênica e fenótipo neoplásico. Entretanto os mecanismos moleculares pelos quais as mutações levam à transformação neoplásica da célula não estão bem definidos

Características do CMT Hereditário

Geralmente, o CMT é a primeira manifestação neoplásica de famílias com NEM 2 tendo em vista sua elevada penetrância e seu aparecimento precoce[5], principalmente no subtipo 2 A (75 %) [6] . As associações da síndrome NEM 2 (Tabela 2) se relacionam à origem embriológica única das células C da Tireóide, da Medula Adrenal, da Paratireóide e do Plexo Nervoso Autonômico Entérico, todos derivados da crista neural. [3]

Entre os adultos afetados com MEN 2A, cerca de 90% deles apresentam CMT, 50% feocromocitomas e 20-30% tumores da paratireóide [6]. A doença adrenomedular é usualmente multicêntrica e bilateral, geralmente detectada após o aparecimento de CMT e com taxa de malignidade inferior a 10% [3] . O hiperparatireoidismo ocorre em, aproximadamente, 10 a 20% dos indivíduos com NEM 2A, acometendo geralmente todas as glândulas paratireóides [3]. A lesão histológica mais comumente observada nos estágios iniciais da doença é a hiperplasia da glândula, porém, se a doença é diagnosticada mais tardiamente, a lesão adenomatosa se superpõe à hiperplasia [3] . Ressalta-se que em casos de NEM 2A, a hipertensão pode ocorrer devido a presença do feocromocitoma e a hipercalcemia e cálculos renais são decorrentes do hiperparatireoidismo que pode estar presente.

A síndrome NEM 2B caracteriza-se por CMT (90%) de comportamento muito agressivo, feocromocitoma (45%), ganglioneuromatose (100%) e hábitos marfanóides (65%) [3] . Essa síndrome caracteriza-se por um fenótipo único, que inclui ganglioneuromatose difusa da língua, lábios, olhos e do trato gastrointestinal. As fácies características são precocemente reconhecidas durante a infância (neuromas da mucosa). O envolvimento gastrointestinal pode causar diarréia e constipação intermitente, dor abdominal, megacólon e, ocasionalmente, obstrução intestinal. Outro aspecto fenotípico da NEM 2B é o hábito marfanóide com dedos e extremidades longas, hiperextensão de articulações e anormalidades epifisárias [3] .

O CMTF consiste na presença de CMT isolado em, pelo menos, quatro membros da mesma família, e as outras formas de CMT hereditário consistem no acometimento de dois ou três membros da mesma família com CMT, sem a presença de feocromocitoma ou hiperparatireoidismo [3] .

O CMT esporádico origina – se de uma única célula C evoluindo para um tumor solitário [1] . A calcitonina, o principal produto secretório das células C, é considerado o marcador bioquímico para diagnóstico e seguimento pós – operatório dos pacientes com CMT [1] . Outras ubstâncias são produzidas, entre elas: CGRP, CEA, amilóide, somatostatina, ACTH, prostaglandinas, catecolaminas, substância P dentre outras. [1]

Clinicamente, se caracteriza como nódulo único ou massa tireoidiana indolor, associada a linfadenopatia cervical ou a outros sintomas locais. Geralmente, sem associações com outras endocrinopatias múltiplas e o fenótipo do paciente é normal; a incidência é maior na 4 ª e 6 ª décadas de vida. [2]

Alguns pacientes, entretanto, têm sintomas de doença invasiva como dor, disfagia, rouquidão, sinais de comprometimento respiratório e/ou sintomas de síndrome paraneoplásica devida à secreção hormonal pelas células tumorais (rubor facial, diarréia, dor óssea, síndrome de Cushing). [1]

Diagnóstico [1]

O diagnóstico é baseado na história clínica, exame físico, calcitonina e CEA elevados, e biópsia por agulha fina seguida de citologia. A investigação inicial por imagem deve ser feita através da ultrassonografia cervical. [1]

A confirmação do diagnóstico de CMT é realizada pelo exame anátomo – patológico da peça cirúrgica, que, macroscopicamente, apresenta-se como uma massa firme de tamanha variável, podendo ser de difícil visualização até vários centímetros. Localiza-se preferencialmente na área de maior concentração de células C, ou seja, nos dois terços superiores da tireóide, principalmente nas suas porções mais laterais.

No CMT esporádico, o tumor é caracteristicamente unicêntrico. Menos do que 20% dos pacientes com esta forma de CMT apresentam tumor acometendo a glândula bilateralmente, e acredita-se que quando isto ocorre é uma extensão do tumor primário. Já nas síndromes hereditárias, o CMT é usualmente multicêntrico, acometendo ambos os lobos tireoidianos em praticamente 100% dos casos.

À microscopia óptica, a aparência típica do CMT é a de ninhos ou ilhas de células que podem ser fusiformes, poligonais, arredondadas ou ovais; o citoplasma apresenta uma granulação fina e os núcleos são uniformes e centrais, com uma relação núcleo-citoplasmática baixa. O tumor comumente invade vasos sangüíneos e linfáticos. O estroma tumoral caracteristicamente contém amilóide, porém em 15-20% dos casos ele está ausente. Este amilóide é formado a partir da calcitonina ou, mais possivelmente, da pré-calcitonina

A dosagem de calcitonina não serve para a triagem diagnóstica, já que existem outras doenças em que há elevação de calcitonina, como o câncer de mama e pulmão e tireotoxicose, o que deve ser levado em conta no diagnóstico diferencial. [5]

Como o CMT capta 131 I– MIBG (metaiodobenzilguanidina), a cintilografia com esta substância pode ser usada não só para se obter mais um dado diagnóstico, mas também na procura de metástases em pesquisa de corpo inteiro (PCI). [1]

O diagnóstico de CMT pode ser dificultado não só pela ausência de amilóide,
mas também pela presença de variantes histológicas deste tipo tumoral, como variante papilífera, variante glandular/folicular, variante oxifílica, variante de células gigantes, variante de células pequenas, variante escamosa e outras.

