Augusto Emanoel* e Jan Menezes Lopes* IDENTIFICAÇÃO:
T.S., 10 anos, sexo feminino, natural de Salvador e procedente de Salvador.
H.M.A: Paciente com queixa de cefaléia de leve intensidade, há
aproximadamente 1 ano, a qual cedia com o uso de analgésicos. Referia
obstipação há 6 meses. e há aproximadamente
1 mês começou a apresentar visão turva..Procurou por
atendimento médico e, nesta época, foram constatados níveis
pressóricos elevados (280x170mmHg). Foi medicada com anti-hipertensivos,
digitálicos e diuréticos (amiloidpina + ramipril + hidroclorotiazida
+ digoxina) com diminuição dos níveis pressóricos
paRa 180x160mmHg, em 72 horas.
I.S: Paciente nega dispnéia aos esforços, palpitação,
ortopnéia, oligúria, colúria, disúria, edema.
EXAME FÍSICO: Ao exame físico a paciente apresenteva em
bom estado geral, lúcida e orientada no tempo e no espaço,
fácies atípica, longilínea, emagrecida, eupnéica,
afebril, hidratada, descorada ++/4, acianótica, anictérica,
com grande vasoconstrição periférica, extremidades
frias, pulso filiforme e taquicárdica.
A.C.V.: Sem alterações.
AR.: Sem alterações
FUNDOSCOPIA: A fundoscopia apresentou papiledema bilteral, hemorragia
peripapilar e espasmo arteriolar.
EXAMES COMPLEMENTARES
T.C.:Sem alterações.
ECOCARDIOGRAMA: Presença de espessamento pericárdico,
com áreas de calcificação e pequeno déficit
de relaxamento de VE.
USG de abdome: Imagem ovalhada e hipoecóica levemente heterogênea
em situação retroperitoneal e discretamente à esquerda
da linha média. Promovendo aparente desvio das estruturas vasculares
adjacentes e medindo 7,2 x 5,9 cm.
EXAMES LABORATORIAIS:
16/04/04- glicemia 124; triglicerideos 173; uréia 41; creatinina
0,8; TGO 28; TGP 40; colesterol total 301; HDL 57; LDL 209; K 3,8; Na
139; albumina 5,4.
Leucograma: Leucócitos 12500 (Eosinófilos 6%; bastonetes
2%; segmentar 56%; linfócitos 28%; monócitos 8%).
Plaquetas 368000; Hg 13,3G%; hematócrito 41,2%; VHS 24 mg/24h.
Sumário de urina:proteína +++; 8 piócitos por campo.
BIÓPSIA:
Figura 1: Pequeno aumento. Neoplasia
bem delimitada. |
Figura 2: Pequeno aumento. Pequenos maciços
de células neoplásicas delimitadas por finos septos
fibrosos. |
Figura 3: Pequeno aumento. Idem. |
Figura 4: Médio aumento. Pequenos maciços
de células com citoplasma bem definido e discreto grau de atipia
delimitados por septos fibrosos finos. Características de neoplasia
neuro-endócrina. |
Figura 5: Médio aumento. Idem. |
Figura 6: Grande aumento. Idem. |
Figura 7: Grande aumento. Idem. |
EVOLUÇÃO: No dia 06/05/04 a paciente foi submetida à
cirurgia para retirada de massa tumoral retro-peritonial. Após
a exérese da tumoração os níveis pressóricos
da paciente apresentaram redução para o valor de 110x80mmHg
no dia da alta(seis dias após a exérese), contudo mantendo
picos hipertensivos durante o dia. O funcionamento intestinal foi normalizado.
O diagnóstico anatomo-patológico foi de feocromocitoma
em supra-renal esquerda.
RESUMO E COMENTÁRIOS: Trata-se de uma paciente do sexo feminino,
10 anos de idade, com história de hipertensão arterial,
refratária a tratamento, taquicardia e vasoconstricção
periférica e edema de papila. Ultrassonografia abdominal revelou
tumoração retro-peritonial à esquerda cujo exame
anatomo-patológico revelou tratar-se de um feocromocitoma em supra-renal
esquerda.
O feocromocitoma é uma neoplasia que acomete preferencialmente
mulheres, mais freqüente na faixa etária compreendida entre
30-60 anos (4). Ocorrendo em 0,1% da população hipertensa
(o que corresponde a uma incidência de 1,55-8 por um milhão
de pessoas por ano) (1). Em adultos, cerca de 80% são unilaterais
e solitários, enquanto 10% são bilaterais e outros 10% extra
supra-renais. Em crianças, 25% dos tumores são bilaterais
e outros 25% são extra supra-renais e os tumores solitários
predominam no lado direito (4). 10-15% dos casos de feocromocitoma podem
ter relação com causas hereditárias. Muitas síndromes
genéticas, todas transmitidas de modo autossômico dominante
são conhecidas como tendo associação com o risco
aumentado de feocromocitoma, incluindo Síndrome de von Hippel-Lindau
(VHL), Neoplasia Endócrina Múltipla tipo 2 (NEM 2) e Neurofibromatose
do tipo I (NF1) (2).
