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MONITORIA
Discussão Anatomo-Clínica
ESQUISTOSSOMOSE HEPATO-ESPLÊNICA
Pablo Melo* e Rafael Araújo*

IDENTIFICAÇÃO: C.S.P, 63 anos, viúvo, natural de Santo Antônio de Jesus e procendente de Salvador.

H.M.A: Paciente refere que há dois anos iniciou um quadro de edema recidivante de membros inferiores, em média 05 episódios por ano, que evoluia com ascite. Ao procurar auxilio médico foi informado que sofria de “ retenção hídrica” sendo prescrito Furosemida do qual fazia uso sintomático quando o quadro recorria.
Há dois meses apresentou novo episódio com maior importância, sendo procurado novo profissional de saúde. Foi constatado nessa nova avaliação um comprometimento de função renal e HAS. Posteriormente foi encaminhado ao HUPES para avaliação etiológica do quadro e verificação de necessidade dialítica, sendo internado no dia 06/06/03.
Ao internamento trazia uma USG abdominal que evidenciava líquido livre na cavidade e uma imagem hipoecoica em pólo rim direito como únicas alterações (rins de tamanho normal). Trazia um resultado recente de uréia de 188, creatinina de 4 e um ECG com um BDAS.

I.S.: Paciente nega outras queixas ou alterações durante o período de doença.

ANTECEDENTES MÉDICOS: Cirurgia ortopedica em MID na qual fez uso de Hemoderivado há 09 anos. Refere asma e nega DM, tuberculose.

ANTECEDENTES FAMILIARES: Mãe e irmão com comprometimento renal não especificado. Nega cardiopatias, DM, câncer.

HÁBITOS DE VIDA: Paciente heterossexual com uso regular de preservativo (sic) ex-tabagista de ½ carteira diadurante 15 anos. Abstêmio há 10 anos. Refere etilismo social e nega uso de drogas.

EXAME FÍSICO: Paciente em BEG, com idade aparente compatível com referida, pele e mucosa descoradas +++/IV sem gânglios palpáveis. TA = 135x85mmHg FC= 88bpm FR=16ipm Temp = 39.9º.

Face: discreta protusão de globo ocular à direita.
ABD: globoso as custas de PA e LA (macicez móvel e piparote +), com RHA +, sem VMG massas ou dor a palpação. Troube ocupado à percussão.
EXT: Presença de edema indolor e frio de MMSS de ++/IV em todo antebraço e de MMII de +++/IV até coxa. Pulsos +.

EXAMES À INTERNAÇÃO

  PACIENTE VALORES NORMAIS
Uréia 188 Até 40
Creatinina 2.4 Até 1,2
Na 134 135 – 145
K 3.8 3,5 – 5,5
Ca 6.8 8 – 10
P 3.6 2.5 – 4.5
Ht / Hb 19.9 / 7.1  
Leucograma 3000 c/ diferencial normal '4000-11000
Plaquetas 80000 x 106 150000 – 350000 x 106/L
TGO / TGP 32 / 24 10-30 / 5-30
TP 98% 100%
Albumina 2 3,5 – 5,5
Clearence Creatinina 17,3 com prot. 103 mg  
Glicemia 98 70 – 110

SUSPEITAS CLÍNICAS:

  1. Encefalopatia hepática grau 2-3
  2. Insuficiência renal crônica agudizada
  3. Insuficiência hepática sec. a DCPF
  4. Monilíase esofágica (tratada c/ fluconazol)

BIÓPSIA:

Figura 1: Macroscopia.
Figura 2: Macroscopia.
Figura 3: Macroscopia.
Figura 4: Macroscopia.
Figura 5: Médio aumento.
Figura 6: Médio aumento.
Figura 7: Médio aumento.
Figura 8: Grande aumento.
Figura 9: Pequeno aumento.
Figura 10: Médio aumento.
Figura 11: Pequeno aumento.
Figura 12: Médio aumento.
Figura 13: Médio aumento.
Figura 14: Macroscopia.