A imunohistoquímica para calcitonina confirma o diagnóstico de CMT. A marcação usualmente é intensa e atinge quase todas as células tumorais, porém algumas lesões, na maioria das vezes do subtipo de células pequenas, podem não expressar imuno-reatividade para calcitonina.

Outro marcador sensível, mas não específico para CMT, é o CEA, que é positivo em 88–100% dos casos.

Prognóstico

Geralmente, é mais agressivo que os carcinomas bem diferenciados de tireóide. A principal via de disseminação é linfática, sendo alta a freqüência de metástases macro ou mesmo microscópicas para gânglios linfáticos regionais. A incidência de metástases cervicais correlaciona-se com o tamanho do tumor primário (9,5–30% nos de até 1cm / 55– 60% nos maiores de 2 cm). A virulência tumoral diminui progressivamente nos casos de NEM 2B, CMT esporádico, NEM 2 A e CMTF. [1]

Em fases mais avançadas da doença, outros sítios comuns de metástases são mediastino, gânglios do hilo pulmonar, pulmôes, fígado e ossos. [1]

A sobrevida em 10 anos é de cerca de 90% em doença confinada à tireóide, 70% na presença de linfonodos comprometidos e 20 % com metástases a distância.

Tratamento

O único tratamento eficaz do CMT, seja na forma esporádica ou na hereditária, é a cirurgia. Nos casos onde não existem metástases cervicais clinicamente detectáveis, considera – se como obrigatória a tireoidectomia total associada ao esvaziamento cervical central eletivo. Naqueles pacientes portadores de metástases cervicais, o esvaziamento cervical deve ser total e, se possível, funcional. [1]
A quimioterapia e a radioterapia apresentam resultados limitados no tratamento do CMT. [3]

A radioimunoterapia é uma nova modalidade terapêutica, na qual anticorpos monoclonais anti CEA são utilizados para o tratamento do CMT, mas a remissão do quadro não foi atingida. [3]

A terapia gênica abre uma perspectiva promissora para o tratamento do CMT. Distintas abordagens têm sido utilizadas: introdução de genes supressores tumorais; transferência de genes que aumentam a resposta imunológica contra o câncer (imunização gênica) e terapias combinadas. [3]

Seguimento [1]

O seguimento dos pacientes pode ser realizado a partir das dosagens séricas de calcitonina e antígeno carcinoembrionário, que devem ser obtidas em torno de 2 meses após a tireoidectomia, devido à meia-vida longa destes marcadores na circulação sangüínea.

Os níveis normais de calcitonina são excelentes indicadores de uma ressecção curativa, enquanto que níveis elevados desse marcador indicam a necessidade do rastreamento de metástases.

BIBLIOGRAFIA:

  1. MAGALHÃES, P. K .R., et al.: Carcinoma Medular de Tireóide: da Definição às Bases Moleculares. Arquivo Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia 47 (5): 515-525, 2003.
  2. FERRAZ, A. R., et al.: Diagnóstico e Tratamento do Câncer da Tireóide. Projeto Diretrizes: 1-8, 2001.
  3. PUÑALES, M. K., et al.: Carcinoma Medular de Tireóide: Aspectos Moleculares, Clínico – Oncológicos e Terapêuticos. Arquivo Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia 48 (1): 137-145, 2004.
  4. BERNE, R. M., LEVY, M. N. A Glândula Tireóide. In.: Fisiologia, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A., 3a ed., 1996, p.875-889.
  5. MACIEL, R. M. B.: Tumorigênese Molecular Tireoideana: Implicações Para a Prática Médica. Arquivo Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia 46 (4): 381-391, 2002.
  6. PEIXOTO, M. C., et al.: Avaliação da Incidência e do Comportamento do Câncer de Tireóide em Pacientes Com Doença de Graves Submetidos a Tireoidectomia. Arquivo Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia 47 (5): 566-571, 2003.
  7. MURUSSI, M., et al.: Punção Aspirativa de Tireóide com Agulha Fina em um Hospital Geral: Estudo de 754 Punções. Arquivo Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia 45 (6): 576-583, 2001.
  8. SILVA, T. F. G. M, POSSÍDIO, D. A. Distúrbios Funcionais da Tireóide. In.: Condutas em Clínica Médica, Rio de Janeiro: Editora Médica e Científica Ltda., 2a ed., p.495-515, 2001.
  9. MACIEL, R. M. B.: O Laboratório no Diagnóstico e Seguimento de Doenças Auto-imunes e Neoplásicas de Tireóide. Arquivo Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia 46 (1): 65-71, 2002.
  10. DEDIVITIS, R. A., et al.: Variante Oncocítica do Carcinoma Medular. Relato de Caso. Arquivo Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia 48 (2): 315-317, 2004.

* Monitora e aluna do curso médico da Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia, cursando o 5º semestre.

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Prof. Luciano Espinheira Fonseca Júnior, Professor-adjunto e coordenador de MED-216
Laudenor P. Lemos-Júnior, aluno do 4º ano e monitor da MED-216