O quadro clínico observado no feocromocitoma é composto
por cefaléia, sudorese e palpitação, náuseas,
ansiedade, vaso constrição periférica, vômitos,
dispnéia, dores abdominais, rubor facial e elevação
da temperatura, associada à hipertensão refrataria a tratamento
anti-hipertensivo, ocorrendo sintomas cardíacos (taquicardia, angina
do peito, infarto agudo do miocárdio, miocardite, cardiomiopatia
congestiva dilatada, arritmias), digestivo (obstipação),
circulatórios (acidente vascular cerebral, hipotensão ortostática,
choque), renais (proteinúria), pulmonares (edema agudo de pulmão
por insuficiência cardíaca esquerda ou de etiologia não
cardiogênica), Diabetes Mellitus (3).
O diagnóstico laboratorial é obtido a partir do sumario
de urina, dosando catecolaminas e seus metabólitos (ácido
vanililmandélico, adrenalina, noradrenalina, metanefrinas, normetanefrinas),
exame sanguíneo dosando adrenalina, noradrenalina, ácido
vanililmandélico , níveis de hematócrito e VHS; sendo
que todos esses achados estão elevados (4). No diagnóstico
por imagem se utiliza: tomografia computadorizada, ultra-sonografia, ressonância
magnética, positron emission tomography (PET) e mapeamento com
131I metaiodobenzilguanidina. O diagnóstico por testes funcionais
é obtido a partir dos testes de supressão com clonidina
e de estímulo com glucagon (3). O diagnóstico anatomo-patológico
de malignidade só é estabelecido pela presença de
metástase tendo ou não invasão da cápsula,
a histologia com achados de anaplasia não é suficiente para
determinação de malignidade nesta neoplasia (4).
A taxa de sobrevida é de 5 anos após a cirurgia, em geral
é maior que 95%, sendo a taxa de recorrência menor que 10%.
Nos casos malignos a taxa de sobrevida de 5 anos não atinge 50%.
A remoção completa do feocromocitoma produz cura da hipertensão
em cerca de 75% dos pacientes. Nos demais casos, a hipertensão
sofre recidiva; sendo geralmente bem controlada com uso de agentes anti-hipertensivos.
Nesse grupo, a presença de hipertensão essencial subjacente
ou de lesão vascular irreversível induzida por catecolaminas
pode resultar em persistência da hipertensão. Em um seguimento
de pacientes que realizaram cirurgia para retirada de feocromocitoma,
29% mantiveram-se hipertensos, sendo que 24% estavam em tratamento anti-hipertensivo
(20% tinham níveis pressóricos controlados e os 4% restantes
mantinham os níveis pressóricos sem controle) e 5% sem terapêutica.
Aproximadamente 6% foram reoperados, por recorrência local ou evidência
de metástase, numa média de 3,2 anos. Em pacientes com evidencia
de invasão microscópica, a taxa de recorrência em
1,2 ano e 5 anos é de 20% e 33%, respectivamente, contrastando
com nenhuma recorrência quando não se observava invasão
microscópica (3).
O tratamento de escolha é a remoção cirúrgica
(taxa de mortalidade de 2 a 3% em mãos experientes), sendo necessária
a tomas de medidas pré, intra e pós operatórias.
No pré-operatório uso de bloqueadores alfa-adrenérgicos.
Durante o intra-operatório cuidado na manipulação
do tumor. No pós-operatório monitorar pressão arterial
e níveis glicêmicos, pois pode ocorrer hipotensão
e hipoglicemia (3). Nos casos de neoplasia maligna o tratamento clínico
a longo prazo é necessário, já que ocorre impedimento
de cirurgia. Este é realizado com o uso de bloqueadoresadrenergicos,
e caso esses não sejam efetivos pode-se recorrer ao uso de metirosina(inibidor
da tirosina-hidroxilase) que diminui a produção de catecolaminas
pelo tumor. Embora os tumores malignos seja resistentes a radioterapia,
a poliquimioterapia tem sido utilizada com limitado êxito (4).
BIBLIOGRAFIA:
- BAXTER, J.D., et al.: Cardiovascular endocrinology: introduction.
Endocrine Reviews 24 (3): 253-260, 2003.
- BRYANT, J. et al: Pheochromocytoma: the expanding genetic
differential diagnosis. JNCI 95 (16): 1196-1204, 2003.
- FAIÇAL, S. & SHIOTA, D: Feocromocitoma: atualização
diagnóstica e terapêutica. Rev Ass Med Brasil
43(3):237-44, 1997.
- LANDSBERG, L. & YOUNG, J.B. Feocromocitoma. In: Medicina
interna, Rio de Janeiro: McGraw-Hill, 14a ed., 1998 , v.2,
p.2182-2186.
* Monitor e aluno do curso médico da Faculdade de Medicina da
Bahia, Universidade Federal da Bahia, cursando o 5º semestre. |