Diagnósticos anatomo-patológicos: 1) Esquistossomose Hepatoesplênica; 2) Hipertensão portal; 3) Varizes esofagianas; 4) Glomerulonefrite membranoproliferativa difusa esquistossomótica; 5) Esplenomegalia - 1490g.

EVOLUÇÃO: Após o internamento cursou com piora progressiva da função renal e do níveis hematimétricos, primeiro quadro comatoso de etiologia desconhecida em 15/06, pneumonia, anúria, monilíase esofágica, segundo quadro comatoso em 28/06 com encefalopatia hepática sendo provável etiologia do quadro comatoso, septicemia por gram negativo não identificado e choque misto (Séptico e Hipovolêmico) que o levou a óbito em 14/07/2003.

RESUMO E COMENTÁRIOS: Trata-se de um paciente do sexo masculino, 63 anos de idade, natural de Santo Antônio de Jesus-Ba, que foi internado nesse mesmo hospital em 06/06/2003 para investigação diagnóstica de quadro edematoso de (MMII, MMSS e ascite). O quadro teve inicio há 2 anos, e nesse período procurou auxilio médico sem êxito no diagnostico. No internamento trazia exames laboratoriais que revelavam um comprometimento de função renal, HAS, pancitopenia e hipoalbuminemia.

Após o internamento cursou com piora progressiva da função renal e do níveis hematimétricos, primeiro quadro comatoso de etiologia desconhecida em 15/06, pneumonia, anúria, monilíase esofágica, segundo quadro comatoso em 28/06 com encefalopatia hepática sendo provável etiologia do quadro comatoso, septicemia por gram negativo não identificado e choque misto (Séptico e Hipovolêmico) que o levou a óbito em 14/07/2003.

Os principais achados na autópsia estavam representados por: -- fígado com diminuição de tamanho e volume, superfície macronodular (abaixo do RCD e do AX; 900g) secundário a esquistossomose hepatoesplênica; -- esplenomegalia (4 cm abaixo do RCE; 1490g) com evidencias microscópicas de hiperesplenismo e septicemia (esplenite aguda); -- ascite de 200 ml (líquido amarelo-citrino) secundária a hipertensão portal e glomerulopatia esquistossomótica; -- cardiomegalia hipertrófica e concêntrica (410g; 2,2cm no cone de ejeção do VE; septo medindo 3,3 cm) secundária a HAS; -- área de infarto em pulmão esquerdo secundária ao TEP; -- varizes esofagianas discretas secundárias a hipertensão portal esquistossomótica; -- numerosos nódulos amarelados de consistência amolecida em jejuno e íleo (Lipomatose Intestinal); -- Glomerulopatia Membranoploriferativa Difusa Esquistossomótica

A esquistossomose é uma helmintíase de grande importância que infecta cerca de 200 milhões de pessoas em 74 países em todo o mundo. (1) O agente etiológico da doença, é o trematódeo Schistosoma mansoni. Sua patogenia está ligada a vários fatores, tais como: cepa do parasito, carga parasitaria adquirida, idade, estado nutricional, fatores genéticos e resposta imunitária da pessoa. De todos estes fatores, os dois mais importantes são a carga parasitária e a resposta imune do paciente. (2) (3) As fases do ciclo evolutivo do S. mansoni que estão relacionadas com danos ao homem são: cercarias, esquistossômulos, os ovos e os vermes adultos. (2)

Pouco depois da penetração da forma infectante no hospedeiro (cercárias), surgem lesões na pele, também chamadas de dermatite cercariana, que são caracterizadas por erupção urticariforme, edema, pequenas pápulas e dor. Os esquistossomulos são responsáveis pelos sintomas na fase pré-postural. Os produtos da destruição destes causam uma sintomatologia variada: mal-estar, febre, tosse, mialgias e outros. (1) (2)

Com o verme já instalado no organismo humano (veias mesentéricas), podem-se seguir duas formas clínicas: aguda, muitas vezes despercebida, e a outra crônica, na qual podem aparecer às formas graves.

Na forma aguda, os sintomas são mediados por complexos imunes que na maioria dos casos se formam após o deposito de ovos nos tecidos do hospedeiro. Alem disso, alguns sintomas decorrem de uma reação de hipersensibilidade do hospedeiro aos antígenos solúveis secretados pelos ovos.

Os sintomas mais comuns incluem febre, dor de cabeça, mialgias generalizadas, dor no quadrante superior direito, diarréia com presença de sangue, hepatomegalia e esplenomegalia. (1) (2)

A forma crônica é caracterizada pela resposta imune do hospedeiro aos ovos do Schistosoma (reação granulomatosa). A intensidade e duração da infecção determinam a quantia de antígeno liberado e a severidade da doença fibro-obstrutiva crônica. (1) (3) A maioria dos granulomas se desenvolvem em locais de grande acumulação de ovos como o intestino e o fígado. Ovos retidos na parede do intestino induzem a inflamação, hiperplasia, ulcerações, formação de microabcessos e polipose. Diarréia mucossanguinolenta, dores abdominais, tenesmo e períodos de constipação são algumas dos sintomas intestinais. Em alguns casos pode haver fibrose da alça retossigmoide, além da presença de massas inflamatórias no cólon que podem simular uma neoplasia (1) (2) Alguns ovos podem embolizar para ramos da árvore portal no fígado dando início à forma hepatoesplênica da doença. A reação granulomatosa devido à presença de ovos do parasito nessa região, induzem a inflamação perisinusoidal e fibrose periportal (fibrose de symmers) (1)(3)(4) Essa peripileflebite granulomatosa provoca uma retração da cápsula hepática (cápsula de Glisson) pelo fibrosamento dos espaços porta e manutenção da integridade do parênquima hepático. Dessa forma não se nota cirrose hepática (visto que a estrutura e síntese hepatocelular continuam preservadas), e sim a fibrose do órgão, cuja retração de sua cápsula em numerosos pontos provoca a formação de saliências ou lobulações (aspecto semelhante ao casco de um cágado).(2) (3)(4) O resultado disso são achados como: hepatomegalia, esplenomegalia, hipertensão portal , varizes esofágicas e outros. (4)(5)

A infecção conjunta com o vírus da hepatite B ou vírus da hepatite C e S. mansoni está associada com acelerada deterioração da função hepática. A combinação de esquistossomose crônica causada por S. mansoni e infecção por vírus B pode resultar em um risco maior para ocorrência de carcinoma de hepatocelular que aquele atribuível somente para o vírus B. (1)

De forma indireta, a doença provocada pelo S. mansoni também pode acometer os rins provocando uma disfunção nesse órgão. A chamada glomerulonefrite membranoproliferativa esquistossomótica é caracterizada por uma reação de hipersensibilidade do tipo III, onde complexos antígeno-anticorpo podem chegar até os glomérulos produzindo lesão tecidual em conseqüência da sua capacidade de ativar o sistema complemento. Histologicamente esse distúrbio se caracteriza por alterações da membrana basal, proliferação de células glomerulares e infiltração por leucócitos. (6)

Complicações neurológicas também podem ser observados em pacientes com a forma crônica da doença. A encefalopatia hepática descreve amplo espectro de anormalidades neuropsiquiátricas, muitas vezes reversíveis, que ocorrem em pacientes com hepatopatia aguda ou crônica. (7)

O papel chave do astrócito e a presença de neurotoxinas no sangue (amônia e manganês) são principais fatores envolvidos na gênese da EH. As toxinas metabólicas causadoras (geralmente substâncias nitrogenadas) mais provavelmente se originam no intestino.Devido a derivações portossistêmicas, essas substâncias tóxicas se desviam do fígado, onde são normalmente metabolizadas. Depois de se desviar do fígado, essas substâncias tóxicas atravessam a barreira hematoencefálica e exercem efeitos neurotóxicos diretos ou indiretos sobre o sistema nervoso central (distúrbios funcionais nos astrocitos e conseqüentemente uma regulação deficiente dos neurotransmissores). Dessa forma, neuropatologicamente, a encefalopatia hepática se caracteriza por alterações astrocitárias, e não neuronais. Estudos patológicos de pacientes que morreram em coma hepático têm revelado a astrocitose tipo II de Alzheimer (ou seja, astrócitos aumentados de volume com nucléolos proeminentes, marginação da cromatina e núcleos grandes e pálidos). A tomografia por emissão de pósitrons (PET), técnica usada para examinar processos cerebrais metabólicos básicos, mostra utilização significativamente reduzida da glicose no córtex cerebral e concomitante aumento da utilização no tálamo, no lobo caudado e no cerebelo. Esses achados sugerem que o hipometabolismo no cérebro de pacientes com hepatopatia crônica poderia explicar as anormalidades neuropsiquiátricas da encefalo­patia hepática. (7)

O diagnóstico da esquistossomose pode ser feito por exame de fezes (Kato-katz; Lutz), biopsia retal e métodos imunológicos. (2) Além disso, exames laboratoriais podem sugerir uma provável infecção por S.mansoni : eosinofilia moderada no sangue periférico, anemia, hipoalbuminemia, níveis de uréia e creatinina elevados e hipergamaglobulinemia (1)(3). Na formas hepatoesplenicas, a fibrose periportal pode ser vista em ultrasonografia, tomografia computadorizada, ou ressonância magnética. Adicionalmente, os padrões hemodinâmicos podem ser avaliados com o Doppler, sendo possível a análise das veias porta, mesentérica superior e esplênica, além de facilitar o estudo dos vasos venosos colaterais. (1) (2) (8)

O tratamento da doença esquistossomótica pode ser considerado sob dois aspectos: tratamento específico que é feito através de drogas como o Praziquantel (pirazinoisoquinolina) e Oxamniquina e o tratamento das complicações (hipertensão porta, hemorragia digestiva e outros). (1) (9)

BIBLIOGRAFIA:

  1. Allen G.P, Paul B., et all.: Review Article: Schistosomiasis, N. Engl. J. Med., 346(16), 1212-1220, abr 2002.
  2. Neves D.P.: Schistosoma mansoni. In.: Parasitologia Humana, Rio de Janeiro: Atheneu, 8ª ed, 1991, p. 197.
  3. Coelho J.: Doença hepática na esquistossomose.; In: Aparelho digestivo, clínica e cirurgia. Rio de janeiro, MEDSI, 2ª ed, 1996, p. 1071-1084.
  4. Zilton Andrade, Sônia Andrade, et all.: Patologia da Esquistossomose Hepatoesplênica. In.: Aspectos peculiares da infeccção por Schistosoma mansoni, Salvador – Centro Editorial e Didático da UFBa – 1984
  5. Veronesi, Ricardo [et al.]. Esquistossomose Mansoni. In.: Tratado de infectologia. 2ª Sao Paulo : Atheneu, 2002.
  6. COTRAN R. S; KUMAR,V; Collins T. Doenças Glomerulares, Glomerulonefrite Membranoproliferativa. In: .: Patologia Estrutural e Funcional, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S. A., 6a ed., 2000, p. 844 e 860.
  7. Roger F. Butterwrth., Review Article: Patogenesis of hepatic encephalopathy: new insights from neuroimaging and molecular studies, Journal of Hepatology., 39 (2003) 278-285
  8. Machado M. M., Rosa A.C., et all: Aspectos Ultra-Sonograficos da Esquistossomose Hepatoesplenica, Radiol Brás 1002; 35(1): 41-45
  9. Petroianu. A.: Tratamento cirúrgico da hipertensão porta na esquistossomose mansoni, Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 36(2):253-265, mar-abr, 2003.

* Monitor e aluno do curso médico da Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia, cursando o 5º semestre.

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Prof. Luciano Espinheira Fonseca Júnior, Professor-adjunto e coordenador de MED-216
Laudenor P. Lemos-Júnior, aluno do 4º ano e monitor da MED-216